Capitólio: líderes de grupos de extrema direita perdoados por Trump indicam desejo de vingança
Enrique Tarrio e Stweart Rhodes pediram que parlamentares, testemunhas de acusação e advogados fossem presos e processados
Líderes de organizações de extrema direita que participaram d o ataque ao Capitólio em janeiro de 2021 e foram libertados após decreto assinado pelo presidente Donald Trump, que perdoou ou comutou suas sentenças, expressaram seu desejo de vingança contra autoridades responsáveis por suas sentenças e prisões.
Em declarações feitas à imprensa em suas primeiras horas de liberdade, Enrique Tarrio e Stweart Rhodes — líderes do Proud Boys e Oath Keepers, respectivamente — pediram que parlamentares, testemunhas de acusação e advogados fossem presos e processados, além de deram indícios de um reagrupamento.
— Estou feliz que o presidente esteja focando não em retaliação, mas no sucesso. Mas vou te dizer que não jogarei dentro dessas regras — afirmou Tarrio, cujo grupo foi designado como terrorista neofascista pelo Canadá, aos repórteres. — Eles precisam pagar pelo que fizeram.
Mais tarde, em entrevista a um teórico da conspiração pró-Trump, Tarrio especificou que o "sucesso será a vingança" e defendeu que "as pessoas que fizeram isso [o condenaram], precisam sentir o gostinho". Ele também agradeceu Trump pela libertação:
— Vinte e dois anos... Esta não é uma sentença curta. É o resto da minha vida. Então Trump literalmente me devolveu a vida — disse ao canal do teórico da conspiração.
O extremista, que a Justiça considerou que agiu para idealizar e coordenar a tentativa de impedir a confirmação do resultado das eleições vencidas por Joe Biden, sugeriu que a imprensa parasse de identificá-lo como "ex-Proud Boy", em uma sinalização que teria se juntado novamente ao grupo, mas sem detalhar.
Rhodes, condenado a 18 anos de prisão por uma série de acusações, incluindo conspiração sediciosa, também disse à rede BBC que estava "muito grato" a Trump.
Após ser solto de uma prisão em Maryland, dirigiu-se à frente da cadeia de Washington, onde a maioria dos presos relacionados ao caso cumprem pena, e declarou que "sempre soube" que o republicano concederia liberdade a todos. Em sua sentença, em 2023, declarou desafiadoramente que era "um prisioneiro político".
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Assim como Tarrio, defendeu que os policiais do Capitólio que testemunharam contra ele — algo que é imposto pela lei americana — e os advogados do Departamento de Justiça que acompanharam seu caso fossem processados. O extremista alega que, na verdade, os agentes foram os responsáveis pela balbúrdia. Naquele dia, mais de 150 policiais ficaram feridos.
O extremista afirmou à BBC que gostaria que seu grupo "voltasse à missão que tínhamos no começo... defender que a polícia dos Estados Unidos seguisse a Constituição e não violasse os direitos das pessoas".
Os agentes responsáveis pela defesa do Congresso rebateram as acusações, enfatizando que enfrentaram uma turba de vândalos determinada a impedir um processo democrático. Para muitos, a medida é controversa.
Durante o ataque, alguns policiais foram atingidos na cabeça com tacos de beisebol, mastros de bandeira e canos. Uma deles perdeu a consciência depois que os manifestantes usaram uma barreira de metal para empurrá-la para baixo enquanto marchavam para o prédio.
— É um erro judiciário, uma traição, uma zombaria e uma profanação dos homens e mulheres que arriscaram suas vidas defendendo nossa democracia — disse Aquilino Gonell, ex-sargento da Polícia do Capitólio, que se aposentou por causa de lesões sofridas durante o ataque.
Com apenas uma assinatura, Trump colocou fim ao esforço conduzido por autoridades judiciais americanas nos últimos quatro anos. Em um decreto, o republicano perdoou ou comutou as sentenças de mais de 1,5 mil pessoas que participaram dos atos antidemocráticos no Capitólio, em 6 de janeiro de 2021 — colocando em liberdade líderes de milícias armadas extremistas, algumas delas consideradas como organizações terroristas no exterior, no início do que desponta como um processo revisionista sobre os atos antidemocráticos.
Questionado durante uma entrevista na Casa Branca na terça-feira, se os perdões estavam enviando uma mensagem de que agredir policiais é OK, Trump defendeu a adoção da medida e afirmou que a mensagem era "o oposto".
— Essas pessoas já cumpriram anos de prisão, e os cumpriram cruelmente — disse o presidente americano. — É uma prisão nojenta. Foi horrível. É desumano. Foi uma coisa terrível, terrível.
