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ESTADOS UNIDOS

Casa Branca defende perdão de Biden a filho condenado em meio a críticas de republicanos

Decisão de Biden foi vista de maneira negativa mesmo entre seus apoiadores, que viram no descrédito do sistema de Justiça do país "um presente para Donald Trump"

Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ao lado do filho Hunter Biden Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ao lado do filho Hunter Biden  - Foto: Mandel Ngan/AFP

Após receber críticas de aliados do Partido Democrata, a Casa Branca saiu em defesa da decisão do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de conceder o indulto presidencial ao próprio filho, condenado em um processo federal por mentir sobre o uso de drogas para comprar uma arma e processado por evasão fiscal. Na segunda-feira, a secretária de imprensa de Biden, Karine Jean-Pierre, ecoou a justificativa de que o mandatário executou a medida para proteger o filho de uma possível perseguição por parte de seus adversários políticos.

O perdão foi concedido na noite de domingo e, desde então, Biden não fez nenhum esforço adicional para se explicar, deixando Jean-Pierre lidar com as perguntas sobre a decisão. Na segunda-feira, ela declarou que, embora o democrata acredite no sistema de Justiça do país, ele também pensa que “a política infectou o processo e levou a uma distorção da justiça” no caso de seu filho, Hunter Biden. A porta-voz da Casa Branca afirmou que o presidente acredita que Hunter foi “alvo” por ser de sua família, e que seus opositores “continuariam a persegui-lo”.
 

— É por isso que o presidente tomou essa decisão — reforçou ela, que, até o mês passado, dizia repetidamente a jornalistas que Biden não concederia o perdão presidencial ao próprio filho.

Ela também rejeitou a noção de que havia um conflito para Biden entre prometer restaurar a independência do sistema de aplicação da lei e depois reverter o julgamento do filho, que foi ratificado por juízes e por um júri, alegando que o processo foi “politicamente tendencioso”. A porta-voz disse não considerar que há uma contradição na ideia, uma vez que, disse, “ambas as coisas podem ser verdadeiras: você pode acreditar no sistema do Departamento de Justiça e, simultaneamente, acreditar que o processo foi contaminado politicamente”.

A decisão de Biden, contudo, foi vista de maneira negativa mesmo entre seus apoiadores, que viram no descrédito do sistema de Justiça do país “um presente para Donald Trump”. A concessão da clemência ocorreu num momento em que o capital político do democrata já estava baixo, após a derrota nas eleições presidenciais — que muitos atribuíram mais a ele do que à Kamala Harris — e certamente traz, segundo analistas, ainda mais incertezas sobre o legado que o 46º presidente americano deixará.

— Quando você passa meses afirmando que não vai perdoar seu filho e depois faz exatamente isso, colocando interesses pessoais acima de suas responsabilidades com o povo americano, dá aos americanos a sensação de que há um sistema para os ricos e poderosos e outro para todo o resto — disse o senador Michael Bennet, democrata do Colorado, à rede americana CNN. — Essa é uma das razões pelas quais não conseguimos impedir a volta de Donald Trump para um segundo mandato. Foi nesse contexto terrível que o presidente tomou essa decisão.

Bennet, um legislador discreto que normalmente não faz críticas impulsivas ao líder de seu partido, também declarou que os democratas que dizem que a acusação contra Hunter Biden é política aceitaram o “padrão Trump” de atacar e desacreditar o sistema judicial dos EUA — o que, na avaliação dele, permitirá que o republicano alegue, no futuro, estar fazendo “apenas o que Joe Biden também fez”.

Reações divididas
O deputado Jason Crow, outro democrata do Colorado, disse que ninguém deveria comparar Biden a Trump, que fala em usar o sistema de aplicação da lei como parte de uma campanha de “retribuição” contra seus desafetos. Ele pontuou que entende a profundidade do amor de um pai por um filho que luta contra o vício, especialmente após uma vida de tragédias pessoais, como é o caso da família Biden. No entanto, Crow também afirmou que o presidente complicou o argumento de que Trump representa uma ameaça ao Estado de Direito.

— Acho que o perdão foi um erro. Estou decepcionado que essa tenha sido a decisão em que ele chegou. Ele prometeu que não faria isso. Acho que isso tornará mais difícil, daqui para frente, quando falarmos sobre defender a democracia — disse ele ao New York Times.

