"Caçadores de vírus" rastreiam ameaças para evitar nova pandemia
Grupo já sequenciou aproximadamente 13 mil amostras desde que iniciou operações, em 2021
Uma rede global de médicos e laboratórios está trabalhando para detectar o surgimento de novas ameaças virais, muitas delas motivadas pelas alterações climáticas, em uma tentativa de evitar a próxima pandemia global.
Esta coligação de “caçadores de vírus”, como se autodenominam, já descobriu uma doença invulgar transmitida por carraças na Tailândia ou um surto infeccioso na Colômbia transmitido por mosquitos.
“A lista de questões com as quais temos de nos preocupar, como vimos com a Covid-19, não é estática”, diz Gavin Cloherty, especialista em doenças infecciosas que lidera a Abbott Pandemic Defense Coalition. “Temos que estar muito atentos aos males que já conhecemos e que estão evoluindo (…) Mas também se há novos garotos no bairro”, diz à AFP.
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A coalizão reúne médicos e cientistas de universidades e instituições de saúde em todo o mundo, financiada pela gigante de dispositivos médicos e de saúde Abbott. Ao descobrir novas ameaças, o grupo dá uma vantagem à empresa na concepção dos testes de diagnóstico que foram fundamentais na resposta à pandemia de covid-19.
O seu envolvimento proporciona à coligação recursos extensivos e a capacidade de detectar e sequenciar, mas também de responder a novos vírus.
“Quando encontramos algo, somos capazes de desenvolver rapidamente testes de diagnóstico de nível industrial”, diz Cloherty. “A ideia é conter um surto, para podermos prevenir uma pandemia”, acrescenta.
O grupo já sequenciou aproximadamente 13 mil amostras desde que iniciou suas operações em 2021. Na Colômbia, ele descobriu um surto de Oropouche, um vírus transmitido por mosquitos que mal havia sido observado anteriormente. O trabalho filogenético para traçar a árvore genealógica da cepa revelou que ela veio do Peru ou do Equador e não do Brasil, outro foco da doença.
“Você pode ver de onde vêm as coisas. É importante do ponto de vista da saúde pública”, diz Cloherty.
Ligação com as mudanças climáticas
Mais recentemente, o grupo trabalhou com médicos na Tailândia para descobrir que um vírus transmitido por carraças estava por trás de um misterioso conjunto de casos de pacientes doentes.
“Naquela altura não sabíamos que vírus causava esta síndrome”, explica Pakpoom Phoompoung, professor associado de doenças infecciosas no Hospital Siriraj, em Bangkok.
A análise e o sequenciamento das amostras colhidas desde 2014 concluíram que muitas eram positivas para febre grave com vírus da síndrome trombocitopênica (SFTSV).
“Menos de dez pacientes foram (anteriormente) diagnosticados com SFTSV na Tailândia (…). Não temos um teste de diagnóstico PCR, não temos sorologia para o diagnóstico desta infecção viral”, disse Pakpoom à AFP. Diagnosticá-lo “é difícil, trabalhoso e também caro”.
Mas, ao mesmo tempo, a necessidade de controlar estas ameaças está crescendo porque as alterações climáticas alargam globalmente o espectro de doenças infecciosas. A ligação entre elas e as doenças infecciosas foi bem explicada pela ciência e é multifacetada.
As condições mais quentes permitem que transmissores como os mosquitos vivam em novos ambientes, o aumento das chuvas intensas cria mais locais de reprodução e os acontecimentos climáticos extremos deixam mais pessoas ao ar livre, onde são mais vulneráveis. O impacto humano no planeta incentiva a propagação e evolução de doenças infecciosas de outras formas: a perda de biodiversidade força os vírus a evoluir em novos hospedeiros e empurra os animais para mais perto de áreas povoadas.
De Bangkok a Boston
A análise filogenética da cepa SFTSV na Tailândia fornece um exemplo das complexas interrelações. O vírus passou de uma espécie de carrapato com presença geográfica reduzida para o carrapato asiático de chifre longo, mais resistente e difundido. As análises sugerem que sua evolução foi causada principalmente pelo uso de agrotóxicos que reduziram a população do primeiro tipo de carrapato.
Uma vez no novo hospedeiro, o vírus se espalhou ainda mais porque os carrapatos asiáticos de chifre longo podem viver em pássaros, que se movem mais longe e mais rápido.
“É quase como se eles fossem uma companhia aérea”, diz Cloherty.
Os vestígios das alterações climáticas estão por todo o lado, desde surtos de dengue na América Latina e no Caribe até à propagação do vírus do Nilo Ocidental nos Estados Unidos. Embora a relação tenha se baseado no trabalho anterior à última pandemia, a propagação global da Covid-19 foi um poderoso lembrete dos riscos destas doenças. Mas Cloherty teme que a população já esteja a esquecer estas lições.
“Temos que estar vigilantes”, diz ele. "Algo que está acontecendo agora em Bangkok pode acontecer amanhã em Boston."