Logo Folha de Pernambuco
ESTADOS UNIDOS

Caso Kennedy: arquivos divulgados por Trump revelam dados privados e dão pistas sobre ações da CIA

Grande revelação exposta com a publicação de quase 64 mil documentos foi que, na verdade, não houve grande revelação alguma

Trump mostra documento que ordenou derrubada de sigilo de investigações das mortes de John F. Kennedy, Robert F. Kennedy e Martin Luther King Jr. Trump mostra documento que ordenou derrubada de sigilo de investigações das mortes de John F. Kennedy, Robert F. Kennedy e Martin Luther King Jr.  - Foto: Roberto Schmidt/AFP

A divulgação, na terça-feira, de cerca de 64 mil documentos sobre o assassinato do presidente John Kennedy (1961-1963) deu início a uma corrida para encontrar algo revelador, com jornalistas, historiadores e detetives amadores vasculhando as páginas na esperança de descobrir algo que pudesse ser considerado significativo. A grande revelação, no entanto, foi justamente que não houve uma grande revelação.

Veja, abaixo, as principais conclusões dos arquivos:

Operações da CIA
Por anos, à medida que o governo publicava documentos relacionados ao assassinato de Kennedy, teóricos da conspiração e alguns historiadores presumiam que qualquer informação ainda retida era extremamente relevante. Até mesmo o sobrinho de Kennedy, Robert F. Kennedy Jr., atual chefe da pasta de saúde dos Estados Unidos, há muito defendia a divulgação de todos os documentos relacionados à morte de seu tio.

 

No entanto, com a liberação de quase 64 mil páginas pelo Arquivo Nacional, incluindo algumas anteriormente censuradas, fica cada vez mais evidente que o sigilo de décadas pode ter servido para proteger fontes e práticas, por vezes questionáveis, da inteligência do país.

Em vez de revelar o que Kennedy Jr. certa vez chamou de “provas esmagadoras” de que a CIA esteve envolvida no assassinato de Kennedy, os arquivos estão repletos de detalhes sobre agentes e informantes da agência, ações secretas e orçamentos. Os segredos, ao que tudo indica, estavam nos pequenos detalhes, e não em uma grande conspiração.

Danos colaterais
Embora os documentos não tenham alterado os fatos conhecidos sobre os assassinatos de Kennedy, Robert F. Kennedy e de Martin Luther King Jr., isso pode não significar o fim das desclassificações. Na quarta-feira, o Departamento de Justiça dos EUA tomou medidas para tornar públicos os registros de vigilância do FBI sobre King, apesar das objeções daqueles que temem que revelações sobre a vida privada do líder dos direitos civis sejam usadas para manchar sua reputação.

Além disso, algumas pessoas foram diretamente afetadas pela liberação dos documentos: entre os novos arquivos divulgados, há registros contábeis que incluem os números da Previdência Social de dezenas de funcionários do Congresso dos anos 1970. Algumas dessas pessoas ainda estão vivas, incluindo Judy K. Barga, de 80 anos, que trabalhou como contratada do governo. Ela disse estar surpresa ao descobrir que suas informações pessoais estavam nos arquivos e não sabia o que fazer.

— As informações privadas das pessoas devem ser mantidas em sigilo.

Um olhar analítico
O mais recente conjunto de documentos pode não ter impressionado o público em geral, e sua divulgação desorganizada não facilitou a navegação pelos arquivos. Mas, para historiadores e acadêmicos, havia algumas preciosidades a serem descobertas nas entrelinhas.

Um resumo de um relatório secreto da CIA de 693 páginas, datado de 1975, por exemplo, menciona casos em que a agência “pode ter excedido seu mandato”. Também há algumas referências a chefes de estações de inteligência, invasões ilegais, vigilância clandestina e diversas operações “extremamente sensíveis”.

— É um verdadeiro catálogo de ‘atos ilícitos’ da agência — disse o historiador David J. Garrow, especialista em arquivos de inteligência.

Trechos bloqueados
Na segunda-feira, Donald Trump afirmou que divulgaria 80 mil páginas de documentos sobre o assassinato de Kennedy dentro de 24 horas. Segundo ele, não haveria censura. Isso fez com que autoridades de segurança nacional corressem para organizar a liberação dos arquivos.

Na noite de terça-feira, dois lotes de documentos foram tornados públicos, totalizando cerca de 64 mil arquivos. Alguns deles, no entanto, ainda continham trechos bloqueados, e 16 mil documentos ficaram de fora do que Trump havia prometido. Ainda não se sabe se novas revelações ocorrerão no futuro.

Teorias da conspiração
É provável que nada consiga satisfazer os teóricos da conspiração que estão certos de que ainda há informações ocultas nos registros públicos. As teorias que surgiram logo após o assassinato só foram reforçadas pelas investigações que tentaram desmenti-las. O filme J.F.K., lançado em 1991, deu ainda mais fôlego a algumas delas. Um homem chegou a alegar por anos que sabia mais do que o governo estava revelando.

A Comissão Warren, criada em 1963 para investigar o assassinato de Kennedy, tentou explicitamente desacreditar as teorias da conspiração, mas sem sucesso. Depois, veio a lei de 1992, que determinou a divulgação de documentos sobre o caso dentro de 25 anos, com algumas exceções. Isso também não silenciou os céticos.

Em 2023, 99% dos documentos já haviam sido tornados públicos, e agora mais 64 mil foram adicionados ao acervo. Ainda assim, a dúvida sobre o que pode estar faltando talvez nunca desapareça.

Veja também

Newsletter