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RIO DE JANEIRO

Caso Rogério Andrade: além dos caça-níqueis, herdeiros de Castor de Andrade disputavam ilha em Angra

Sobrinho de Castor, Rogério foi preso sob a acusação de ser o mandante da morte de Fernando Iggnácio, genro do bicheiro, em 2020

Parte da propriedade de Castor de Andrade, na Ponta da Raposinha, na Ilha Grande, disputada por Beth Andrade e Carmen de Andrade IggnacioParte da propriedade de Castor de Andrade, na Ponta da Raposinha, na Ilha Grande, disputada por Beth Andrade e Carmen de Andrade Iggnacio - Foto: Custódio Coimbra

O bicheiro Castor de Andrade, um dos maiores “capos’’ que o Rio já teve, era conhecido por três grandes paixões: o futebol (era patrono do Bangu), o carnaval (era mecenas da Mocidade Independente de Padre Miguel) e o mar (quando criança, na década de 30, fugia da escola para nadar nas águas então transparentes da Praia do Flamengo).

Não à toa, no extenso patrimônio que acumulou ao longo da vida com o dinheiro da contravenção e das máquinas caça-níqueis constava um pedaço de terra cercado de água por todos os lados na Ilha Grande, em Angra dos Reis.

Era isso mesmo: uma ilha dentro da Ilha, local de onde seu genro Fernando Iggnácio chegava de helicóptero antes de ser morto em uma emboscada numa terça-feira de novembro de 2020. Ele e a família tinham passado o fim de semana na casa que construíram na propriedade, com direito a passeio de lancha.

Na manhã desta terça (29), às vésperas de o assassinato completar quatro anos, o bicheiro Rogério Andrade foi preso em sua casa na Barra durante uma operação do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Gaeco/MPRJ). Ele é apontado, em novas investigações, como o mandante da morte de Fernando Iggnácio. Sobrinho de Castor, Rogério é acusado de monitorar Fernando Iggnácio.

Para entender melhor a disputa de poder na família Andrade, é preciso voltar um pouco no tempo, para quando Castor era vivo e escolheu Rogério para comandar a contravenção na Zona Oeste e em outras áreas do estado. O filho do poderoso chefão do bicho, Paulinho, no entanto, não concordou e iniciou uma batalha com o primo. Em 1998, Paulinho e um segurança foram assassinados na Barra. O genro de Castor, Fernando Iggnácio Miranda, assumiu o lugar na disputa com Rogério.

Castor de Andrade morreu vítima de um infarto fulminante. Ainda em vida, dividiu, informalmente, parte das terras na Ilha Grande entre os dois filhos: Carmen Lúcia de Andrade e Paulinho. Cada um ocuparia seu quadrado, e a história seguiria seu curso. Só que não foi bem assim. Parte do espólio do contraventor, a ilha passou a ser dividida e também disputada pelos integrantes da família Andrade.

Na Comarca de Angra dos Reis e no Tribunal de Justiça do Rio alguns processos envolvendo a propriedade, Fernando Iggnácio, sua mulher, Carmen Lúcia de Andrade, e Elizabeth Costa de Andrade Silva, viúva de Paulinho.

Não se sabe muito bem de onde veio o encanto de Castor por aquele pedaço de paraíso. Mas é sabido que, em 1968, banqueiros dos jogo do bicho, entre eles o capo di tutti capi , foram presos por enriquecimento ilícito e passaram uma temporada de quatro meses na Penitenciária Cândido Mendes, que funcionou entre 1903 a 1994 na Ilha Grande.

Localizada na região conhecida como Enseada do Saco do Céu, mais especificamente na Ponta da Raposinha, a propriedade que pertencia a Castor é costeada pelas águas cristalinas da Praia do Amor. Nos passeios realizados por embarcações turísticas, daquelas com toboágua, música alta e guia narrando a paisagem ao microfone, a “mansão que seria do bicheiro Castor de Andrade” faz parte do roteiro. Muitas vezes, os barcos “estacionam” para que os turistas mais curiosos observem melhor a casa e sua faixa de areia particular, podendo até dar alguns mergulhos.