Reagrupamento
A BBC explicou que após a invasão ao Capitólio e a prisão dos líderes desses grupos, os Oath Kepers suspenderam suas operações em grande parte, enquanto os Proud Boys se fragmentaram, recuando para seus redutos e atuando de maneira mais discreta.
Agentes federais em todo o país prenderam dezenas de pessoas de ambas as organizações, e promotores julgaram e condenaram dezenas de seus integrantes — muitas vezes com a ajuda de traidores e informantes de dentro.
Embora Tarrio tenha indicado que está de volta ao grupo, no geral, ele e Rhodes evitaram quaisquer declarações sobre o futuro de suas organizações. Também foram cautelosos quanto ao tipo de perfil as organizações que eles lideravam teriam em uma segunda administração Trump. No dia da posse, integrantes do Proud Boys foram em números consideráveis a Washington pela primeira vez desde 6 de janeiro de 2021, marchando com uma faixa parabenizando o republicano.
Nos últimos dias, os grupos no Telegram dessas organizações foram inundados de mensagens comemorativas, além de ameaças e insultos a opositores. Os extremistas discutem o seu reagrupamento e o envolvimento nos esforços para deportar imigrantes, pilar do novo governo Trump, embora a base legal para isso não esteja clara.
Ao longo da campanha presidencial americana, Trump saiu em defesa dos presos por envolvimento no 6 de janeiro, chegando a classificar a data como um "dia bonito". No dia da posse, em um discurso a apoiadores logo após a cerimônia oficial, o republicano prometeu que tomaria "ações" destinadas aos que definiu como "reféns do 6 de janeiro". Horas depois, assinou o decreto.
Na ordem executiva, o presidente determinou dois tipos de medidas. Para 14 indivíduos específicos, incluindo Rhodes, Trump ordenou a comutação das sentenças, limitando-as a data de 20 de janeiro deste ano. Foram beneficiados com esta medida outras lideranças e pessoas que tiveram comprovada atuação junto aos grupos mais radicais durante os ataques.
Para todos os outros envolvidos em "eventos ocorridos perto ou no Capitólio dos EUA" naquela data, Trump ofereceu um perdão "irrestrito, incondicional e completo", restaurando o status legal dos beneficiados, como se nunca tivessem cometido qualquer crime. Tarrio, líder dos Proud Boys, foi beneficiado com a segunda medida.
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"Esta proclamação põe fim a uma grave injustiça nacional que foi perpetrada contra o povo americano nos últimos quatro anos e inicia um processo de reconciliação nacional", diz o texto do decreto.
Sentimentos opostos
As celebrações não ficaram restritas a esses líderes de grupos extremistas. Jake Angeli-Chansley, que ficou conhecido durante a invasão como "Xamã do QAnon" por participar do ataque vestido com um casaco de couro com chifres, comemorou a decisão em uma publicação no X. Condenado a três anos de prisão, ele já havia sido liberado do regime fechado no começo de 2023, mas seguia cumprindo ordens restritivas — suspensas pelo perdão presidencial.
"Eu recebi agora as notícias do meu advogado... Eu fui perdoado, bebê! Obrigado presidente Trump!!! Agora eu vou comprar algumas armas filhas da p*! Eu amo este país!!! Deus abençoe a América", escreveu Chansley, referindo-se a um dos efeitos do perdão presidencial, a suspensão das condições de liberdade condicional.
Mas pequenos sinais de dissidência surgiram entre beneficiados pela medida desde que Trump assinou o perdão. A americana Pam Hemphill, que se declarou culpada por participar da invasão do Capitólio e foi condenada a 60 dias de prisão, afirmou que não aceitaria o benefício, a fim de não "insultar" os policiais do Capitólio, o Estado de Direito e o país.
— Eu me declarei culpada porque eu era culpada, e aceitar um perdão também serviria para contribuir com seu 'gaslighting' [desaparecimento] e narrativa falsa — afirmou Pam, em entrevista à rede britânica BBC.
Além do perdão amplo aos condenados e investigados e do texto do decreto, que configura um reconhecimento oficial por parte do governo americano de que toda a persecução penal envolvendo o caso se tratou de uma "injustiça", há sinais de que o revisionismo pode evoluir para um apagamento da História em torno de 6 de janeiro.
O FBI, a polícia federal americana, tirou do ar todas as páginas oficiais sobre os detalhes da investigação, informações sobre pessoas presas e pedidos de informações sobre suspeitos que ainda eram investigados. Em um depoimento à rede americana NBC, um porta-voz disse que os sites "não estão mais ativos", mas não explicou porque eles foram ocutados ou quem ordenou a mudança.
