Exército ignora Ibama, mobiliza 97 agentes e faz vistoria sem punição
O Ibama havia sugerido outro alvo na região, com evidências de ilegalidades, mas foi ignorado
A inauguração das ações de fiscalização ambiental coordenadas pelo Exército mobilizou 97 agentes, dois helicópteros e dezenas de viaturas em Mato Grosso para uma operação que terminou sem multas, prisões ou apreensões.
O Ibama havia sugerido outro alvo na região, com evidências de ilegalidades, mas foi ignorado. A Operação Verde Brasil 2 foi inaugurada na última segunda-feira (11) com presença de jornalistas e gravação de vídeo oficial, com ações em Rondônia, Pará e Mato Grosso.
Em vez de apoiar os órgãos especializados na fiscalização ambiental, como acontecia nos anos anteriores, as Forças Armadas passaram a comandar as operações, conforme o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) publicado no início de maio.
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A reportagem teve acesso a um relatório da operação enviado por e-mail à sede do Ibama e conversou com agentes de forças estaduais e federais em campo na operação em Mato Grosso, onde os alvos escolhidos foram uma área de exploração madeireira na Estação Ecológica Rio Ranuro, em Nova Ubiratã (MT), e também uma serraria na região, indicada pela polícia civil.
A operação reuniu 80 oficiais do Exército, seis policiais civis, dois fiscais ambientais estaduais, um agente do ICMbio, seis fiscais do Ibama e dois peritos criminais do estado do Mato Grosso.
"O representante do Ibama informou que o alvo de Nova Ubiratã já teria sido atendido pelo Ibama duas semanas atrás, onde foi constatada exploração de madeira, no entanto, com atividades já paralisadas", diz o relatório.
"Dessa forma, [o agente do Ibama] sugeriu ao comando um outro alvo localizado a aproximadamente 70 km da Estação Rio Ranuro, precisamente uma exploração ilegal de madeira no interior do Parque Indígena do Xingu".
"Na oportunidade foram entregues mapa e rota de acesso georreferenciados e navegáveis até o alvo. O comandante da operação ficou de analisar o alvo apresentado", continua o documento, que mais adiante descreve a operação realizada e informa que "o alvo indicado pelo Ibama não foi atendido".
"Quem comanda é a vice-presidência. O Exército é só uma mão-de-obra", disse à reportagem a assessoria de imprensa do Exército, por telefone. A reportagem tentou contato com a vice-presidência da República por email e por telefone para saber sobre o critério de escolha dos alvos, mas não obteve retorno.
O relatório do Ibama informa que "não houve nenhuma ação de fiscalização no interior da UC [Estação Ecológica Rio Ranuro]; foi montada barreira na estrada pelo EB [Exército Brasileiro] e o restante da equipe se limitou a aguardar a chegada dos coordenadores da operação".
Já na serraria, a equipe do Ibama relata que "acompanhou levantamento de informações acerca da regularidade da operação, identificando a necessidade de vistoria no estoque do saldo madeireiro da empresa a fim de confirmar eventuais irregularidades".
O documento também informa que a ação foi encerrada "sem nenhum procedimento administrativo executado pelo Ibama, tendo em vista não ter sido identificada nenhuma demanda para tal".
O único resultado da operação foi a apuração de indícios de irregularidade em 3 mil metros cúbicos de madeira, segundo uma nota da assessoria de imprensa da Polícia Civil do Mato Grosso e também um registro do comando do Exército na região.
Segundo os agentes que estavam em campo, não houve apreensão de material, mas apenas retirada de uma amostra da madeira para análise, pois não havia materialidade para a autuação.
Em nota sobre a inauguração da Operação Verde Brasil 2, o Exército informa que "foram apreendidos 3 mil metros cúbicos de madeira e 23 máquinas escavadeiras". Por telefone, a assessoria de imprensa esclareceu que esses resultados foram obtidos em duas operações, em Rondônia e no Pará.
O Exército ainda ressaltou em nota que o material encontrado nas operações "não será destruído pelo Exército, mas será apreendido, retirado do local e/ou mantido sob custódia".
A orientação foi questionada em um grupo de Whatsapp que reúne agentes de diversos órgãos de fiscalização envolvidos na Operação Verde Brasil. Eles argumentaram que a apreensão e transporte de grandes equipamentos em áreas remotas é inviável, além da inutilização ser uma forma eficaz de coibir as atividades ilegais.
Em resposta, uma orientação da sede do ICMBio sugeriu aos agentes, ainda pelo Whatsapp, a "inutilização sem uso de fogo". No ano passado, a decisão sobre destruir equipamentos apreendidos causou atrito entre o Exército e o Ibama durante a primeira Operação Verde Brasil, quando as Forças Armadas, ainda sem poder de comando das operações, ausentou-se das ações que envolviam destruição de materiais.
A demanda para que os equipamentos apreendidos em atividades ilegais não sejam destruídos vem de garimpeiros e madeireiros e é apoiada pelo presidente Bolsonaro.
Já o vice-presidente, Hamilton Mourão, tem outro objetivo: ele busca retomar a confiança internacional sobre o compromisso de conservação da Amazônia, principalmente de Noruega e Alemanha, países doadores do Fundo Amazônia, bloqueado desde o ano passado.
A propaganda oficial da Operação Verde Brasil 2, com imagens da operação em Mato Grosso, tem tradução para o inglês. Após a ação inaugural, o Exército fez pausa de uma semana e informou aos órgãos parceiros que deve retomar a operação nesta terça, dia 18.
Durante a pausa, uma equipe de cinco agentes do Ibama que haviam sido deslocados de outros estados para a operação continuaram atuando na região.
Um registro das ações da equipe inclui encaminhamento de grileiros à Polícia Civil, apreensão de embarcações usadas em pesca predatória e também de veículos e equipamentos usados em exploração ilegal de madeira.
"Ao minimizar o peso do conhecimento técnico e da expertise de servidores especialmente treinados para identificar e combater crimes ambientais e alijá-los dos processos de planejamento e coordenação das ações de fiscalização ambiental, a Operação Verde Brasil 2 corre o risco de se transformar num grande e oneroso fiasco", diz em nota a Associação Nacional dos Servidores de Meio Ambiente (Ascema).
Embora ressalve que o apoio das Forças Armadas é necessário, a associação pontua que o custo mensal da operação das Forças Armadas é próximo do orçamento do Ibama para todo o ano. "A GLO versão 2020 pretende gastar em um mês R$ 60 milhões, com previsão de mobilizar 3,8 mil militares das Forças Armadas, enquanto o Ibama tem cerca de 700 fiscais em todo o país e um orçamento anual de cerca de R$ 70 milhões para atender à fiscalização de todo o território nacional", compara.