Capitólio: Prefeito admite falta de estudo de risco; polícia, Defesa Civil e Marinha se esquivam
Representantes do Corpo de Bombeiros, da Polícia Civil e prefeitura têm imputado responsabilidade à Marinha do Brasil
Em meio a uma tragédia que deixou pelo menos dez mortos, a discussão acerca da responsabilização sobre as prevenções que deveriam ter sido tomadas para evitar o risco a visitantes no local onde parte de um cânion desabou sobre lanchas no Lago de Furnas, em Capitólio (MG), continua em aberto.
Enquanto representantes do Corpo de Bombeiros, da Polícia Civil e prefeitura têm imputado responsabilidade à Marinha do Brasil sobre o controle da exploração turística da área, a prevenção de desabamentos tem sido objeto de esquiva das autoridades. Polícia, Bombeiros e Defesa Civil mineiros afirmam ser necessário esperar as investigações, enquanto a Marinha não se pronunciou ontem.
O prefeito de Capitólio, Cristiano Geraldo da Silva (PP-MG), admitiu que não era feito nenhum tipo de acompanhamento geológico no ponto turístico.
"Estamos fazendo um trabalho desde o ano passado sobre trombas d’água, para mobilizar os empresários, os turistas, para que ficassem atentos a elas. Queda de paredão nunca tivemos. É uma injustiça querer cobrar isso. Foi uma fatalidade", disse o prefeito.
Cristiano Silva também disse, em entrevista à Globonews, que não há uma norma que impeça as lanchas de estar naquele local, próximas do paredão, e acrescentou que é proibido que os barcos atraquem no cânion para que banhistas entrem na água. Segundo ele, há pontos específicos para mergulho, onde há bares flutuantes.
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O Globo não conseguiu contato com a Marinha sobre o assunto. Anteontem, a instituição informou que abriria um inquérito para apurar responsabilidades sobre a tragédia. Para o engenheiro ambiental e professor de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), David Zee, no entanto, a responsabilidade dos militares é sobre a segurança e licenciamento das embarcações, e não acerca dos estudos geológicos. Para ele, a prefeitura deveria ter um estudo de rotina sobre os riscos num local que recebe tantos turistas todos os anos, e que foi preenchido artificialmente por água.
"A última a ser responsabilizada deve ser a Marinha. Ela ali é responsável por fiscalizar o barco, os equipamentos de segurança e a documentação. A Marinha não faz estudos geológicos. É algo que, ao meu ver, é de responsabilidade da prefeitura local. Até porque esses percursos turísticos são previstos, têm início meio e fim, o que facilita um acompanhamento técnico", opinou.
"Há ali uma sucessão de erros. A prefeitura deveria fazer um laudo rotineiro de risco biológico. O barqueiro, nativo dali, também deveria ter noções mínimas das condições, e deveria manter uma distância igual à do tamanho do cânion. Aquele é um local que encheram de água, e que atingiu locais que antes não eram atingidos. Há rochas com diferentes características, umas são impermeáveis e outras se expandem."
Para a geógrafa Ana Luiza Coelho Netto, a responsabilidade deveria ser atribuída às três esferas: municipal, estadual e federal.
"A responsabilidade deveria estar nas instancias de governo afins ao planejamentos e gestão territorial, com foco na gestão de riscos ou melhor, dos múltiplos riscos aos quais estamos expostos, incluindo as três esferas, devidamente articuladas", disse. "Não se pode ignorar o caráter dinâmico dos fenômenos da natureza os quais, por sua vez, respondem por mudanças nos sistemas ambientais que regulam esses fenômenos. Se não, “um dia a casa cai”."
“Essa pedra vai cair”. A constatação, feita pelo médico Flávio Freitas, de 52 anos, durante uma visita ao exato lugar da tragédia há quase uma década, em 2012, indica que, mesmo na visão de um leigo, já era possível observar que havia algo de perigoso na fenda que acabou deslizando neste sábado.
"Não foi previsão, foi constatação", disse. "Em uma dessas viagens, passei por esse local onde houve o acidente, um dos mais visitados ali em Capitólio, e aquela fenda me chamou atenção, porque realmente ela é extensa, larga. Visualmente, ela apresentava um aspecto perigoso. Fiz a foto na ocasião e escrevi que ela iria cair. Quando recebi o vídeo do acidente, logo reconheci o local."
Durante coletiva da imprensa, ontem, a Polícia Civil informou que oito dos dez corpos já foram identificados, mas que alguns ainda aguardam reconhecimento formal. A identidade de cinco foram reveladas até a noite de ontem. Além de Julio Borges Antunes, de 68 anos, morreram na tragédia Camila Silva Machado, de 18 anos, Mykon Douglas de Osti, de 24 anos, Sebastião Teixeira da Silva, de 64 anos e a esposa, Marlene Augusta Teixeira da Silva, de 57 anos. Todas as vítimas da tragédia encontradas até agora se conheciam, estavam na mesma lancha e estavam hospedadas numa pousada em São João da Barra, também em Minas Gerais.
O último dia de buscas deve ser realizado hoje. A operação tem participação de cerca de 50 militares, com 11 mergulhadores experientes. As buscas contam com o apoio de quatro lanchas e três motos aquáticas, além de outras sete viaturas.
Segundo os bombeiros, 27 pessoas já foram atendidas em unidades de saúde e liberadas.
"Devemos continuar a última varredura em busca de todos os corpos que consigamos localizar", disse o coronel dos bombeiros Giuvaine Barbosa de Moraes ontem.