Proteja as crianças da Covid-19; aceleração da doença e pressão no sistema de saúde acendem o alerta
Especialista explica os cuidados essenciais para evitar contaminação entre os mais jovens. Oferta de leitos preocupa.
Parecia que estava perto de acabar. 2021 chegou com a promessa da vacina contra a Covid-19, a doença que, em um ano, matou mais de 200 mil pessoas só no Brasil. Mas não tardou para a realidade se revelar mais complexa.
O começo lento da vacinação, realizada a conta-gotas em meio a conflitos políticos, coincidiu com uma explosão de contaminações e mortes, que bate recordes diários, impulsionada pelo surgimento de variantes mais transmissíveis que o próprio vírus “original”.
Neste momento de forte pressão sobre o sistema de saúde, chama atenção um público pouco lembrado quando se fala na Covid-19: as crianças e os adolescentes.
Embora não costumem contrair a forma grave da infecção, conhecida por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), os mais jovens devem se cuidar não só pela possibilidade de transmitir o novo coronavírus para os grupos de maior risco, mas porque tem se percebido um aumento no contágio de doenças respiratórias na faixa que vai dos recém-nascidos aos que têm 18 anos.
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Por não apresentarem os sintomas graves que afetam mais os mais velhos, eles não foram prioridade nos estudos de desenvolvimento das vacinas. Assim, até que se descubra um imunizante adequado para a faixa etária, os menores de idade, que correspondem a cerca de 25% da população, não podem se imunizar.
Portanto, devem tomar cuidado tanto quanto os adultos. “Mesmo tendo um papel menor na transmissão da Covid-19, é uma população que tem um enfoque importante das medidas preventivas”, ressalta o médico sanitarista e professor de Promoção da Saúde da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Felipe Proenço.
Assim como os pais, tios e avós, as crianças devem sempre higienizar as mãos, seja com água e sabão ou álcool em gel. Já a proteção do nariz e da boca muda conforme o avanço da idade.
O uso constante de máscara é recomendado a todos a partir dos 6 anos. Dos 2 aos 5, a utilização é eventual, dependendo de como o pequeno se mostra adaptado à peça. Aos que têm menos de 2 anos, o uso de máscara não é indicado, por risco de sufocamento.
“É preciso tentar uma máscara que seja adaptada ao rosto da criança, cobrindo bem o nariz e o queixo. Na escola, onde ela fica mais tempo, a Organização Mundial da Saúde diz que não é necessária a máscara para essa faixa etária (com menos de 6 anos)”, explica o professor Felipe Proenço. “Não adianta deixar a criança com períodos muito longos de máscara porque vai haver uma dificuldade de adesão”.
O especialista destaca ainda que os protetores faciais (“face-shields”) são ineficazes quando utilizados sem máscara. O importante é que, nos ambientes, todas as outras pessoas estejam com as vias respiratórias cobertas. Além disso, a criança não deve ser levada a lugares de grande circulação.
A advogada Leila Hermínio, de 41 anos, busca prevenir o filho, Gláucio, de 7, sempre que pode. Ela conta que o menino teve que passar por um processo de adaptação à proteção facial.
“Eu comprei vários tipos de máscara até que a gente encontrasse a mais confortável. No começo, ele ficava puxando, deixava abaixo do nariz. Teve a questão de achar uma do tamanho do rosto dele e, depois, o manuseio. Isso foi o que deu mais trabalho”, diz a mãe, que tinha medo de que o filho se sentisse sufocado.
“Então, nós íamos ao espelho e eu mostrava a ele como usar. Às vezes, ele pegava no meio, mas hoje coloca com as duas mãos, bem direitinho”, comenta.
Leila também se preocupa em orientá-lo sobre todas as recomendações.
“Começamos (ela e o pai) a falar muito sobre a questão do álcool e de lavar as mãos até os cotovelos. Como filho único, a gente dizia que ele devia sempre compartilhar, mas a partir de agora não poderia dividir material, pelo próprio cuidado com o outro. Sempre que a gente precisa sair, pede para ele colocar a máscara e levar um suporte para guardar as máscaras limpas. E ele sabe que, antes de trocar, precisa lavar as mãos”, reforça.
Outros vírus
Embora sejam uma minoria no universo de infectados, as crianças também podem pegar e transmitir a doença assim como desenvolver os sintomas que levam à Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e, depois disso, à morte.
Mais que isso, elas formam um público suscetível à infecção por outros vírus respiratórios, que têm potencial para agravar a lotação dos hospitais públicos e privados.
O alerta vem do vice-presidente da Sociedade Pernambucana de Pediatria (Sopepe), Eduardo Jorge Fonseca. De acordo com ele, o Estado tem, historicamente, um déficit na oferta de leitos para crianças nas unidades de saúde, não só do interior, mas também da Região Metropolitana.
