ARGENTINA

Caso de racismo com argentina no RJ lembra episódios de preconceito envolvendo país vizinho

Normalmente ligados ao futebol atitudes racistas incluem gestos imitando macacos em direção a torcedores adversários

Gravação foi feita por assessora da vereadora Mônica Cunha, que é presidente da Comissão de Combate ao RacismoGravação foi feita por assessora da vereadora Mônica Cunha, que é presidente da Comissão de Combate ao Racismo - Foto: Reprodução

O caso de racismo que aconteceu na Praça Tiradentes, na última sexta-feira envolve uma argentina e um brasileiro. Os dois foram filmados imitando macacos numa roda de samba, na Praça Tiradentes, no Centro do Rio, na noite de sexta-feira.

A informação foi levada nessa segunda-feira pela jornalista Jackeline Oliveira, que fez o vídeo com o flagrante de racismo, à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).

O caso suspeito de racismo que aconteceu na Praça Tiradentes, na última sexta-feira, não é o único envolvendo argentinos. A diferença é que a maioria dos que se tinha notícia até agora estava restrita aos campos de futebol.

Há dois anos, durante uma partida entre Corinthians e Boca Juniors, em São Paulo, um torcedor do time argentino foi flagrado fazendo gestos racistas — entre os quais, a imitação de um macaco — em direção aos torcedores corintianos. O rapaz chegou a ser detido, mas foi liberado após pagar fiança.

 

Este ano, em abril, torcedores do Estudiantes foram flagrados imitando macacos contra a torcida do Grêmio nas arquibancadas do Estádio Uno, em La Plata, na Argentina. Na ocasião, o clube argentino chegou a abrir uma investigação para identificar os responsáveis e puni-los.

No ano passado, pouco antes de um jogo entre Brasil e Argentina ocorreu uma briga de torcedores nas arquibancadas do Maracanã, que teve a intervenção da polícia. Na ocasião, em mais um ato racista os argentinos colocaram a palavra "Monos" entre os principais assuntos do país no X. A palavra significa "Macacos", em espanhol, e se referia aos brasileiros.

Um dos episódios mais rumorosos aconteceu há 28 anos e envolveu o jornal "Olé", especializado em esportes. Numa semifinal olímpica, a publicação estampou a manchete "Que venham os macacos", numa provocação à seleção brasileira de futebol.

O texto com a alusão preconceituosa do recém-criado periódico se referia à vitória da Argentina sobre Portugal. Anunciava ainda que Brasil e Nigéria disputariam a segunda vaga na decisão, em Atlanta, nos Estados Unidos, em 1996. A situação acabou gerando uma espécie de conflito diplomático.

Na ocasião, o embaixador brasileiro Marcos Azambuja chegou a enviar uma carta de protesto para Raúl Delgado, assessor de comunicação do então presidente, Carlos Menem, reclamando das "insinuações raciais e depreciativas do jornal".

O vice-ministro das relações exteriores da Argentina, André Cisneiros, também não gostou do que leu e revelou que o governo estava "consternado". A repercussão negativa acabou gerando uma retratação da publicação, por meio de um editorial.

Pedido de investigação
Ao formalizar a denúncia sobre racismo na roda de samba, o grupo formado pela autora do vídeo acompanhada de Wanderso Luna, idealizador da roda Pede Teresa, da vereadora Mônica Cunha, presidente da Comissão de Combate ao Racismo da Câmara Municipal e de uma advogada, pede a identificação e punição dos suspeitos.

— Nada ameniza o racismo. Ninguém, em país nenhum vai entender que o racismo é uma coisa boba, uma brincadeira. Volto a dizer que o homem é brasileiro, está aqui no Rio de Janeiro e vai ser encontrado em alguma hora. A mulher não sei se já voltou para a Argentina, mas também não vai sumir. A gente vai continuar buscando e eu espero que a polícia faça o trabalho dela, localizando, responsabilizando e fazendo essas pessoas pagarem pelo crime e ato de racismo de cometeram -- cobrou a jornalista Jackeline Oliveira.

Jackeline contou que estava na roda, na noite de sexta-feira, e quando saiu para comprar uma água viu o homem e a mulher, que são brancos. Pensou inicialmente que se tratasse de uma dança, mas logo percebeu que não e, após algum tempo de observação, resolveu gravar e chamou o segurança.

No dia seguinte fez a postagem nas suas redes sociais, mas ao entender que a situação era grave, resolveu denunciar o caso e, para isso, buscou ajuda da Comissão de Combate ao Racismo da Câmara Municipal, presidido pela vereadora, Mônica Cunha, da qual Jackeline é assessora. Ela conta que também falou com Wanderso Luna, idealizador da roda de samba, que se prontificou a acompanhá-la à delegacia, para fazer a denúncia.

— Quando o caso ganhou essa repercussão toda nas redes sociais não imaginava que teria tanta força. Mas a população se mobilizou, porque não pode ser mais um caso de racismo. Tem que ter um tipo de punição — pediu a jovem.

Wanderso Luna, que estava tocando na roda, disse que só ficou sabendo do caso no dia seguinte, após a postagem da jornalista. Ele contou que o casal foi interpelado pelos seguranças do evento, assim que comunicados por Jackeline.

