Censo 2022: Fernando de Noronha tem mais eleitores do que moradores; entenda
Arquipélago teve a segunda menor taxa de crescimento entre censos da série histórica
O distrito estadual de Fernando de Noronha, em Pernambuco, ultrapassou pela primeira vez a marca dos 3 mil habitantes, tendo alcançado um total de 3.167. O número foi divulgado na quarta-feira (28) pelo Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) havia indicado que o arquipélago tinha 3.362 eleitores aptos para votar nas eleições gerais de 2022.
Ou seja, a ilha, que segue sendo a localidade do Estado com a menor população, tem mais eleitores do que moradores. O coordenador técnico do Censo 2022 em Pernambuco, João Marcelo Santos, explica que o cruzamento dos dados é difundido e bem estabelecido pelo IBGE desde censos anteriores. Isso porque, acrescenta ele, os dados não se comparam por serem diferentes.
"O IBGE usa a metodologia do censo para saber se aquela pessoa é um morador ou não daquele local. Já no caso desse cadastro de eleitores não é sobre ser morador ou não, é sobre o local que você tirou o seu título de eleitor. O que a gente mais sabe são de pessoas que lá atrás quando tiraram o seu título de eleitor residiam num local e, posteriormente, ao longo da sua vida, acabaram indo para outro município residir e não fizeram a mudança do local eleitoral", detalha João Marcelo.
O coordenador ainda reforça que o Censo 2022 tem uma data de referência. "É um retrato daquela data de referência. Se naquela data a pessoa estava residindo em determinado município e ela fez a transferência do título após essa data, isso não vai sair no retrato", acrescenta João Marcelo Santos.
De acordo com o TSE, no primeiro turno das eleições de outubro do ano passado, 2.361 eleitores, o equivalente a 70,23% do total levantado, compareceram às urnas. A abstenção foi de 29,77%. No segundo turno, o comparecimento foi de 2.141 eleitores (63,68%), com uma abstenção de 1.221 pessoas (36,32%).
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O Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) explicou, em nota enviada à reportagem, que não necessariamente o eleitor ou eleitora precisa votar onde reside.
Isso porque, segundo a Resolução do TSE nº 23.659/2021, em seu artigo 23, para fixação do domicílio eleitoral, “deverá ser comprovada a existência de vínculo residencial, afetivo, familiar, profissional, comunitário ou de outra natureza que justifique a escolha do município”.
"Podendo [o eleitor ou eleitora] optar por outro local como seu domicílio eleitoral, desde que comprovados motivos afetivos, familiares, profissionais, comunitários ou de outra natureza para justificar esta opção. Por essa razão, algumas localidades podem contar com um número maior de eleitores que de moradores", diz o TRE-PE.
É importante lembrar também que os dados de eleitores do TSE não consideram pessoas com menos de 18 anos, dispensadas do voto obrigatório, e quem tem 16 e 17 anos, eleitores facultativos.
Levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) para as eleições de 2020 mostrou que 493 cidades, 8,8% do total do País, tinham mais eleitores do que moradores — os dados ainda usavam projeções do IBGE, uma vez que ainda não haviam dados do censo divulgado na quarta-feira.
"Existe uma ligação muito grande das pessoas com as cidades onde elas nasceram, sobretudo nesses municípios pequenos. Elas migram para cidades maiores, regiões metropolitanas ou cidades-pólo em busca de emprego ou estudo, mas não transferem seus títulos eleitorais, isso é muito comum", avaliou o consultor da área técnica da CNM, Eduardo Stranz, em entrevista à Agência Brasil na ocasião.
Stranz, que há mais de 30 anos trabalha com municípios, lembrou ainda que em cidades menores a disputa política é muito acirrada e as pessoas nascidas nessas localidades têm sempre algum grau de parentesco com os candidatos o que, segundo ele, também contribui para que elas não transfiram seus títulos.
