AMÉRICA DO SUL

Chile termina primeira etapa de novo processo para substituir Constituição de Pinochet

Comissão de especialistas entregou arcabouço que será trabalhado por Conselho Constituinte

Ditadura de Pinochet durou 17 anos no ChileDitadura de Pinochet durou 17 anos no Chile - Foto: Reprodução/Internet

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A comissão de especialistas designada para elaborar um arcabouço para a nova Constituição chilena terminou nessa terça (30) seus trabalhos, etapa inicial da segunda tentativa de substituir a Carta herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Após quase três meses de trabalho, o órgão nomeado pelo Congresso agora envia o projeto para o Conselho Constituinte, que assumirá no dia 7 de junho e ficará encarregado da missão de redigir o documento.

A conclusão da etapa foi anunciada pela presidente da comissão de especialistas, a advogada Verónica Undurraga, em uma cerimônia com a presença dos outros 23 integrantes do órgão. Um deles, o socialista Gabriel Osorio, puxou o coro do hino nacional chileno.

— Está despachado o anteprojeto da nova Constituição — disse Undurraga, com a voz embargada.

Undurraga, independente do Partido pela Democracia (PPD, na sigla em espanhol), disse que o grupo foi unido durante o processo por um "propósito comum'". O objetivo, disse ela, foi "redigir o melhor texto possível pensando no Chile do futuro":

— Uma Constituição que não é a Constituição sonhada por nenhum de nós, mas sim uma Constituição com a qual todos acreditamos que podemos conviver e que sentimos como nossa.

Mais de três anos após o amplo movimento social que tinha como uma de suas demandas um novo e aprimorado texto, os chilenos têm mais uma chance de redigi-lo. Em 2020, cerca de 80% dos eleitores do país votaram para que houvesse uma mudança no texto, escolhendo posteriormente uma Convenção Constitucional de maioria de esquerda e independente.

A Assembleia, a primeira com paridade de gênero do mundo, tentou introduzir uma série de inovações como a validade de um sistema judicial indígena, além de abrir caminho para o direito ao aborto e a garantia de educação, saúde e Previdência públicos. A postura combativa de muitos dos constituintes desatou uma forte rejeição de setores expressivos da sociedade, contudo, que custaram caro.

O texto foi rejeitado há oito meses por 62% e, em outra derrota maciça para o governo do presidente Gabriel Boric, a extrema direita venceu a eleição do início do mês para escolher os 50 integrantes do novo Conselho Constituinte, cujos trabalhos começam daqui a uma semana. Após receber 35% dos votos, o triunfo do Partido Republicano, do ex-presidenciável José Antonio Kast, foi tamanho que, com 23 assentos, poderá vetar propostas no projeto, que será submetido a um plebiscito em 17 de dezembro.

A Carta Magna atual, apesar de ter sofrido grandes modificações e de há 18 anos ter a assinatura do ex-presidente socialista Ricardo Lagos (2000-2006), tem sua orgiem em Pinochet. Agora, o novo anteprojeto tem 14 capítulos, 118 páginas e terá sua redação afinada na próxima semana, antes de ser entregue à nova Constituinte.

A comissão de especialistas foi nomeada pelo Congresso a partir da proposta dos partidos políticos com representação parlamentar — por isso, é formada por representantes de todos os setores, do Partido Comunista aos Republicanos de Kast. É composta majoritariamente por juristas, que integrarão o Conselho Constituinte, mas apenas com direito à palavra.

O processo de quase três meses foi marcado desde o início pelos acordos e pela sobriedade de seus membros. Além disso, diferentemente da experiência anterior, foi formulado por um acordo político transversal com várias linhas vermelhas, incluindo 12 fronteiras constitucionais que seus membros não poderiam cruzar.

Moderada desde o início , a comissão de especialistas entregou um projeto que, embora apresente algumas mudanças substanciais, segue a tradição constitucional chilena. A principal alteração foi a afirmação explícita de que o Chile é um Estado social e democrático de Direito, luta promovida há anos pela centro-esquerda e à qual a direita se uniu.

O vice-presidente da comissão de especialistas, Sebastián Soto, do Evópoli, partido de direita moderada, afirmou ao final do dia:

— Aprendemos a encontrar caminhos comuns para propor ao Conselho uma Constituição consensual, que convoque, que não divida. Uma Constituição que não é de um partido, mas que almeje ser o projeto de Constituição de todos. Pode haver alguns artigos que desagradem alguns de nós, mas que no final deixe todos nós coletivamente satisfeitos.

O que há de novidade no texto?
O anteprojeto manteve o presidencialismo chileno, mas incorporou novidades na figura do presidente da República, como o limite à reeleição. Pela regra atual, o chefe de governo não pode ser reeleito, mas pode disputar quantos mandatos não consecutivos quiser — algo que o documento busca limitar.

"[O presidente] permanecerá no exercício de suas funções por um mandato de quatro anos e não poderá ser reeleito para o período imediatamente seguinte. Contudo, uma pessoa só pode exercer o cargo de Presidente da República até duas vezes", diz a proposta.

Outras novidades em relação ao texto atual são mecanismos de participação cidadã no processo legislativo. Uma delas é a lei de iniciativa popular, pela qual um grupo tenha de 4% a 6% do padrão eleitoral do último pleito possa "apresentar a qualquer um dos braços do Congresso Nacional uma iniciativa popular de lei para tramitação legislativa". O mecanismo, contudo, não será adequado para reformar a Constituição". Outra iniciativa é para a revogação de leis, mas ambos terão obstáculos significativos para navegar.

Onde houve maior mudança foi no sistema partidário, com a proposta para a criação de um patamar de 5% de votos válidos para ascender à Câmara. A mudança deve-se à fragmentação política no país, cujo Legislativo tem 21 legendas. Além disso, o arcabouço prevê que quem for eleito por um partido e renunciar perderá seu cargo.

uma vez que foi estabelecido um patamar de 5% dos votos validamente expressos para acesso às eleições da Câmara dos Deputados e Deputados. É uma mudança que foi promovida devido à fragmentação política que o Chile tem, onde há 21 forças no Parlamento. Além disso, foi aprovada uma regra anti-rogue que implica que os parlamentares que foram eleitos por um partido e renunciam perderão o cargo.

A proposta também reconhece, algo que será inédito na História chilena se mantido, que os povos indígenas fazem parte da nação chilena, que é "única e indivisível". Também tem artigos que salvaguardam a participação política das mulheres: prevê uma norma, mesmo que provisória, para a paridade de gênero nas eleições nunca supere a proporção 60%-40% para ambos gêneros.

O direito à moradia adequada e um novo capítulo sobre proteção ambiental, sustentabilidade e desenvolvimento foram outros pontos incorporados pela primeira vez.

De acordo com uma pesquisa do instituto Cadem divulgada no domingo, 45% dos entrevistados confiam na comissão de especialistas, embora apenas 14% acreditem ter sido bem ou suficientemente informados sobre o plano elaborado pelo grupo. Se o plebiscito de dezembro fosse hoje, 46% dos chilenos votariam contra o texto, 10 pontos percentuais a mais que há duas semanas.

Outros 34% disseram que aprovariam a proposta no referendo, seis pontos a menos que a última medição. Enquanto isso, 20% disseram não saber ou preferiram não responder, quatro pontos a menos que na pesquisa anterior.

Quanto às forças políticas, 49% declaram confiar nos conselheiros do Partido Republicano. Os representantes do Chile Vamos, da direita tradicional, teve 34%, enquanto os conselheiros da Frente Ampla do presidente Gabriel Boric tiveram o endosso de 31%.

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