Mas o quiproquó familiar não é o único que perturba a paz do pedaço de céu na Costa Verde do estado. Em 2009, a Ponta da Raposinha entrou na mira do Batalhão Florestal e de Meio Ambiente da Polícia Militar. O motivo? Desmatamento em área de proteção ambiental.

A primeira visita de oficiais ao local aconteceu em novembro daquele ano e um inquérito foi aberto. Mas, três meses depois, diante de novas denúncias, policiais estiveram na ilha e constataram que os donos não tinham respeitado o embargo do Ibama e também do Inea porque havia desmatamento recente, ou seja, posterior ao embargo.

Prisão federal com RDD
Na decisão judicial que determinou a prisão de Rogério Andrade constam os motivos pelos quais o bicheiro deve ser transferido para um presídio federal de segurança máxima com Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Ele é apontado como o chefe de um grupo criminoso "voltado para a prática de diversos crimes" — entre eles homicídio, corrupção, contravenção e lavagem de dinheiro. O texto destaca que a quadrilha tem contatos com órgãos de segurança estaduais.

Briga em família
Fernando Iggnácio foi assassinado em 10 de novembro de 2020, no estacionamento de um heliporto no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio. De acordo com a denúncia à época, três suspeitos invadiram o terreno baldio que faz divisa com o heliporto, usando pelo menos dois fuzis.

Iggnácio chegou ao local quatro horas depois. Ele desembarcou de seu helicóptero, retornando de Angra dos Reis, na Costa Verde. Os acusados, então, posicionaram suas armas em cima de um muro, a cerca quatro metros do local onde estava estacionado o carro do bicheiro. Iggnácio foi atingido por três tiros, um deles na região da cabeça.

Fernando Iggnácio e Rogério Andrade, são, respectivamente, genro e sobrinho do falecido contraventor Castor de Andrade. Os mandados de prisão preventiva da operação desta terça, chamada de Último Ato, foram expedidos pelo Juízo da 1ª Vara Criminal do Tribunal do Júri. Na decisão é destacado a necessidade para garantir a ordem pública diante da "gravidade" dos crimes, definidos de forma "audaciosa e cinematográfica".

Segundo a denúncia do MP, o assassinato teria sido cometido pela disputa entre os contraventores pelo controle de pontos de exploração de jogo do bicho, videopôquer e máquinas caça-níquel. Rogério e outras cinco pessoas foram denunciados sob a acusação de homicídio triplamente qualificado.

Operação anterior
O presidente da Mocidade Independente de Padre Miguel, Flávio da Silva Santos, e o contraventor Rogério Andrade, patrono da escola de samba, foram alvos de mandados de busca e apreensão durante uma operação da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) e do Gaeco no dia 9 deste mês.

A ação, batizada de Fissão, foi no âmbito das investigações sobre o assassinato de Fábio Romualdo Mendes. Segundo o que foi apurado, ele era ligado ao jogo do bicho e foi morto em razão de uma disputa por áreas dominadas por Rogério Andrade. Os mandantes do assassinato seriam ligados a um grupo chefiado por Flávio da Mocidade — apontado como braço direito de Andrade.

O assassinato ocorreu em 29 de setembro de 2021, na Estrada dos Bandeirantes, em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio. Fábio estava em seu carro, aguardando a esposa que estava num posto de saúde, quando dois homens numa motocicleta se aproximaram. Um dos assassinos deu mais de dez tiros na vítima.

Nas redes sociais
Rogério Andrade, o mais poderoso bicheiro do Rio de Janeiro, retomou a atividade nas redes sociais, abandonadas por ele há quase dez anos. Desde o fim de semana, o contraventor vem movimentando suas contas no Facebook e no Instagram. Nelas, soma cerca de oito mil seguidores.

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