De acordo com o IBGE, a taxa de crescimento anual da população de Fernando de Noronha ficou na casa de 1,56% entre 2010 e 2022. No censo anterior, a ilha possuía 2.630 habitantes. O Censo 2022, portanto, indica um aumento absoluto de 537 moradores. A taxa total de crescimento da população noronhense foi de 20,42% — o segundo menor índice da série histórica, superando apenas a variação entre 1970 e 1980, de 2,66% — mas um dos 10 maiores do Estado.
População de Fernando de Noronha em cada censo do IBGE
Conselheiro critica
Para o presidente do Conselho Distrital de Fernando de Noronha, Ailton Júnior, o número apresentado pelo IBGE não bate. Ele argumenta que a produção de energia e de água na ilha, por exemplo, indicaria uma quantidade maior de moradores.
"De jeito nenhum esse número bate. Eu, em 2007, fiz parte do recadastramento de moradores que a Administração da época fez. A gente contabilizou 3.456 e mesmo assim sabia que tinha uma deficiência, era um número aproximado. Hoje, sem medo de errar, a gente passa de 6,5 a 7 mil pessoas", explica Ailton Júnior.
Segundo o conselheiro, é possível ver "a olho nu" que o número seria nessa faixa. Ele detalha ainda que o número considera as duas categorias de moradores: os permanentes e os temporários, aqueles que estão trabalhando. Os permanentes seriam cerca de 4,5 a 5 mil e os temporários, aproximadamente 2 mil.
Para Ailton Júnior, essa defasagem na contagem atrapalha diversas políticas públicas. "Fica ruim de fazer planejamento, seja da política habitacional, da questão da educação para se programar com escolas e creches. Sem contar os recursos que são baseados na quantidade de pessoas. O recurso que o SUS vai passar, por exemplo, é baseado em 3 mil pessoas, onde a gente tem 7. Isso prejudica e muito a gente para efeito de planejamento", completa o conselheiro.
Ele também cita que o Conselho Distrital conversa com a Administração de Fernando de Noronha para tentar reduzir a suposta discrepância dos dados. "A gente já vem conversando com a Administração. Já aprovamos a solicitação do recadastramento. A Administração tem a expertise de fazer porque temos acesso no controle migratório. Nesse controle, fica mais fácil fazer o recadastramento", finaliza Ailton Júnior.
Sobre esse suposto subdimensionamento dos dados, João Marcelo Santos explica que o censo "é o único retrato oficial e mais completo e fidedigno do nosso País". Para citar um exemplo da fidelidade dos dados, ele diz que o IBGE fez um acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para comparar registros administrativos com os dados do Censo 2022.
"Para se ter uma ideia, em Noronha, a gente conseguiu coletar mais domicílios do que a própria Aneel, quase 20% a mais do que os pontos de energia da ilha. É mais uma forma de garantir a qualidade da coleta, e isso foi apresentado para a Administração e foi aprovado. A gente conseguiu mostrar para eles todos os pontinhos de coordenada", completa o coordenador técnico do Censo 2022 em Pernambuco.
João Marcelo também cita que os dados são "incontestáveis" em termos técnicos. "Uma coisa é a impressão de cada pessoa, a observação de cada pessoa no dia a dia. Não dá para a gente contestar frente os dados", completa o porta-voz do IBGE, acrescentando que houve pouca recusa entre os moradores de Noronha.
Os dados do Censo 2022 indicam que entre os domicílios particulares permanentemente ocupados da ilha, 692 atenderam os recenseadores — equivalente a 96,51%. Os demais 25 (3,49%) não fizeram a entrevista. Além disso, a ilha tem um total de 1.137 domicílios, uma variação relativa de 36,82% entre os censos. A média de ocupação em cada um é de 2,99 moradores.
A reportagem entrou em contato com a Administração de Fernando de Noronha para repercurtir os dados do Censo 2022, mas, até a publicação deste texto, não houve retorno.
Pouca gente
A cidade menos populosa de Pernambuco — vale ressaltar que Fernando de Noronha é um distrito e não um município — é Itacuruba, no Sertão, que tem 4.284 habitantes. Completam o ranking das cidades pouco habitadas Ingazeira (4.768), Solidão (5.210) e Calumbi (5.228). Essas três últimas também ficam no Sertão do Estado.