Cama e colchão que protegem barriga ajudam gestantes graves de Covid-19
Dois hospitais públicos paulistas ligados à USP estão testando uma maca e um colchão especiais que podem ajudar na recuperação de gestantes internadas na UTI por Covid-19 que precisam ficar de bruços
Dois hospitais públicos paulistas ligados à USP estão testando uma maca e um colchão especiais que podem ajudar na recuperação de gestantes internadas na UTI por Covid-19 que precisam ficar de bruços. Em muitos casos de insuficiência respiratória grave que exigem intubação, é preciso pronar a paciente, ou seja, deixá-la de barriga para baixo para que o pulmão possa se expandir com a mais eficiência, melhorando o padrão respiratório. Isso significa deixar a gestante nessa posição por até 20 horas. Se a gravidez estiver mais avançada, a mulher ficará deitada sobre o feto, o que pode ser prejudicial.
A maca que permite que a gestante fique em diferentes posições foi testada e validada no Hospital das Clínicas de São Paulo e já tem patente a aguarda aval da Anvisa para ser comercializada. Já o colchão, desenvolvido na HC de Ribeirão, foi uma ideia mais caseira, a partir de uma necessidade real de atender uma paciente com Covid no sétimo mês de gestação.
"A maioria dos serviços tem medo de pronar gestantes, principalmente as obesas. Há um risco de compressão do abdome, de aumentar a pressão intra-abdominal", explica a obstetra Rossana Pulcinelli Francisco, professora da USP e coordenadora de obstretrícia do HC-SP.
Ela foi orientadora do doutorado da fisioterapeuta Claudia Oliveira, em que o uso da maca foi testado e validado como seguro para as gestantes e o bebê. "Ela é feita de uma forma em que você aumenta ou diminui [a curvatura], ajustando perfeitamente ao tamanho do abdome e à extensão da coluna. Se adequa para cada paciente", explica Francisco.
Desenvolvido pelas áreas de fisioterapia e engenharia da UniSanta (Santos), o equipamento foi pensado para ajudar na reabilitação de problemas de coluna das gestantes, como, por exemplo, hérnia de disco. Foram testados três protótipos durante três anos.
"Às vezes, a gente faz algo pensando numa coisa e lá na frente você descobre que é para um outro propósito", diz Oliveira, que também tem formação em fisioterapia respiratória.
Ela é coautora de um estudo publicado na revista Clinics em que foi testado a melhoria de parâmetros de oxigenação e pressão arterial, além do conforto da gestante, em diferentes posições na maca. Oliveira afirma que a ideia surgiu há 26 anos, quando ela engravidou pela primeira vez.
"Sempre gostei de dormir de barriga para baixo. Quando engravidei, fazia um montinho de areia na praia para ficar mais confortável. Comecei a pensar na biomecânica, como facilitar um posicionamento mais neutro da pelve na gravidez."
Durante a pandemia, no HC de São Paulo, referência na capital e na Grande São Paulo em atendimento de gestantes com Covid, a maca também passou a ser estudada em casos de pacientes com insuficiência respiratória. Desde março, 190 gestantes foram atendidas, sendo que 42 foram para a UTI e quatro precisaram de pronação.
Segundo Rossana Francisco, o equipamento foi usado até agora em uma gestante e em outras tantas puérperas, sempre dentro do protocolo de pesquisa. "Foi tudo bem, melhorou demais os parâmetros respiratórios. Poderíamos ter usado em mais casos se a maca já tivesse aval da Anvisa", diz. O equipamento já passou por vários testes e está fase final de análise na agência regulatória.
Já o colchão do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto nasceu de uma necessidade real trazida pela pandemia de Covid-19. Foi desenvolvido pela médica Patrícia Melli, do departamento de ginecologia e obstetrícia, e pelo técnico Cléber Braz, da oficina ortopédica do centro de reabilitação do hospital.
Melli diz que a ideia surgiu ao atender uma paciente com 31 semanas de gestação (final do sétimo mês da gravidez) com insuficiência respiratória grave que precisou de intubação e quase foi pronada.
Depois do susto, ela começou a pensar numa forma "caseira" de proporcionar uma condição adequada e confortável para acomodar o volume abdominal de gestantes pronadas, que precisariam ficar deitadas sobre o feto por várias horas.
Ao fazer uma busca na literatura, ela encontrou o estudo da fisioterapeuta Claudia Oliveira sobre a maca, mas pensou em desenvolver um modelo mais simples e funcional e pediu ajuda ao técnico Braz. "Em três dias, o protótipo já estava pronto."
O colchão de 1,80 metro de comprimento por 80 cm de largura tem uma circunferência ajustável no meio, formando um arco, que permite que o abdome se encaixe. Suporta até 130 kg. Tem ainda dois travesseiros que servirão para acomodar melhor o abdome da gestante.
"Se a paciente estiver numa idade gestacional inicial, com um abdome menor, as almofadas amortecem o espaço criado no centro do colchão para o útero gravídico." O colchão tem também orifícios para passar os tubos de intubação.
Macas e colchões especiais podem ajudar no tratamento e no conforto da gestante com Covid-19, mas para reduzir o risco de mortalidade materna é preciso ir muito mais além, segundo Rossana Francisco, que também preside da sociedade paulista de ginecologia e obstetrícia.
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Até o início do mês, ao menos 204 mulheres já tinham morrido no país durante a gestação ou no pós parto após diagnóstico de Covid-19. No estado de São Paulo, foram ao menos 26 óbitos. No total, há mais de 1.800 casos da doença notificados nesses grupos, segundo dados do Sivep-Gripe (Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe);
No Hospital das Clínicas de São Paulo, foram seis mortes entre as 190 gestantes atendidas desde março, uma taxa comparada a países como Reino Unido e França.
Segundo Francisco, foi firmado um acordo entre as secretarias estadual e municipal de saúde por meio do qual todo fluxo de gestantes com insuficiência respiratória por Covid segue para o HC de São Paulo.
Quatro gestantes chegaram a fazer o parto na UTI. Uma delas morreu. "São casos muito complexos, que precisam de tecnologia, de acesso à dialise, de pessoal altamente capacitado, obstetrícia e UTI muito bem alinhados. Maternidades mais simples não têm essa estrutura."
Para ela, também é fundamental que os serviços de saúde acompanhem de muito perto o pré-natal nesse período para detectar mais precocemente os riscos.