Caso Marielle: julgamento de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz começa nesta quarta-feira (30)
MP afirma que pedirá pena de 84 anos para os dois executores do assassinato, apesar de acordo de delação premiada
Faz mais de seis anos que a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes foram assassinados. Na quarta-feira, 14 de março de 2018, o carro em que os dois estavam foi abordado no bairro do Estácio. Marielle foi atingida por quatro tiros na cabeça e morreu na hora. Na linha de tiro, Anderson também foi baleado e não resistiu. A única sobrevivente foi a assessora Fernanda Chaves, atingida por estilhaços.
Nesta quarta-feira (30) começam a ser julgados os ex-policiais militares Ronnie Lessa — que admitiu ser o autor dos disparos — e Élcio Queiroz — que confessou ter dirigido o veículo usado no ataque. Durante o júri popular, o Ministério Público do Estado do Rio (MPRJ) buscará a pena máxima de 84 anos para cada um dos réus. Caberá a sete jurados do Conselho de Sentença decidir pela condenação ou pela absolvição.
O pedido pela pena máxima será feito pela Promotoria durante o julgamento no IV Tribunal do Júri, apesar de o acordo de colaboração, assinado por Lessa e Queiroz, prever uma unificação de sentenças, com uma pena total entre 20 e 30 anos de prisão.
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‘Júri é soberano’
Como o júri não precisa considerar a delação premiada, os jurados vão deliberar considerando as qualificadores e as atenuantes apresentadas pela acusação e pela defesa. O advogado criminalista Taiguara Libano Soares, professor de Direito Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Ibmec-RJ, explica que o júri é soberano e não está vinculado ao acordo de colaboração firmado pelos réus com a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR) e homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
— O júri pode reconhecer as qualificadoras e os agravantes que poderiam resultar em uma pena extremada. Porém, a meu ver, o juiz tem um vínculo com o acordo homologado. Então, no fim, ele confirmará a condenação do júri, se for o caso, mas deve aplicar a pena no limite previsto no acordo de delação — avalia.
No julgamento, a defesa dos réus pedirá redução da pena, considerando a confissão do crime. Lessa e Queiroz estão presos desde 12 de março de 2019, pouco antes de os homicídios completarem um ano.
O MPRJ não quis se manifestar sobre a possibilidade de o pedido de pena máxima contrariar o que foi acordado na delação. Os termos da colaboração premiada estão sob sigilo.
Delação premiada
Ao confessar o crime em depoimento à Polícia Federal, Lessa indicou como mandantes do assassinato de Marielle os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão — conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e deputado federal (sem partido-RJ), respectivamente. Já o ex-chefe da Polícia Civil e delegado Rivaldo Barbosa foi acusado de barrar investigações contra eles. Os três foram presos em março deste ano, mas todos negam qualquer participação.
O processo em que os supostos mandantes são investigados está no STF, que começou a ouvir na semana passada os envolvidos no caso. Em seus depoimentos, Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa tentaram colocar em xeque a delação de Lessa e apontaram o ex-vereador Cristiano Girão como o mandante do crime. O político nega a acusação.
O conselheiro do TCE afirmou que foi incriminado na delação porque Lessa quer proteger Girão, que seria seu “comparsa”. Ele também disse que o ex-policial só fez a delação depois de Queiroz, por ter se sentido “acuado, encurralado”. As questões relacionadas aos mandantes e à motivação do crime devem ficar restritas ao julgamento do STF, que é o foro adequado já que há o envolvimento de um deputado federal. Assim como não devem ser tratadas as acusações contra Girão.
O julgamento que começa hoje será presidido pela juíza Lucia Glioche, titular do IV Tribunal do Júri. Os réus vão participar por videoconferência: Lessa, a partir do Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo; e Queiroz, do Complexo da Papuda, presídio federal em Brasília. Eles respondem por duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima) e pela tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves.
Se condenados, os ex-PMs já serão afetados por uma decisão tomada mês passado pelo STF. A Corte determinou que é possível a execução imediata da pena da pessoa condenada pelo tribunal do júri, mesmo que ela ainda possa recorrer a outras instâncias na Justiça.
Para a família, uma etapa
Como ainda há o processo que tramita no STF, a mãe de Marielle, Marinete da Silva, e a irmã da vereadora e ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, destacaram que este julgamento é apenas uma das etapas para punir os envolvidos no crime.
— É uma expectativa muito grande. Depois de seis anos e sete meses, nós vamos ter justiça, e nós precisamos de uma justiça digna na condenação desses homens, que são réus confessos. Temos nos mobilizado enquanto família até hoje, enquanto instituto, sociedade, para termos isso — disse Marinete, em entrevista ao programa “Encontro com Patricia Poeta”, da TV Globo.
A mãe da parlamentar falou dos anos de busca por respostas e a surpresa com a revelação da participação de Rivaldo Barbosa. O delegado esteve à frente do caso no início das investigações. Dias depois do crime, ele chegou a se encontrar com a família de Marielle na casa em que viviam para falar sobre o compromisso que assumia na solução do assassinato. A prisão do ex-chefe da Polícia Civil em março deste ano, quando também foram levados à cadeia os irmãos Brazão, surpreendeu a todos, lembra Anielle:
— Tem as imagens dele sentado ao lado dos meus pais, e ele falava para os meus pais: “Faço questão, uma questão de honra, a gente vai desvendar” — lembrou a ministra. — Pra gente, naquele 25 de março, se não me falha a memória, num domingo, foi a maior surpresa, mas também a maior decepção. Porque a gente espera por justiça. Rever essas imagens me embrulha o estômago.
A viúva do motorista Anderson Gomes, Ágatha Reis, também falou sobre o julgamento e como foram os últimos seis anos sem o marido, tendo que viver a maternidade — o filho Arthur tinha 1 ano e 10 meses na época da morte do pai.
— Me peguei pensando em tudo o que aconteceu nesses últimos seis anos. Não só o tempo que levamos buscando justiça pelo Anderson e pela Marielle, mas também a pressão que a gente teve que fazer muitas vezes, toda a caminhada que foi necessária para chegar até aqui, chegar até o júri.