Brasileiro diz que tentativa de homicídio contra ex-presidente Cristina Kirchner foi ato de justiça
Processo pode durar até um ano e conta com mais de 300 testemunhas
O principal acusado pelo tentativa de homicídio contra a ex-presidente argentina Cristina Kirchner afirmou durante seu julgamento nesta quarta-feira (26) que tentou assassiná-la como 'um ato de justiça' pelo 'bem social'.
"Kirchner é corrupta, rouba e prejudica a sociedade", justificou-se perante o tribunal o brasileiro Fernando Sabag Montiel, de 37 anos, que em 1º de setembro de 2022 puxou o gatilho duas vezes sem que as balas saíssem na cabeça da então vice-presidente argentina.
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O acusado
O agressor era um vendedor de doces que na noite de 1º de setembro de 2022 atacou Kirchner em frente à sua casa em Buenos Aires, misturado entre centenas de apoiadores que vieram apoiá-la quando ela estava sendo julgada por suposta fraude durante sua presidência (2007-2015).
O brasileiro puxou o gatilho duas vezes sem que as balas saíssem e acabou preso no local.
Sua então namorada, Brenda Uliarte, que o acompanhou até as proximidades do local do incidente, foi presa dias depois, assim como Nicolás Carrizo, seu empregador como vendedor de doces e identificado como possível “planejador”.
Sabag Montiel, também motorista ocasional de uma locadora de veículos e portador de tatuagens com símbolos nazistas, apresentava uma personalidade “narcisista” e um discurso “extravagante” com elementos de hostilidade a Kirchner, segundo especialistas.
Por sua vez, Uliarte é acusada de ser “coautora” e de instigadora, enquanto Carrizo é acusado de cumplicidade.
Outras pessoas detidas como suspeitas foram libertadas à medida que avançava a investigação sobre a chamada "banda de los copitos", o grupo de vendedores ambulantes de algodão doce ao qual pertenciam os acusados.
Choque político
Após o ataque, Kirchner recebeu mensagens de solidariedade de todo o mundo, incluindo um apelo diligente do Papa Francisco. No entanto, também havia uma nuvem de suspeita sobre a veracidade do ataque, posteriormente esclarecida por especialistas que confirmaram que a arma era real e tinha balas na câmara.
No meio de condenações públicas, adversários políticos, como a atual ministra da segurança, Patricia Bullrich, antiga candidata presidencial pela força de direita Together for Change, optaram pelo silêncio.
Seu ex-gerente de campanha e vice, Gerardo Milman, é uma das pessoas que Kirchner pede para investigar, depois de ter sido ouvido falando sobre o ataque antes de ele ocorrer. Um exame pericial de seu telefone ainda está pendente.
Essa e outras pistas sobre o alegado financiamento que dá origem a uma empresa pertencente à família do atual ministro da Economia, Luis Caputo, foram rejeitadas pelo tribunal e fazem parte de uma investigação paralela, apesar de Kirchner ter pedido a sua integração neste julgamento.
"Não há prática mais clara para buscar impunidade para casos complexos do que dividi-los em pequenos pedaços. O que resta nunca mais é investigado", disse Kirchner, em carta pública, quando o sistema judiciário encerrou a investigação e levou o caso a julgamento. “Toda a investigação se caracterizou por evitar conhecer a verdade”, alegou.
O ataque quebrou “um pacto democrático que é a base da democracia: o da não aceitação da violência contra o adversário”, disse à AFP Iván Schuliaquer, formado em Ciência Política pela Universidade de Buenos Aires.
No dia seguinte ao ataque, o governo declarou feriado extraordinário e milhares de pessoas saíram às ruas de todo o país para condenar o ocorrido, convencidas de que a extrema polarização que dominava a cena política havia ultrapassado os limites.
“Foi um antes e um depois, não porque a política tenha mudado, mas porque mostrou claramente que a polarização permite, num determinado sector, que não haja nenhum tipo de condenação quando o atacado é o outro”, disse Schuliaquer.