Agravado pela pandemia, o quadro pode se tornar ainda mais caótico agora em março, quando inicia o ciclo de infecções respiratórias, como acontece em todos os anos.
“O período de março a julho é quando circulam vírus como o sincicial respiratório, o Influenza, que é o da gripe comum, e o rinovírus. E isso ocasiona que as emergências fiquem muito lotadas nesta época do ano, porque esses vírus circulam com muita mais intensidade e coincidem com a volta às aulas. E isso já é esperado. Mas, no cenário atual, nós temos um complicador a mais, que é a Covid-19”, observa o pediatra.
Outro fator preocupante associado ao contágio pelo novo coronavírus é a perspectiva de aumento no número de casos da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) (veja infográfico).
Segundo o vice-presidente da Sociedade Pernambucana de Pediatria (Sopepe), a doença pode se manifestar de três a quatro semanas após o ciclo da Covid-19.
“Isso nos preocupa porque a gente sabe que está havendo uma maior transmissibilidade. Então, a partir de abril, é possível que tenhamos mais casos da síndrome multissistêmica, um processo inflamatório que acomete o pulmão, o coração, os rins e o sistema nervoso central e precisa de um tratamento específico”, alerta.
Leitos
A situação dos leitos pediátricos para pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em Pernambuco despertou a preocupação da Defensoria Pública da União (DPU), que, na última quarta-feira, fez uma recomendação à Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE).
Na manifestação, o órgão argumentou que a taxa de ocupação chegava a 95% nas UTIs neonatais e 85% nas pediátricas, que se concentram no Recife e em Olinda.
Diante desse quadro, a instituição solicitou que fossem abertos leitos no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) e que sejam colocadas em funcionamento quatro vagas inativas no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc) e mais oito no Hospital Regional Fernando Bezerra, localizado em Ouricuri, no Sertão.
Segundo a DPU, embora inativados, esses leitos já estão habilitados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).
Por meio de nota, a secretaria respondeu que tem ampliado o esforço para a abertura de vagas e informou que hoje a rede pública tem 42 leitos pediátricos, com 80% de taxa de ocupação.
“Nos últimos 18 dias, foram abertos mais 300 leitos de terapia intensiva, sendo dez leitos de pediatria no IMIP. Com isso, a unidade passou a somar 30 vagas de terapia intensiva, sendo 20 neonatais e as 10 pediátricas”, diz o texto.
A pasta informou ainda que, para colocar novos leitos em funcionamento, é necessário, além do cumprimento dos trâmites administrativos, contar com o aporte de profissionais especializados em terapia intensiva e equipamentos, como respiradores. Também reforçou que está aberto um chamamento público para contratação de leitos de UTI e enfermaria dedicados à Covid-19 nas redes privada e filantrópica.
Além disso, o órgão informou que, desde o início da pandemia, o Governo de Pernambuco convocou 8,3 mil profissionais para reforçar os serviços ligados à rede estadual de saúde.
Além da recomendação da Defensoria, entidades como o Sindicato dos Médicos de Pernambuco relataram superlotação e falta de medicação no setor de pediatria do Hospital Barão de Lucena, localizado no bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife.
Em nota, a SES disse que a direção da unidade reconhece a demanda de pacientes pediátricos, mas acolhe todos os que são admitidos no serviço. A pasta ainda afirmou que não procede a informação de que pacientes não estariam sendo atendidos por falta de remédios. Em média, 500 crianças são atendidas por mês no hospital.
Na coletiva de imprensa on-line realizada na quinta-feira, o secretário estadual de Saúde, André Longo, citou a dificuldade de encontrar profissionais para ampliar o atendimento a crianças e adolescentes.
“Se já é difícil na Capital e na Região Metropolitana, é muito mais no interior. Nós tínhamos, por exemplo, desde novembro do ano passado, a determinação de abrir dez leitos de terapia intensiva pediátrica, inicialmente na Maternidade Brites de Albuquerque (em Olinda), e não conseguimos formar as equipes para montar [os leitos] até esta semana”, salientou, destacando, em seguida, a abertura das vagas no Imip, que começou a instalar uma UTI pediátrica para Covid-19.
O gestor afirmou ainda que espera inaugurar, nos próximos 30 dias, uma UTI neonatal em Araripina, que seria a primeira instalada no Sertão, por meio de parceria com o Instituto Social Medianeiras da Paz.
“Nós vivemos a sazonalidade de doenças respiratórias e, não necessariamente, essa faixa pediátrica que está procurando mais as emergências é por conta da Covid-19. A maioria das ocorrências pode ser por outros vírus”, acrescentou.