Um ex-funcionário da administração democrata sugeriu à CNN que a reação dos apoiadores teria sido menos intensa se Biden não tivesse insistido por meses que não buscaria um perdão para seu filho — opinião que é compartilhada por um ex-assessor do Gabinete Presidencial da Casa Branca. À rede americana, ele afirmou, sob condição de anonimato, que havia “várias formas” de Biden deixar um caminho aberto para o perdão, em vez de descartar completamente a possibilidade por meses.

Outros democratas apoiaram o perdão, ou pelo menos estavam dispostos a aceitá-lo, concordando com as alegações do presidente de que seu filho foi perseguido. Dadas as ameaças de Trump de perseguir Hunter assim que assumir a Presidência, o perdão foi projetado especificamente para proteger o filho de Biden de novas investigações, absolvendo-o não apenas das acusações fiscais e de armas apresentadas pelos promotores, mas também de quaisquer crimes cometidos na última década.

Anthony Coley, ex-oficial do Departamento de Justiça na administração Biden, disse que “o perdão em si é apropriado” dado o perigo para Hunter Biden. Trump anunciou que indicará Pam Bondi, ex-procuradora-geral da Flórida que criticou Hunter Biden, para comandar o Departamento de Justiça, e Kash Patel, ex-assessor que prometeu “ir atrás” dos adversários do presidente eleito, para liderar o FBI.

— Trump está colocando pessoas no lugar para instrumentalizar o Departamento de Justiça, e qual pai não protegeria seu único filho sobrevivente de um assédio político injustificado? — disse Coley, que, por outro lado, considerou que a justificativa de Biden ecoa os mesmos agravos de Trump e não é sustentada por fatos. — Não consigo imaginar que, com o passar do tempo, a História verá essa linguagem de forma mais favorável do que muitos a veem hoje.

Na segunda-feira, Trump criticou a decisão de Biden, classificando a medida como “abuso” e fazendo um paralelo com a situação de seus apoiadores presos após a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Em meio à expectativa de que eles recebam do futuro chefe da Casa Branca um perdão semelhante, o republicano chamou, em sua rede social, os invasores de “reféns”: “O perdão dado por Joe a Hunter inclui os reféns J-6 que estão presos há anos? Que abuso e erro judiciário!”.

Entenda o caso
Em junho, Hunter Biden, de 54 anos, tornou-se o primeiro filho de um presidente em exercício dos EUA a ser condenado criminalmente, após um júri declará-lo culpado por mentir sobre seu uso de drogas num formulário ao comprar uma arma. Em setembro, ele também se declarou culpado de acusações federais de sonegação fiscal, incluindo falha em declarar e pagar impostos, evasão fiscal e apresentação de uma declaração falsa. Fontes próximas a Hunter disseram que ele não teria aceitado se declarar culpado, expondo-se a uma pena de 17 anos de prisão e US$ 1 milhão em multas, sem a expectativa de clemência.

A pressão jurídica sobre o filho de Biden aumentou à medida que suas audiências de sentença, marcadas para dezembro, se aproximavam. O perdão presidencial, que cobre quaisquer potenciais crimes que ele possa ter cometido entre janeiro de 2014 e dezembro de 2024, abrange um período além das acusações fiscais e de armas. Ele remonta ao ano em que Hunter tornou-se membro do conselho de uma empresa ucraniana de energia — ao mesmo tempo em que seu pai, então vice-presidente, desempenhava um papel crucial na política americana em relação a Kiev.

O conselheiro especial responsável por ambos os casos, David Weiss, rejeitou as alegações de que Hunter Biden foi alvo por causa de seu histórico familiar, afirmando, em documento judicial na segunda-feira, que “nunca houve evidência de perseguição neste caso”. Apesar disso, o poder do presidente dos EUA de conceder indultos é “absoluto”, e não há nada que Trump ou outros republicanos possam fazer para impedir isso, explicou Naema Rahmani, ex-promotor federal, à BBC.

Embora controversa, a decisão de Biden de perdoar um parente próximo não é inédita. Presidentes de ambos os partidos já exerceram o poder de perdão de maneiras que levantaram críticas no passado — embora talvez nenhum o tenha feito após afirmar tão enfaticamente que não o faria, como Biden fez. Trump, por exemplo, perdoou Charles Kushner, sogro de sua filha, em seu último mês no cargo. E o presidente Bill Clinton perdoou seu meio-irmão Roger, que havia se declarado culpado de uma acusação de drogas, em seu último dia no cargo.

(Com New York Times)

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