Chefe da ONU condena 'afronta à consciência' por guerra na Ucrânia
António Guterres ressaltou seu temor de um recrudescimento do conflito
A invasão da Ucrânia pela Rússia, iniciada há um ano, representa "uma afronta à nossa consciência coletiva", denunciou nesta quarta-feira (22) o secretário-geral da ONU na Assembleia Geral da organização, durante a qual Kiev e seus aliados esperam um apoio maciço a uma resolução que pede "uma paz justa e duradoura".
"O primeiro aniversário da invasão da Ucrânia pela Rússia representa um marco sombrio para o povo ucraniano e para a comunidade internacional. Essa invasão é uma afronta à nossa consciência coletiva", declarou António Guterres, que ressaltou seu temor de um recrudescimento do conflito.
"As possíveis consequências da escalada do conflito são um perigo claro e já estão aí", assinalou, voltando a evocar os riscos relacionados às "ameaças implícitas" do recurso a armas nucleares e atividades militares "irresponsáveis" em torno de usinas atômicas. "Já é hora de se afastar desse abismo", pediu Guterres, às vésperas do primeiro aniversário da invasão russa à Ucrânia, na próxima sexta-feira.
Após os discursos de pelo menos 80 delegados na tribuna, esta prevista para esta quinta-feira a votação de uma nova resolução, que "destaca a necessidade de alcançar uma paz abrangente, justa e duradoura na Ucrânia, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas, o mais rápido possível".
Assim como nas resoluções anteriores, o texto reafirma o "apego" à "integridade territorial da Ucrânia", "exige" a retirada imediata das forças russas e pede o "fim das hostilidades".
A fim de conseguir pelo menos tantos votos quanto em outubro, quando 143 países votaram a favor da resolução que condenava a anexação de vários territórios ucranianos pela Rússia, o projeto atual não faz referência ao plano de paz de 10 pontos apresentado em novembro pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
"Dirijo-me a vocês: é um momento decisivo para mostrar apoio, união e solidariedade", disse o chanceler ucraniano, Dmytro Kuleba, na tribuna. "Nunca na história recente a linha entre o bem e o mal esteve tão clara. Um país quer simplesmente sobreviver. O outro quer matar e destruir", enfatizou.
"Esta votação ficará na História", enfatizou a embaixadora americana Linda Thomas-Greenfield, que pediu votos contra as "emendas hostis" apresentadas por Belarus, aliada de Moscou.
- 'O abismo da guerra' -
O presidente russo, Vladimir Putin, prometeu nesta terça-feira continuar "sistematicamente" com sua ofensiva na Ucrânia, em um discurso com reminiscências antiocidentais da época da Guerra Fria.
Na Assembleia Geral, seu embaixador para a ONU, Vasily Nebenzya, afirmou que o Ocidente apenas "deseja infligir uma derrota à Rússia de qualquer forma possível, e eles estão dispostos a arrastar o mundo inteiro para o abismo da guerra".
Mas não se trata de uma questão de "Ocidente contra a Rússia", ressaltou o alto representante para a Política Externa da União Europeia (UE), Josep Borrell. "Essa guerra ilegal afeta todo o mundo: o Norte, o Sul, o Oriente e o Ocidente."
Nesse contexto, a China, que, assim como a Índia, absteve-se em votações anteriores sobre a Ucrânia, disse que pretende apresentar em breve uma proposta para encontrar uma "solução política" para a guerra. Uma visão que já foi apresentada à Rússia nesta quarta pelo ministro das Relações Exteriores chinês, segundo Moscou.
O representante venezuelano, em nome de países como China, Bolívia, Cuba, Coreia do Norte, Eritreia, Irã e Nicarágua, pediu aos delegados "que não se instrumentalize este fórum para fazer avançar iniciativas carentes de consenso, que acabam apenas nos afastando da paz".
O projeto de resolução pede, também, o início de diligências contra os autores dos crimes cometidos na Ucrânia, para que os mesmos "respondam por seus atos". Mas não menciona, especificamente, o estabelecimento de um tribunal especial reivindicado por Kiev para julgar os responsáveis pela agressão russa, como reiterou a primeira-dama ucraniana, Olena Zelenska, nesta quarta-feira.
"Não somos os únicos que precisamos disso, é para todo o mundo. Para que não volte a acontecer", declarou Zelenska em um vídeo difundido durante um encontro especial na ONU sobre as violações dos direitos humanos em seu país.
As três resoluções ligadas à agressão russa votadas pela Assembleia Geral há um ano receberam entre 140 e 143 votos a favor, com cinco países sistematicamente contra (Rússia, Belarus, Síria, Coreia do Norte e Eritreia) e menos de 40 abstenções.
Em abril, uma quarta resolução um pouco diferente, que suspendeu a Rússia do Conselho de Direitos Humanos, obteve 93 votos a favor, 24 contra e 58 abstenções.
O Conselho de Segurança lembrará na próxima sexta-feira o início da invasão com uma reunião ministerial que terá a presença, entre outros, do americano Antony Blinken.