Brasil veta plano do Mercosul por incluir expressão 'crimes de ódio' contra pessoas LGBT
Em decisão de 2019 que criminalizou a homofobia, STF usou termo 21 vezes
O governo brasileiro vetou um plano de ação de direitos humanos do Mercosul devido à inclusão da expressão "crimes de ódio" contra pessoas LGBT e de citação a "identidade de gênero".
Em reunião da Comissão Permanente LGBT nesta quinta (22), representantes do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e do Itamaraty afirmaram que trecho que propunha a criação de "registro de crimes de ódio e discriminação por razões de identidade de gênero e orientação sexual" era inaceitável.
Também houve oposição à proposta de incluir "identidade de gênero" nos registros administrativos dos países. Procurado, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirmou em nota que "no tocante ao termo 'crime de ódio', a pasta parte do entendimento de que não há tipificação referente a tal modalidade no direito brasileiro, o que pode causar impedimentos legais de aprovação de diretrizes internacionais para registro de crimes que não são reconhecidos pelo ordenamento jurídico pátrio".
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Para Thiago Amparo, professor de direito internacional da FGV-Direito, a justificativa é "completamente descabida". "Em junho do ano passado, o STF [Supremo Tribunal Federal] determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passasse a ser considerada um crime punível pela Lei de Racismo", diz. "E, na decisão, o STF usou a expressão 'crimes de ódio' 21 vezes."
A corte também determinou que delegacias em todo o Brasil qualifiquem discriminação contra pessoas LGBTs como motivo torpe em crimes de homicídio em que haja intenção de matar. Ou seja, mortes em razão de orientação sexual e identidade de gênero passaram a ser vistos como homicídios qualificados.
Segundo Marcelo Ernesto Ferreyra, coordenador para a América Latina da ONG Synergía, dedicada à defesa de direitos humanos, o veto do Brasil inviabiliza o plano para defesa de populações LGBT no bloco.
"Sem acordo não há plano de trabalho, e o grupo de trabalho fica imobilizado", diz Ferreyra, que participou da reunião como representante da sociedade civil. Ele também aponta que a expressão "crime de ódio" foi usada em documentos anteriores da comissão, e o Brasil nunca havia se oposto.
No comunicado, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirma que "nenhuma medida pode ser aprovada sem o expresso aval da integralidade dos Estados membros" e que o tema só voltará a ser discutido na próxima reunião da comissão, no primeiro semestre de 2021.
Desde 2019, o Itamaraty orienta diplomatas para que, em negociações em foros multilaterais, reiterem "o entendimento do governo de que a palavra gênero significa o sexo biológico: feminino ou masculino".
A teoria de gênero estabelece que gênero e orientação sexual são construções sociais, e não apenas determinações biológicas. Já para segmentos da direita, a "ideologia de gênero" é um ataque ao conceito tradicional de família. O chanceler Ernesto Araújo é crítico contumaz do termo.
Em discurso em seminário promovido pelo Itamaraty e pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) em 10 de junho do ano passado, Ernesto criticou o globalismo, afirmando que o conceito promove ideias como a "ideologia de gênero" e tenta criar um mundo no qual "você não tem mais nação, no qual você não tem mais família, no qual você não tem mais homem e mulher".