Cidade da Líbia devastada por inundação sofre apagão de comunicações após protestos
Um grupo de manifestantes protestou ontem, em frente à Grande Mesquita de Derna, pela falta de manutenção das barragens e a falta de alerta sobre o perigo
A cidade líbia de Derna, atingida por inundações devastadoras, está nesta terça-feira (19) sem Internet, ou linhas telefônicas, depois de centenas de pessoas protestarem na segunda-feira (18) contra as autoridades - responsabilizadas pelas milhares de mortes.
A tempestade Daniel atingiu Derna no domingo (10) e causou o rompimento de duas barragens. A água dos reservatórios gerou um fluxo semelhante a um maremoto, o que ocasionou a devastação de bairros inteiros, com milhares de pessoas sendo arrastadas para o mar.
Um grupo de manifestantes protestou ontem em frente à Grande Mesquita de Derna para expressar sua indignação com as autoridades locais e regionais pela falta de manutenção das barragens, que tinham rachaduras desde 1998.
Outra reclamação foi que a população não foi alertada do perigo.
"O povo quer a queda do Parlamento", gritaram alguns manifestantes que também criticaram o líder legislativo, Aguila Saleh.
A Líbia está imersa em caos desde a queda e a morte do ditador Muammar Khaddafi, em 2011. Atualmente, dois governos rivais disputam o poder: um, em Trípoli, reconhecido pela ONU; e outro, no leste, na zona de desastre designada pelo Parlamento.
Após o protesto, um grupo de manifestantes foi até a casa do prefeito da cidade e ateou fogo.
O serviço de telefonia em Derma foi cortado nesta terça, um incidente que, segundo a empresa nacional de telecomunicações LPTIC, se deve a "uma ruptura na fibra óptica" que abastece a cidade. Em sua página no Facebook, a empresa afirmou que a suspensão do serviço "pode ser resultado de um ato deliberado de sabotagem".
As equipes de resgate continuam encontrando corpos. O último balanço provisório é de mais de 3.300 mortos, mas ainda há milhares de desaparecidos.
As chuvas torrenciais e o rompimento de barragens deixaram 891 edifícios totalmente destruídos e 600 estruturas danificadas, segundo relatório das autoridades feito com base em imagens de satélite.
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Punição coletiva
"Há dois anos, já havia vazamentos na grande barragem quando ela estava apenas pela metade. Avisamos o município e exigimos que fizessem reparos", disse à AFP Abdelqader al Omrani, um homem de 48 anos que está hospitalizado em Benghazi.
Al Omrani contou que viu passar diante de seus olhos os corpos sem vida de seis de seus parentes que foram arrastados pelas águas. Segundo ele, milhares de mortes poderiam ter sido evitadas.
As autoridades que não fizeram os reparos a tempo "têm nossas mortes em suas consciências", disse ele.
Especialistas na Líbia indicaram nesta terça que o apagão de comunicações em Derna foi deliberado e que visa a silenciar os protestos. Emadeddin Badi, do "think tank" Atlantic Council, com sede em Washington, relatou um "apagão midiático" em Derna.
"Não tenham dúvida. Não se trata de saúde, ou segurança, mas de punir os manifestantes em Derna", disse Badi na rede social X (antigo Twitter).
O pesquisador do Conselho Europeu de Relações Internacionais, Tarek Megrisi, relatou no X que há "notícias extremamente preocupantes" sobre Derna, que ainda se recupera das enchentes.
"Os habitantes têm agora medo de uma repressão militar iminente que é vista como uma punição coletiva aos protestos", acrescentou.
As queixas surgem em um momento que a cidade permanece em estado de emergência e há milhares de pessoas que perderam suas casas e carecem de água potável, alimentos e bens básicos. Além disso, agências da ONU advertem para o crescimento do risco de epidemias.
Em discurso na Assembleia Geral da ONU nesta terça, o secretário-geral António Guterres declarou que a catástrofe em Derna é um símbolo de "injustiça".
"Derna é um triste retrato do estado do nosso mundo, com a avalanche de desigualdade, injustiça (e) incapacidade de enfrentar os desafios que nos ameaçam", alertou Guterres, urgindo os 193 países-membros da ONU a fazerem uma reforma das instituições multilaterais para que reflitam "realidades econômicas do século XXI".
"Neste momento, há corpos que chegam à costa do mar Mediterrâneo, onde bilionários estão tomando sol nos seus iates", acrescentou Guterres.