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JUSTIÇA

Caso Moïse: quem assistiu à agressão de congolês sem prestar ajuda pode responder por omissão

Ao prestar depoimento na Delegacia de Homicídios da Capital, mãe de Moïse Mugenyi Kabagambe criticou o fato de ninguém ter interrompido o espancamento sofrido pelo filho

As imagens mostram o congolês Moïse Mugenyi Kabagambe sendo agredido por três homensAs imagens mostram o congolês Moïse Mugenyi Kabagambe sendo agredido por três homens - Foto: Reprodução

Três suspeitos do espancamento e morte do congolês  Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, assassinado na noite do dia 24, em um quiosque da Barra da Tijuca, já estão atrás das grades por conta de mandados de prisão temporária, expedidos pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Detidos ainda na última terça-feira (1º), eles poderão não ser os únicos a responder pela morte do estrangeiro. Para juristas ouvidos pelo O Globo, outras pessoas que nada fizeram para impedir o assassinato, mesmo tendo presenciado a agressão,  também estariam sujeitas a ter que dar explicações à Justiça por suspeita de omissão de socorro.

 É o caso, por exemplo, de duas pessoas que não participaram diretamente do assassinato, mas que foram flagradas na cena do crime por uma gravação feita por uma câmera de segurança que flagrou o espancamento do congolês. Elas podem não ser as únicas que estariam sujeitas a dar explicações para a polícia.

Segundo duas testemunhas (um homem e uma mulher) que prestaram depoimento na Delegacia de Homicídios da Capital, guardas municipais teriam sido avisados que as agressões estavam ocorrendo, mas não chegaram a ir ao local indicado pelo casal.

"As pessoas que assistiram o espancamento   tinham o dever de socorrer a   vítima ou, para não serem igualmente agredidas, estavam obrigadas   a pedir   socorro às   autoridades públicas.  Se não fizeram isso, cometeram o crime de   omissão de socorro, definido no Código Penal. Quanto aos guardas municipais que   teriam sido   avisados   e não teriam   prestado socorro ao congolês, o crime praticado é de   homicídio. Os agentes têm por lei a obrigação de proteção, cuidado e vigilância. Pela lei  tem a  posição de garantidor, ou seja, tem o dever de impedir resultados  danosos, entre os quais  a morte", disse Paulo Ramalho, advogado e professor de direito e processo penal.  

"As duas pessoas que assistiram à cena do crime e quedaram-se inertes podem responder pelo crime de omissão de socorro.  É preciso avaliar se no caso concreto essas pessoas teriam condições de comunicar alguma autoridade competente, sem risco pessoal, a situação que observaram, ou seja, um homem gravemente ferido em desamparo.  Em relação à omissão dos guardas municipais, é preciso ter um domínio mais ampla da dinâmica do fato para fins de analisar a prática eventual conduta criminosa. Caso se verifique que os guardas municipais deixaram de atender o caso por desdém, poderia se cogitar do crime de prevaricação. (Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal). Por outro lado, na hipótese de ser evidenciado que os agentes públicos teriam deixado de agir a pedido de alguém ou de alguma organização, poderia ser caracterizado o crime de corrupção passiva privilegiada", disse o jurista. 

Nesta quarta-feira (2), a comerciante Lavy Ivone, mãe do congolês assassinado, contou ao Globo que não consegue assistir o vídeo em que o filho aparece sendo espancado. Ela criticou o fato de ninguém ter interrompido as agressões sofridas por Moïse.— É normal alguém ver uma pessoa apanhando e não fazer nada? Quando eu passo na rua e vejo uma pessoa passando mal, eu compro uma água para ajudar. Tento fazer alguma coisa. Vendo aquela cena (das pessoas batendo e outras assistindo) parece que indiretamente eles participam da morte do meu filho. Não me conformo", desabafou a cabeleireira, que foi à especializada para prestar depoimento.

Procurada, nesta quarta-feira, a  Secretaria municipal de Ordem Pública, responsável pela Guarda Municipal, informou em nota que está totalmente à disposição da polícia desde o ocorrido e, certamente, havendo algo nesse sentido, o delegado responsável pelo caso acionará o município. Também procurada, a Polícia Civil informou que as investigações continuam a cargo da Delegacia de Homicídios e seguem sob sigilo.

Gravações de uma câmera de segurança do quiosque Tropicália, na altura do posto 8 da Barra da Tijuca, mostram pelo menos quatro homens espancando o congolês até a morte, na noite do dia 24 de janeiro. A família da vítima informou que Moïse teria ido até o local cobrar uma dívida de R$ 200 referentes a duas diárias de trabalho.

Já três suspeitos alegaram, ao prestar depoimento, que teriam agredido Moïse, que, segundo eles, já estaria embriagado, após o congolês tentar pegar cervejas da geladeira do Tropicália. Eles  também negaram que as agressões tenham tido motivação racista.

As imagens do circuito de segurança do quiosque flagraram os agressores dando socos, chutes e golpes com pedaços de pau no estrangeiro. Mãe de Moïse, a comerciante Lotsove Lolo Lavy Ivone, afirmou que assistir ao vídeo foi como "uma sensação de morte" e "uma facada no coração".

A Justiça decretou as prisões temporárias de três suspeitos. São eles: Fábio Pirineus da Silva, o Belo, Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove, e Brendon Alexander Luz da Silva, conhecido como Tota. Nenhum deles era funcionário do quiosque Tropicália.

Eles foram presos  e levados da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), onde prestaram depoimento. De lá, acabaram sendo transferidos, nesta quarta-feira, para o sistema penitenciário do Rio de Janeiro.

O trio de agressores foi identificado pelo proprietário do Tropicalia por meio de apelidos.

O proprietário, que não estava no local no momento das agressões, cedeu as imagens de câmeras de segurança para a polícia e não teve participação no crime, de acordo com os investigadores. Ele prestou depoimento e também negou que houvesse qualquer dívida do quiosque com Moïse.

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