RIO DE JANEIRO

Caso Flordelis: carta que ex-deputada é acusada de forjar para atrapalhar investigação tem 2 versões

Pastora e ex-deputada vai a julgamento nesta segunda-feira ao lado de filhos e netas

Flordelis. A ex-deputada federal e pastora evangélica é acusada de envolvimento na morte do marido, Anderson do Carmo, assassinado a tiros no dia 16 de junho de 2019Flordelis. A ex-deputada federal e pastora evangélica é acusada de envolvimento na morte do marido, Anderson do Carmo, assassinado a tiros no dia 16 de junho de 2019 - Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil

Uma carta escrita em setembro de 2019, três meses após a morte do pastor Anderson do Carmo, foi determinante para o rumo das investigações do caso: na correspondência, Lucas Cezar dos Santos de Souza, um dos filhos adotivos de Flordelis dos Santos de Souza, dava uma versão para o crime diferente daquela que vinha sendo investigada.

A Polícia Civil, no entanto, concluiu que tudo não passava de armação da ex-deputada, que tentava atrapalhar a apuração do assassinato. Mas a trama pode ser ainda mais complexa: O GLOBO constatou que nos processos do caso há duas diferentes cartas, com narrativas distintas sobre o que teria ocorrido na noite crime, fato que não é abordado pela acusação contra os réus.

Flordelis começa a ser julgada nesta segunda-feira (7), no Tribunal do Júri de Niterói, acusada de ser mandante do assassinato do marido, de tentativas anteriores de envenená-lo e também por ter elaborado a carta.

Nos processos, a acusação faz referência a apenas uma carta, apesar do então advogado da ex-deputada e dos advogados de um de seus filhos biológicos, Flávio dos Santos Rodrigues, terem anexado aos autos duas diferentes correspondências. Flordelis e Flávio eram beneficiados com as versões da carta.
 

Nas duas cartas, Lucas alega que tinha arranjado pessoas para matar Anderson a pedido de dois irmãos – Misael e Luan – que sequer eram alvo da investigação, mas já tinham se posicionado contra Flordelis. Mas, em uma delas, a mais longa, ele diz que os irmãos pediram para dar “um jeito no Anderson”. Já na outra correspondência, o rapaz diz que os dois pediram para ele dar “um susto no Anderson”. A primeira carta foi assinada por Lucas apenas com seu primeiro nome a segunda, com seu nome completo.

A defesa de Flávio, acusado de ser o responsável por executar a vítima, apesar de ter apresentado as duas cartas à Justiça, citou apenas uma delas em uma petição na qual pedia a absolvição do cliente. No documento, os advogados só transcreveram a carta na qual Lucas citava que o pedido tinha sido para dar um susto no Anderson, ignorando a outra. Já na sua petição, apresentada na Delegacia de Homicídios (DH), o advogado de Flordelis também menciona apenas uma correspondência, apesar de anexar duas.

As duas cartas têm significativa diferença em suas aberturas. Na mais longa, o rapaz usa cinco linhas para a pedir desculpas à mãe, afirmando que tinha ido pela “onda dos outros” e acabou machucando quem ele mais amava. Já na mais curta, Lucas dedica duas linhas para se desculpar “por todo mal” que havia feito à mãe e diz que estava ali para contar a verdade.

Além disso, na correspondência menor, Lucas alegava estar falando a verdade porque não achava justo “uma pessoa do bem estar presa por uma coisa que ela não fez” e acrescenta que apenas Flávio era torturado na DH (Delegacia de Homicídios), alegação que não está presente na outra carta.

Já na segunda carta, o filho adotivo de Flordelis alega que Misael tinha pedido que ele colocasse a culpa pelo crime em Flávio, fato que omite na primeira correspondência.

O trecho sobre o que ocorreu na noite da morte de pastor Anderson é diferente também nas duas versões. Primeiro, na correspondência mais longa, Lucas narra que iria pedir a "um amigo lá do morro onde eu ficava para dar um (ilegível) nele, mas ele reagiu e deu no que deu". O rapaz ainda acrescenta que deu uma pistola para o comparsa. No segundo documento, o filho de Flordelis muda seu relato: "falei que pediria um amigo pra dar um susto nele, mas o moleque disse que ele tentou agarrar ele aí ele apertou em cima dele. Mas não era pra fazer isso, era pra dar um susto só, mas deu ruim".

Questionada pelo GLOBO, a assessoria de imprensa do Ministério Público estadual do Rio confirmou a existência das duas cartas, que para os promotores do caso apenas reforçam o envolvimento dos réus no plano para elaborar a correspondência. “Procede a informação de que há duas cartas forjadas que foram produzidas pela associação criminosa liderada pela ré Flordelis, o que somente reforça o acerto no decreto condenatório dos corréus envolvidos na elaboração do referido documento. Trata-se de mais uma dentre inúmeras outras teses defensivas apresentadas pelas defesas no decorrer do processo, todas produzidas em clara tentativa de induzir a Justiça e a sociedade a erro”, diz a nota.

A carta que Flordelis é acusada de fraudar foi apresentada pela ex-deputada durante uma entrevista para o Fantástico, da TV Globo, no fim de setembro de 2019. Na ocasião, ela afirmou ter recebido a correspondência de seu filho Lucas, preso junto com Flávio no presídio Bandeira Stampa, conhecido como Bangu 9, no Complexo de Gericinó. Os dois foram os primeiros a serem presos pela morte de Anderson do Carmo.

Na carta, Lucas admitia participação no crime e acusava Luan e Misael, filhos afetivos de Flordelis, de serem os mandantes, eximindo de culpa a ex-deputada e Flávio. Misael e Luan foram filhos que logo ficaram contra a pastora e não tiveram seus nomes associados ao crime por nenhuma das testemunhas do caso.

Lucas acabou revelando que a carta era uma armação, elaborada pela mãe e copiada por ele com o intuito de livrar o irmão Flávio e a própria Flordelis da acusação de envolvimento no assassinato. Dois filhos de Flordelis – Flávio e Adriano dos Santos Rodrigues – já foram condenados por envolvimento na fraude da carta.

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