Recife

Chamado de "assassino" por padre, médico que interrompeu gravidez de menina no Recife ganha processo

Na ocasião, o religioso chamou o obstetra de "assassino"

Olímpio Moraes FilhoOlímpio Moraes Filho - Foto: Edilson Moraes/Senado Federal

O médico obstetra Olímpio Moraes Filho – que realizou um procedimento de aborto legal em uma menina de 10 anos, vítima de um estupro, em um hospital do Recife em 2020 – ganhou um processo contra um padre católico por danos morais.

O pároco Luiz Carlos Lodi da Cruz, da diocese de Anápolis (GO), foi condenado a pagar R$ 10 mil ao médico por tê-lo chamado de "assassino" em textos publicados na internet. 

O obstetra, referência na condução de abortos legais, alegou que as declarações do padre, feitas no site da “Associação Pró-Vida de Anápolis” continham “graves acusações caluniosas”.

Os ataques promovidos pelo religioso faziam referência ao caso da criança operada no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam) em agosto de 2020 e a outro procedimento de interrupção de gravidez de uma criança vítima de estupro em 2009, também conduzido por Olímpio.

A decisão diz que o argumento da “liberdade de expressão”, usado pela defesa, não é válido no caso de ataques pessoais.

“Apesar da liberdade de expressão, não se pode imputar a uma outra pessoa comentários ofensivos que abalem sua imagem pessoal e profissional baseados em temas polêmicos que inclusive dividem opiniões. Portanto, a liberdade de expressão e de pensamento não é direito absoluto e deve ser exercida em respeito à dignidade alheia para que não resulte em prejuízo à honra, à imagem e ao direito de intimidade da pessoa”, diz um trecho da decisão. 

Para Olímpio Moraes Filho, a decisão judicial está relacionada à defesa da democracia e dos direitos das mulheres. “Estou acostumado com os ataques promovidos por certos setores da sociedade que não admitem o Estado Democrático, a liberdade das pessoas e a ética da medicina. E há aqueles que atacam os poucos direitos que as mulheres têm, a contracepção, o direito ao pré-natal e ao aborto legal. Trabalho com isso há muito tempo e sempre enfrentei pessoas que querem impor suas vontades sobre os outros, extrapolando a liberdade de expressão e destilando ameaças”, comenta o médico.

“Na democracia, pregamos uma saúde igualitária para todos. A gente não vê ataques quando são pessoas brancas, ricas, que procuram aborto legal de forma particular. Esse ódio costuma ser destinado a pessoas pobres”, completa.

O médico conta, ainda, que teve contato com o texto do padre através de uma publicação impressa. “Essa entidade [a Associação Pró-Vida de Anápolis] produz um jornal. Eles sempre enviam me enviam essa publicação acompanhada de ameaças. Eu peguei esse jornal, no qual o padre chama as pessoas que trabalham dando assistência em situações de aborto previstas em lei de assasinos, tirei cópias e procurei me defender. No texto, o padre chega a estimular alguém a ‘fazer justiça’ contra nós. Temos que podar isso, colocar as coisas nos seus devidos lugares para que esse tipo de pensamento não se prolifere”, diz o obstetra.

O padre Luiz Carlos Lodi da Cruz já havia sido condenado em um caso semelhante. Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o pároco deveria pagar R$ 60 mil a um casal por ter interrompido um procedimento de aborto legal envolvendo um feto com múltiplas deformações. 

Relembre o caso
Olímpio Moraes Filho foi responsável pela condução do procedimento de interrupção da gravidez de uma menina de 10 anos em agosto de 2020 no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM).

A criança, vítima de estupro, residia em São Mateus (ES) e veio ao Recife para realizar o procedimento na unidade, referência na área de assistência a gestações de alto risco.

O caso ganhou repercussão nacional depois que grupos fundamentalistas, figuras religiosas e políticos foram ao Cisam protestar contra a realização do procedimento. No processo, o médico relata que esses grupos provocaram tumulto na unidade de saúde e chegaram a dirigir ofensas à criança e à equipe médica do hospital.

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