— É algo tão absurdo, em 2024, uma pessoa imitar um macaco, que ninguém acredita. As pessoas não se dão conta do que está acontecendo. Podia ter tido uma tragédia. Eles são racistas, mas a gente não quer ninguém morra ou sofra uma violência.

Wanderso diz que, como homem preto, não se assusta com esse tipo de acontecimento que, segundo ele, infelizmente é corriqueiro.

—A roda Pede Teresa, na Praça Tiradentes, é uma ferramenta para lutar contra isso, até porque o local, historicamente sempre foi ocupado por nós pretos. Há dois séculos estavam lá capoeiristas e quando botaram a estátua de D. Pedro I tiraram a gente de lá. Confio na justiça brasileira. Vão encontrá-los e vão pagar. Mas a gente está diante de uma oportunidade de provocar um debate de transformação e de como se lida com o racismo — afirmou Wanderso, que na saída da delegacia disse que seguranças do evento teriam visto outros argentinos imitando macacos.

A vereadora Mônica Cunha disse que quando viu o vídeo gravado por sua assessora, o sentimento dela foi de revolta:

— Foi revoltante, porque isso dá gatilho em nós que conhecemos o racismo. É muito triste ver duas pessoas que vão a um lugar daquele e em vez de aproveitar fazem uma coisa dessa.

Em sua página numa rede social, o Fórum confirmou que um dos envolvidos participou do evento, mas que não é associada ao Fladem Brasil, além de não ter ligação com nenhuma atividade pedagógica, acadêmica ou cultural do evento. Além de repudiar o ato, informou que solicitou a seção brasileira do Fórum que abra processo para investigar a situação, conforme as leis brasileiras.

"Está sendo veiculado em mídias e redes sociais, vídeos de duas pessoas brancas fazendo movimentos sugestivos de 'macacos' durante realização de uma roda de samba na Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, na sexta-feira, dia 19/07/2024. Uma dessas pessoas participou do XXVIII Seminário Latino-americano de Educação Musical, que nesta oportunidade aconteceu na cidade, já que cada ano um país Latino-americano é anfitrião. Salientamos que tais pessoas NÃO são associadas ao Fladem Brasil".

Ao deixar a delegacia, a advogada Raíza Palmeira, disse que paralelamente à investigação da polícia, o caso será encaminhado ao Núcleo de Combate ao Racismo e à Discriminação Étnico-Racial (Nucora), da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.

—Agora, as autoridades policiais vão seguir a investigação, e para além disso, para um acompanhamento em conjunto com a Comissão, a gente vai acionar o Nucora, da Defensoria Pública, que também trabalha com direitos difusos. O racismo é um delito que acomete uma coletividade, toda a população negra. No vídeo você pode ver que é no intuito de inferiorizar, de diminuir a cultura afro-brasileira— disse a advogada da Comissão de Combate ao Racismo da Câmara Municipal.

Confira a nota do Fórum, na íntegra:

Está sendo veiculado em mídias e redes sociais, vídeos de duas pessoas brancas fazendo movimentos sugestivos de “macacos” durante a realização de uma roda de samba na Praça Tiradentes - Rio de Janeiro, na sexta-feira, dia 19/07/2024.

Uma dessas pessoas participou do XXVIII Seminário Latino-americano de Educação Musical, que nesta oportunidade aconteceu na cidade, já que a cada ano um país latino-americano diferente é anfitrião.

Salientamos que tais pessoas NÃO são associados ao Fladem Brasil. Este vídeo foi gravado já quando todo o Seminário havia terminado e não teve a ver com nenhuma das atividades acadêmicas, pedagógicas ou culturais que foram desenvolvidas durante nosso evento. É importante dizer que atos individuais realizados dentro e fora dos espaços do FLADEM são respondidos de forma particular dentro das esferas competentes. Com isto, queremos explicitar que repudiamos categoricamente este tipo de ação. A seção brasileira do FLADEM, o Fladem Brasil, foi apenas o anfitrião do Seminário e as atividades desenvolvidas ali foram e são de responsabilidade da seção internacional do Fórum.

O FLADEM solicitou à seção brasileira do Fórum que inicie um processo para que a situação seja investigada e que tudo se proceda conforme as leis brasileiras.

O FLADEM é um fórum que respeita e defende todas as culturas e etnias, que fomenta a participação de todos com igualdade, promove a Educação Musical a serviço da integração sócio-cultural e da solidariedade, canalizando positivamente as diferenças de todo tipo. Com isso, sabemos que racismo é CRIME, e como tal, repudiamos veementemente qualquer ato de discriminação!

Estamos envergonhados com tal ato, mesmo sabendo que esse tipo de atitude não faz parte de nenhuma maneira de nossas práticas.

Sem mais para o momento,

Junta Diretiva Internacional do FLADEM.

Veja também

Venezuela vai pedir prisão de Milei por avião apreendido
Venezuela

Venezuela vai pedir prisão de Milei por avião apreendido

O que é o Hezbollah? Com aparato militar superior ao do Hamas, facção libanesa é alvo de Israel
CONFLITO

O que é o Hezbollah? Com aparato militar superior ao do Hamas, facção libanesa é alvo de Israel

Newsletter