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TALEBAN

China e Rússia usam Afeganistão na disputa geopolítica com os EUA

Joe Biden citou que os dois países tiveram interesse em desestabilizar o Afeganistão ao longo de 20 anos, mas ignorou a presença militar dos EUA derrotada pelo Taleban

Presidente americano Joe BidenPresidente americano Joe Biden - Foto: Brendan Smialowski / AFP

Como todo grande evento geopolítico, a tomada do poder no Afeganistão pelo Taleban foi inserida automaticamente nas principais disputas em curso no mundo –a que remete à Guerra Fria, entre EUA e Rússia, e à atual versão 2.0 entre Washington e Pequim, da qual Moscou também participa.

O próprio presidente Joe Biden, em seu discurso de Pôncio Pilatos na segunda (16), deu a senha ao citar os dois rivais como países que tiveram interesse em desestabilizar o Afeganistão ao longo dos 20 anos da presença ocidental.

O fato de haver uma ocupação militar liderada pelos EUA combatida por insurgência foi convenientemente deixado de lado pelo americano.

Embora o objetivo maior seja o mesmo, fustigar os americanos em mais uma derrota militar de sua história do pós-Segunda Guerra e estabelecer nova cabeça de ponte na Ásia, as abordagens de chineses e russos são diversas.

Pequim foi quem escancarou mais o apoio ao Taleban, tendo recebido uma delegação do grupo há três semanas, num encontro no qual o chanceler Wang Yi colocou seus termos: apoiaria os fundamentalistas se eles se desligassem da insurgência islâmica na região chinesa de Xinjiang.

Os talebans, para quem acreditou, toparam. O interesse chinês parece ser o de transformar o país numa extensão de seu satélite econômico paquistanês, outra cortesia dos 20 anos da "guerra ao terror" sem fim, ou ao menos garantir estabilidade na área próxima à sua turbulenta região muçulmana.

Por décadas, o Paquistão era um lugar em que os "três As" dominavam: Alá, Army (Exército, em inglês) e América. Tendo sido fomentadora do Taleban nos anos 1990, Islamabad se viu pressionada pelos aliados e ao longo do tempo virou-se para Pequim.

A China comunista viu uma oportunidade de ouro para ampliar e financiou a construção de um grande porto em Gwadar, no sul paquistanês, facilitando o escoamento de suas exportações para o Índico –e desviando parte do uso de sua vulnerável costa sudeste.

Além da dimensão econômica, o Paquistão tornou-se grande cliente militar de material chinês, abandonando o fornecimento americano. Isso tudo colocou a Índia, rival existencial dos paquistaneses, em alerta sobre a aliança formada –passando então a alinhar-se de vez com os EUA na Ásia.

Desde que o Taleban tomou Cabul, no domingo (15), os chineses falam em reconhecer realidades e cooperar com o grupo. Nesta terça (17), a porta-voz da chancelaria Hua Chunying afirmou que os EUA deixaram "um terrível caos de distúrbios, divisão e famílias destruídas" no país do qual se retiraram.

O caso afegão cai como uma luva para a retórica de Xi Jinping, o líder chinês que há anos prega multilateralismo em oposição ao que chama de imperialismo americano.

Críticos da ditadura chinesa relativizam isso, apontando que no apoio de Pequim à autodeterminação dos povos há cálculos econômicos claros, adicionar mais gente à sua esfera de influência, e políticos: transformar tal adesão em apoio na Guerra Fria 2.0.

Ainda que ambas as leituras contenham verdades, o desmoronamento da ilusão americana em Cabul se encaixa muito melhor à narrativa chinesa, ao menos até o Taleban mostrar sua verdadeira face extremista e os problemas aparecerem –o que o grupo tem tentando evitar.

Já Vladimir Putin, que compartilha a visão pragmática de Xi sem ter o cofre do colega, evitou até aqui dar apoio direto aos talebans. Os EUA acusam o Kremlin de ter fornecido armas e até pago mercenários para matar americanos no Afeganistão, o que Putin nega.

Também nesta terça, o experiente chanceler Serguei Lavrov disse ver "sinais encorajadores do Taleban de que eles querem formar um governo com outras forças políticas", rejeitando "passos políticos unilaterais" por Moscou.


Cioso da história afegã, que incluiu dez anos de relacionamento conflituoso com os ocupantes soviéticos enviados por Moscou em 1979, Lavrov disse que é hora para uma reunião de todas as correntes tribais –a famosa loya jirga, ou grande assembleia.

O jogo de Moscou combina com o dos chineses, aliás de forma cada vez mais crescente. Sem musculatura econômica para imaginar uma presença muito grande no novo-velho Afeganistão, Putin joga com o que tem: força militar.

Assim, nesta terça anunciou mais um mês de exercícios com tropas do Tadjiquistão, vizinho ao norte do Afeganistão que morre de medo de ver a insurgência islâmica vazar para suas terras.

Mais fiel aliado de Putin na Ásia Central, sede de uma enorme base militar russa, o país é central para a estratégia do Kremlin de manter zonas de influência determinadas naquelas que eram suas antigas fronteiras no tempo da União Soviética (1922-91).

O temor geopolítico central da Rússia é ver a desestabilização, seja por guerra civil, seja por militância islâmica, nessas regiões. É a lógica que move suas ações a oeste, na Ucrânia e Belarus, por exemplo.

Historicamente, Moscou desconfia de Pequim, temendo por suas desabitadas regiões no Extremo Oriente. Mas o fato é que os dois países estão mais próximos do que nunca, e na semana passada fizeram um exercício militar conjunto inédito, no qual russos usaram equipamento chinês em ação.

Este é o preço da renovada política de força, iniciada na gestão Donald Trump e até aqui acelerada por Biden, com grandes potências movendo suas peças em vários tabuleiros.

No Afeganistão, Moscou joga com o que tem, poder político e militar, para garantir seu lugar à mesa das sobras da retirada americana, que presumivelmente terá a China na cabeceira.

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