Butantan desenvolve vacina contra zika para gestantes; testes podem começar já em 2024
Instituto compartilhou com exclusividade ao Globo status da dose que busca prevenir os casos de microcefalia em bebês de mães infectadas
Após direcionar os focos para o combate à Covid-19, o Instituto Butantan retomou o projeto de uma vacina contra o zika vírus (ZIKV) e já tem planos para iniciar os testes pré-clínicos, com animais, em agosto de 2024. Se tudo der certo, a expectativa é que os estudos clínicos, com humanos, comecem cerca de dois anos depois.
— Podemos esperar os testes clínicos para 2026, no mais tardar 2027. Obviamente tudo depende de fatores como a epidemiologia da doença. Se ela provoca um surto no próximo ano podemos ter uma aceleração, se ela desaparece, o interesse pode diminuir. Essa vacina começou a ser desenvolvida ainda em 2017, mas nós contamos como se tivesse apenas três anos. Porque de 2020 até metade deste ano, todos os esforços foram para a Covid-19 — diz o diretor do Laboratório Multipropósito do Instituto Butantan, Renato Mancini Astray, um dos responsáveis pelo projeto.
O objetivo é que a dose proteja gestantes contra o patógeno e, consequentemente, os fetos da Síndrome da Zika Congênita (SZC) – um conjunto de anomalias decorrentes da infecção da mãe pelo vírus. O foco não é na população geral pois a doença costuma ser mais leve, e com estimativas apontando que cerca de 80% dos contaminados são assintomáticos.
Já entre as grávidas, a realidade é diferente: segundo um trabalho de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz e outras 25 instituições brasileiras, cerca de 1 a cada 3 filhos de mulheres que contraíram o vírus durante a gestação apresentam um dos quadros ligados à SZC.
O estudo, publicado na revista científica The Lancet Regional Health - Americas, analisou dados da epidemia do vírus no Brasil de 2015 a 2017. Na época, a zika foi detectada pela primeira vez no país depois que uma explosão de casos de microcefalia, malformação que leva o cérebro do bebê a não se desenvolver da forma adequada, acendeu o alerta.
Ainda em 2015, o Brasil chegou a declarar Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) devido ao surto e, em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou emergência internacional. Desde então, porém, o número de casos de SCZ tem caído ano a ano.
Segundo o último boletim epidemiológico sobre o tema publicado pelo Ministério da Saúde, o Brasil registrou 21.779 casos suspeitos da síndrome de 2015 até agosto de 2023. Destes, mais de 15 mil foram apenas entre 2015 e 2017. Neste ano, foram 566 suspeitas.
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Menor circulação é desafio para testes clínicos
No momento, após testar mais de 60 composições, os pesquisadores do Butantan chegaram a duas formulações adequadas e trabalham na versão final que será encaminhada para os estudos pré-clínicos. A expectativa é boa – os trabalhos chamados de “prova de conceito”, em laboratório, demonstraram que a vacina é capaz de gerar anticorpos neutralizantes contra o vírus.
A tecnologia utilizada, que envolve o uso do patógeno inativado para estimular o sistema imune, é também dominada pelo instituto. Além disso, trata-se de uma plataforma vacinal considerada segura para o uso em gestantes. A ideia é produzi-la na nova fábrica do Butantan, que foi inaugurada no início do ano passado.
— A nossa vacina é de vírus inativado. Ela é feita na mesma plataforma do imunizante que o Butantan deve lançar no próximo ano para a dengue. O vírus é cultivado em uma cultura de células originadas de um macaco. Nós infectamos essas células, recolhemos o vírus, fazemos a inativação química, a purificação e fazemos a formulação da vacina — diz Astray.
Um dos desafios para o avanço do imunizante, porém, é justamente a melhora do cenário da zika no Brasil. De acordo com a série histórica do Ministério da Saúde, foram 9.636 casos neste ano até meados de agosto – número consideravelmente inferior às 213.350 infecções registradas em 2016, pior ano da epidemia da doença.
— Isso porque nas fases iniciais dos estudos clínicos você testa toxicidade, imunogenicidade, medindo as respostas das pessoas, é mais fácil. Mas a última etapa, a fase 3, que avalia a eficácia, precisa ser feita numa condição em que a doença esteja circulando, para comparar as infecções entre as pessoas vacinadas e o grupo placebo. E hoje temos poucos casos de zika no Brasil e no mundo, temos alguns surtos esporádicos — explica o pesquisador do Butantan.
Porém, ele conta que há alternativas que poderão ser consideradas mais para frente conforme a dose for avançando nos testes pré-clínicos e nas primeiras etapas dos estudos em humanos:
— Uma viável e que está em bastante vigência não só para zika, como para outras doenças, é a utilização de ensaios de desafio em humanos. São testes em que você faz uma infecção controlada em pessoas vacinadas e não vacinadas, e consegue comprovar se a vacina é efetiva ou não. No caso da zika, que é um vírus que não traz uma morbidade, uma doença muito acentuada na maior parte dos casos, isso tem uma aceitabilidade maior. Obviamente nunca seria feito em mulheres grávidas, mas é uma possibilidade de levar a vacina adiante — continua Astray.
O diretor do Laboratório Multipropósito do Instituto Butantan destaca ainda outro ganho importante de levar o imunizante até uma possível aprovação pela Anvisa – alcançar o feito raro de ter uma vacina desenvolvida inteiramente no Brasil:
— O país importa muito insumo para produção, não é autossuficiente. Nós acabamos transferindo tecnologias de fora, então ficamos sempre dependentes. Mas se você consegue desenvolver uma vacina do zero e cumprir todos os passos até ela sair do papel, você cria uma trilha que pode seguir de novo caso apareça um vírus semelhante, por exemplo. É por isso que a SinoVac (farmacêutica chinesa responsável pela CoronaVac) fez a vacina da Covid-19 tão rápido, eles já tinham desenvolvido uma dose para outro coronavírus. E isso é o que estamos fazendo aqui com a vacina da zika e que está sendo feito na UFMG, por exemplo, com a dose para a Covid-19.