INTERNACIONAL

Chavismo usa Essequibo para fechar cerco à oposição antes de eleição na Venezuela

Procurador-geral solicitou mandado de prisão a opositores por suposta conspiração contra referendo sobre o território, em um movimento voltado para a política interna, apontado por especialistas como prioridade do governo

Rio Essequibo, zona de disputa há décadas entre Guiana e Venezuela Rio Essequibo, zona de disputa há décadas entre Guiana e Venezuela  - Foto: Wikimedia Commons

Embora tenha provocado uma série de preocupações pelas possíveis consequências internacionais na América do Sul, as reivindicações da Venezuela sobre a região do Essequibo se tornaram a mais nova frente de perseguição do governo de Nicolás Maduro contra a oposição interna no país, que tenta se organizar em torno da candidatura de María Corina Machado para as eleições presidenciais de 2024.

Treze líderes da oposição ao chavismo, incluindo integrantes da equipe de campanha de María Corina e ex-integrantes do governo Maduro-Chávez, foram alvo de mandados de prisão solicitados pelo procurador-geral Tarek William Saab, na quarta-feira. As acusações incluem crimes relacionados a traição à pátria e conspiração, por supostamente exercerem atividades desestabilizadoras contrárias ao referendo, realizado no último domingo. A alegação é de que os envolvidos teriam recebido "financiamentos provenientes da lavagem de ativos de organizações internacionais para conspirar contra o desenvolvimento" da consulta popular.

O esquema para impedir a votação, segundo apontou o procurador-geral, incluiria o desvio de valores provenientes de lavagem de dinheiro de organizações e empresas estrangeiras, incluindo a petroleira Exxon Mobile, que se beneficia com a exploração de petróleo na Guiana. Segundo a versão do MP, a polícia venezuelana deteve um cidadão norte-americano que utilizou criptomoedas para fugir aos controles financeiros e o destino dos fundos utilizados na conspiração.

María Corina e outros líderes de oposição, como o ex-candidato à presidência Leopoldo López e o ex-presidente autoproclamado da Venezuela, Juan Guaidó, convocaram a população a não participar do referendo, considerado por políticos e analistas como um factoide criado por Maduro para tentar mobilizar a população um ano antes das eleições e em um momento em que o presidente se sentiria enfraquecido no cenário interno. Apesar da reivindicação do país quanto a soberania do Essequibo ser centenária, analistas apontaram, antes mesmo da realização do referendo, que a questão estaria sendo colocada para votação agora mais por um cálculo político-estratégico interno do que externo.

Em entrevista dias antes à realização do referendo, o assessor sênior do CrisisGroup, Mariano de Alba, afirmou ao GLOBO que o governo Maduro parecia interessado em "manter a retórica estridente que o permite avivar o sentimento patriota nas Forças Armadas e tentar fazer a oposição parecer entreguista". No dia seguinte a realização do pleito, economista e analista eleitoral venezuelano Luis Vicente León disse que Maduro estaria mais interessado no impacto político da ação, incluindo entre as possibilidades de ação a ameaça de uma declaração de estado de emergência se avaliasse que há risco de perder as eleições.

"Diante da vitória cívica de 22 de outubro [prévias eleitorais da oposição], o regime arremete contra cidadãos inocentes", escreveu María Corina, na quarta-feira, após o anúncio da prisão de aliados, culpando uma motivação política.

Frente de pressão
O caso do Essequibo é apenas um dos fatores que coloca em dúvida a participação da principal líder da oposição na atualidade na próxima disputa presidencial. Embora tenha vencido as primárias com larga folga, María Corina está oficialmente inabilitada politicamente por 15 anos. A Justiça venezuelana também não reconhece o processo de escolha da candidata.

O prazo para os líderes da oposição recorrerem das inabilitações acaba em 15 de dezembro, embora Corína e outras lideranças anti-chavistas não se mostrem dispostos a apresentar seus casos ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que consideram politicamente influenciado.

— Não cometi nenhum crime, nenhuma contravenção, e aqui não há ato da Controladoria, procedimento da Controladoria, decisão da Controladoria, nem fui notificada. Vou recorrer de que, se não existe nenhum ato? — disse a candidata na quarta-feira.

A postura de María Corina não agrada todos os setores da oposição. O ex-presidenciável Henrique Capriles, um dos grandes rivais de Hugo Chávez, convocou “todos os desqualificados inconstitucional e ilegalmente” a ir ao TSJ, para esgotar as possibilidades legais.

Governo e a oposição concordaram em 17 de outubro, em Barbados, sobre realizar eleições presidenciais no segundo semestre de 2024. Os Estados Unidos, em resposta, relaxaram as sanções ao petróleo, gás e ouro venezuelanos durante seis meses, mas condicionaram tudo para definir um procedimento para levantar desqualificações.

Analistas, contudo, apontam preocupação com o fato do processo definir um prazo para apresentação de recurso dos inabilitados, mas não para o TSJ julgar cada um deles. O temor é de que o órgão judicial se torne um tipo de "posto de controle” que inviabilize a oposição de fato.

— Estamos abrindo esta janela, embora talvez possa ser um muro de concreto — afirmou consultor político Gabriel Reyes. — Havia sido levantado como urgência (nas negociações) que os desqualificados pudessem ir às eleições. É precária uma negociação onde eu te peço o status de alguém e você não me dá esse status, mas sim a oportunidade de você pedir que seja revisto (...). É uma técnica protelatória.

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