Chefe do Wagner acusa militares russos de atacarem mercenários aliados
De acordo com Prigojin, grupo paramilitar fez um oficial russo de prisioneiro após incidente, o mais recente em uma série de atritos com o Kremlin
O chefe do grupo mercenário Wagner, Yegveny Prigojin, afirmou nesta segunda-feira (5) que seus homens foram atacados por uma unidade russa — e que um oficial foi capturado durante os embates. A situação é mais um capítulo das tensões entre as Forças Armadas russas e os paramilitares, que ganharam protagonismo com sua atuação na batalha de Bakhmut, a mais longa e sangrenta dos 15 meses de guerra.
"No dia 17 de maio, homens do Ministério de Defesa foram vistos pondo minas nas estradas atrás das posições das unidades do Wagner", disse Prigojin, segundo seu serviço de imprensa, em um relatório para a pasta do Kremlin. "Os combatentes do Wagner que procederam com a desminagem foram atacados por disparos provenientes das posições do Ministério da Defesa."
Segundo o líder do Wagner, "há uma investigação em curso e vários fatos não podem ser divulgados publicamente", mas compartilhou um vídeo supostamente mostrando "o que realmente aconteceu ali". Ele também compartilhou a gravação do interrogatório do militar russo que aparenta ter sido capturado, apresentado como "comandante da 72ª brigada motorizada, o tenente-coronel Roman Vinevitenov".
No vídeo, o homem supostamente confessa que "atacou" as unidades do Wagner após agir "em estado de embriaguez, guiado por uma animosidade pessoal". No sábado, Prigojin já havia acusado o Kremlin de "ceder" territórios na região russa de Belgorod, fronteiriça com a Ucrânia, e afetada por uma onda sem precedentes de bombardeios e ataques por terra nos últimos dias.
Leia também
• Rússia afirma que impede ofensiva em "larga escala" da Ucrânia em Donetsk
• Ataque aéreo mata uma criança e deixa 22 feridos na Ucrânia
• Na Finlândia, Blinken chama a guerra da Rússia de 'fracasso estratégico'
Ex-empresário de catering — um tipo exclusivo de serviço de buffet — que disse ter fundado o grupo Wagner na primeira guerra da Rússia na Ucrânia, em 2014, Prigojin enviou tropas para ajudar o Kremlin a fortalecer o regime sírio de Bashar al-Assad. Ele também construiu uma rede na África que se estende da Líbia ao Sudão, incluindo o Mali e a República Centro-Africana, em apoio aos objetivos geopolíticos de Moscou.
Mais recentemente, houve relatos de que o grupo paramilitar está se aproximando de Burkina Faso, depois que o país ordenou a saída de tropas francesas. A projeção internacional maior, contudo, veio na batalha por Bakhmut, cidade no Leste da Ucrânia, que durou por quase um ano até os russos declararem vitória no mês passado — algo que Kiev não reconhece.
O triunfo é indissociável da atuação do Wagner, que lutou na linha de frente, onde afirma ter perdido 20 mil homens, entre eles 10 mil soldados recrutados nas prisões russas. O relacionamento como autocomando militar russo, em particular com o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, contudo, é notoriamente ruim — ele acusa o ministro de ser um dos maiores responsáveis, se não o maior, pelos problemas no front, incluindo a falta de munições e condições adequadas.
No mês passado, disse que a invasão ordenada por Moscou falhou no objetivo de desmilitarizar Kiev, transformando as forças armadas inimigas em uma das "mais poderosas do mundo". Na mesma entrevista, ao blogueiro militar russo Konstantin Dolgov, também fez previsões catastróficas sobre o possível futuro da Rússia, apontando a possibilidade de rebeliões internas desestabilizarem o país, e alfinetou Shoigu, afirmando que a elite russa continua a esbanjar um alto padrão de vida enquanto os cidadãos comuns sofrem com os impactos do conflito.
Em abril, chegou a ameaçar deixar Bakhmut caso seus homens não recebessem munições para continuar a lutar, um motivo frequente de atrito com os militares, que veem com maus olhos a projeção do mercenário. Voltou atrás dias depois após receber as armas.
Em março, chegou a ser noticiado que Prigojin planejava reduzir a atuação de seus mercenários na Ucrânia, após um corte nos suprimentos de munições e homens da organização paramilitar, cortando na época a recruta nas prisões, principal fonte de abastecimento do Wagner. A ideia do mercenário era voltar seu foco para a África, mas não está claro se o aparente triunfo em Bakhmut mudou os cálculos.
Prigojin, contudo, evita criticar o presidente Vladimir Putin, com quem tem uma amizade de longa data — devido a seu serviço de catering, chegou a receber o apelido de "chef de Putin". Por décadas foram muito próximos, mas há relatos de que o protagonismo militar do mercenário e suas críticas ao alto escalão militar possam ter causado rachas na relação.
O primeiro sinal externo de que Prigojin foi longe demais surgiu no início deste ano, quando Putin promoveu Valery Gerasimov, o principal general da Rússia, para supervisionar a guerra no lugar de Sergei Surovikin. Ao lado de Shoigu, Gerasimov é um dos alvos favoritos do líder mercenário.