Logo Folha de Pernambuco

abastecimento

Cidades do Sul do Brasil assoladas pela seca adotam caminhões-pipa e poços artesianos

Em todo o Rio Grande do Sul, 413 munícipios decretaram emergência devido à estiagem, segundo a Defesa Civil

SecaSeca - Foto: Alfeu Tavares/Folha de Pernambuco

O primeiro bimestre de 2022 tem sido marcado no Brasil pelos severos eventos climáticos, e inclusive opostos, provocados pelo fenômeno La Niña. Na última semana, a cidade de Petrópolis (RJ) registrou a maior tempestade em toda a sua história, em desastre que provocou a morte de mais de 180 pessoas. Em janeiro, chuvas ocasionaram 18 mortes em Franco da Rocha (SP) e obrigaram mais de 340 munícipios de Minas Gerais a decretar emergência. No final de dezembro, quase 100 mil pessoas ficaram desabrigadas na Bahia.

Já no Sul do país a situação é completamente diferente, com a maior estiagem dos últimos 70 anos. Para complementar o abastecimento de água, diversas cidades iniciaram ações geralmente associadas à Região Nordeste. Caminhões-pipa e poços artesianos são opções que alguns municípios do Rio Grande do Sul adotaram para enfrentar a estiagem.

A cidade de Garibaldi construiu um poço artesiano que garante 600 mil litros de água por dia aos moradores. Fontoura Xavier conta com dois caminhões, um pipa e outro adaptado para entregar 36 mil litros de água diários aos produtores rurais da região. A empresa responsável pelo abastecimento de água em 317 municípios do estado informou que, além das duas citadas, as cidades de Santo Expedito do Sul e São Valentim também estão utilizando caminhões-pipa. 

Em todo o Rio Grande do Sul, 413 munícipios decretaram emergência devido à estiagem, segundo dados da Defesa Civil até sexta-feira (18). A seca no Sul do país se arrasta desde o segundo semestre de 2019. No mês passado, o Monitor da Seca da Agência Nacional de Águas indicou avanço da seca grave nos três estados da Região Sul, no sudoeste de São Paulo e no sul e sudoeste do Mato Grosso do Sul. A pior situação é no Norte gaúcho, onde o cenário é de seca extrema. Em janeiro, um fenômeno com epicentro na Argentina elevou as temperaturas na região a mais de 40°C, com sensação de calor à beira de 50°C em diversas cidades.

Na última quinta-feira, também o município de Chapecó, em Santa Catarina, decretou emergência depois que o manancial que abastece a cidade secou. A Companhia Catarinense de Águas e Saneamento passou a captar água do Rio Uruguai, na divisa com o Rio Grande do Sul. Vinte caminhões-pipa fazem a coleta da água. Outros dez serão usados para levar água potável a escolas, restaurantes, bares e hotéis.

Redemoinhos de poeira, cuja velocidade média atinge 100 km/h, foram observados em Blumenau e Apiúna, no Vale do Itajaí. No mesmo dia, no município de Urupema, na serra catarinense, houve queda de granizo.

Assim como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, o Paraná também enfrenta o desafio do abastecimento d'água. Na Região Metropolitana de Curitiba o racionamento se arrastou por 23 meses consecutivos. O rodízio no fornecimento de água potável começou em março de 2020 e só foi encerrado no último dia 21 de janeiro. Cerca de 3,6 milhões de pessoas foram afetadas. No pior período, de agosto de 2020 a março de 2021, a população alternou 36 horas com água e 36 horas de torneiras secas. 

Em Três Barras, no sudoeste do estado, o Rio Trigolândia perdeu 60% de sua vazão e o rodízio deve ser implantado na próxima semana. Municípios como Pitanga e Dois Vizinhos seguem com esquema de racionamento.Coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o cientista José Marengo lembra que os fenômenos extremos atingem o mundo todo. A Europa sofreu com ondas de calor e frio no ano passado. No início de 2021, a Europa registrou as temperaturas mais baixas em 25 anos. Em agosto, na Espanha, as temperaturas ultrapassaram 44°C - um patamar entre 5° e 10°C acima da média para o período do ano.

No sul da Itália, pelo menos quatro pessoas morreram devido às chamas e ao calor, que atingiu 49ºC. Na Grécia, foram registrados mais de 550 incêndios florestais, que destruíram casas e deixaram feridos.Na América do Sul, a seca prolongada que atinge o Sul do país se estende por toda a Bacia do Prata, formada pelos rios Paraná, Paraguai e Uruguai. Na Argentina, a hidrelétrica Yacyretá, no Rio Paraná, entre Argentina e Paraguai, opera com 50% de sua capacidade. 

– É um fenômeno subcontinental que se arrasta há dois anos. E quando em algum lugar chove muito, é porque em outro está faltando – diz Marengo.   

Segundo o pesquisador, a diferença é que os efeitos da seca são de mais longo prazo, como insegurança hídrica, alimentar e energética. Eles também afetam a vida das pessoas e têm forte impacto na biodiversidade, como no Pantanal.

É a chuva, porém, que causa mais mortes, devido à força das enxurradas e deslizamentos de terra.

– Não é só sobre quando e quanto chove, é como se concentra a chuva. Em três horas choveu em Petrópolis o esperado para todo o mês. Os alertas foram emitidos e mesmo assim as pessoas morreram. Ainda que a previsão de tempo acerte que vai chover, nunca vai ter precisão de 100%, só Deus – afirma Marengo. 

O cientista explica que o aquecimento global muda regimes de chuva, temperatura, circulação de ventos e temperatura do mar.

– Já estamos vivendo um regime de mudança climática. Não é mito, é realidade. Aquilo que falamos que podia acontecer no futuro já está acontecendo – afirmou Marengo.

Segundo o cientista, no Brasil não bastaria apenas encerrar o desmatamento ilegal na Amazônia, mas com todo e qualquer desmatamento, em todos os ecossistemas. Marengo informa que a floresta Amazônica é reguladora do clima mundial, em conjunto com as florestas da África Central e do Sudeste da Ásia.

 Não é só pela vegetação, pelos macaquinhos e aranhas. É como um avião com vários motores. A Floresta Amazônica é uma das turbinas. Se apaga uma, há risco – finalizou o coordenador-geral do Cemaden).

Na última atualização feita pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA), a previsão é que o frio chegue mais cedo no Brasil neste ano. Segundo a agência, o La Niña atingiu o seu pico e deve terminar antes do inverno de 2022, ou seja, o fenômeno contribuirá para que as temperaturas no outono sejam mais baixas que o esperado.

Diversos especialistas alertam que o fenômeno El Niño poderá ocorrer no segundo semestre de 2022, provocando uma situação oposta à de hoje. Ou seja, as temperaturas gélidas voltarão a marcar o Sul do país no outono.  

 

Veja também

Ucrânia pede sistemas de defesa para enfrentar novos mísseis russos
Ucrânia

Ucrânia pede sistemas de defesa para enfrentar novos mísseis russos

Hospitais de Gaza em risco por falta de combustível
Gaza

Hospitais de Gaza em risco por falta de combustível

Newsletter