Veja quem foi perdoado por Trump:
Enrique Tarrio: Ex-líder do grupo extremista Proud Boys, Enrique Tarrio, de 42 anos, estava cumprindo uma pena de 22 anos de prisão antes de ser liberado. Promotores o descreveram como um "extremista astuto", e teria ajudado a mobilizar e ordenar as pessoas que invadiram o Capitólio. Antes dos eventos de 6 de janeiro de 2021, ele se envolveu em uma série de protestos violentos, inspirados pelo comício supremacista branco em Charlottesville.
Ex-líder do grupo extremista Proud Boys, Enrique Tarrio, de 42 anos, estava cumprindo uma pena de 22 anos de prisão antes de ser liberado. Promotores o descreveram como um "extremista astuto", e teria ajudado a mobilizar e ordenar as pessoas que invadiram o Capitólio. Antes dos eventos de 6 de janeiro de 2021, ele se envolveu em uma série de protestos violentos, inspirados pelo comício supremacista branco em Charlottesville.
Stewart Rhodes: Veterano do Exército e advogado formado pela prestigiada universidade Yale, Stewart Rhodes é um dos fundadores do grupo extremista armado Oath Keepers, que se envolveu ao longo da última década em uma série de confrontações armadas com autoridades públicas e movimentos sociais — como o Black Lives Matter. Rhodes, que sempre afirmou ser um preso político, não estava no Capitólio no dia da invasão, mas os promotores conseguiram recuperar mensagens criptografadas que manteve com integrantes em solo, instruindo-os a agir.
Ao fundar o Oath Keepers em 2009, Rhodes esteve orientado por uma série de teorias conspiratórias e não comprovadas sobre o "Estado profundo" americano, adotando uma posição fortemente abertamente antigoverno. Isso mudou com a chegada de Donald Trump ao pode.
Jake Angeli-Chansley: Apelidado de "Xamã do QAnon" pela roupa extravagante que utilizou durante os atos antidemocráticos de 6 de janeiro de 2021, Jake Angeli-Chansley se declarou culpado da acusação de obstruir um procedimento oficial durante uma audiência em 2023. Ele foi associado ao grupo orientado por uma série de crenças bizarras e teorias conspiratórias. Algumas das teorias difundidas na época do primeiro mandato de Trump era de que os bastidores do poder americano eram dominados por um complô de pedófilos adoradores de Satã.
Em 2023, Chansley compareceu diante de um juiz e se disse profundamente arrependido por seus atos no dia 6 de janeiro, afirmando estar caminhando "na direção oposta" à que seguiu no dia da invasão. Atualmente, ele tem mais de 156 mil seguidores na rede social X (na qual se apresenta com sua foto vestido de Xamã) e tem um site chamado Academia Verdade Esquecida.
Ethan Nordean: Condenado a 18 anos de prisão, o ex-líder do Proud Boys, Ethan Nordean, foi um dos 14 envolvidos no ataque ao Capitólio a ter a pena comutada por Trump — e não receber o perdão total e irrestrito. Ele foi apontado pela promotoria como o "líder indiscutível no solo" durante as ações que tentaram impedir a transição de poder pacífica.
Nordean já era conhecido das autoridades por sua atuação, muitas vezes violentas, como integrante do Proud Boys. Ele começou a frequentar encontros do grupo em 2017, mesmo ano em que foi realizada a marcha supremacista em Charlottesville. Em muitos casos, ele esteve na linha de frente do grupo em confrontos com movimentos antifascistas em diferentes cidades dos EUA.
Thomas Caldwell e Edward Vallejo: Veteranos das Forças Armadas americanas beneficiados por Trump, Caldwell e Edward Vallejo foram apontado pela promotoria como responsáveis por coordenar uma "força de reação rápida" dos Oath Keepers para entrar em ação, e armar extremistas caso fosse necessário. Caldwell teria enviado uma mensagem ao grupo, afirmando ter conseguido um barco para "transportar armas pesadas", enquanto Vallejo teria dito estar "a espera" das ordens para agir. Os dois foram condenados com base em suas atividades nos arredores de Washington, e nunca entraram de fato no Capotólio.
Joseph Biggs e Zachary Rehl: Outros dois ex-líderes do Proud Boys que terminaram condenados por participação nos atos de 6 de janeiro de 2021, Biggs e Rehl agiram boa parte do tempo em conjunto, segundo o processo judicial.
De acordo com um relato da rede americana CBS, Rehl e Biggs estavam em um grupo de cerca de 200 pessoas que marcharam em direção ao Capitólio e entraram em confronto com a polícia. Ainda segundo o relato, a promotoria acusou Rehl de ter usado um irritante químico contra o rosto de um policial. (Com NYT)