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Cientista implanta neurônios humanos em ratos para testar terapia contra doença rara

Tratamento com moléculas curtas de RNA se mostrou promissor contra a síndrome de Timothy, que causa problemas cardíacos, autismo e convulsões

Estruturas criadas a partir de neurônios humanos foram implantadas em ratosEstruturas criadas a partir de neurônios humanos foram implantadas em ratos - Foto: Pexels

Um grupo de cientistas da Universidade Stanford, da Califórnia, anunciou hoje ter conseguido implantar com sucesso em cérebros de ratos estruturas criadas a partir de neurônios humanos, chamadas de "organoide cerebrais". Os animais modificados foram usados para testar, com sucesso, uma terapia genética contra a síndrome de Timothy, doença hereditária rara que causa cardiopatia, autismo e convulsões.

Em artigo na revista Nature, os pesquisadores liderados pelo cientista romeno Sergiu Pasca, mostraram que os organoides, criados a partir de células humanas cultivadas em laboratório, se acomodaram bem nos cérebros dos roedores. Alguns dos animais receberam neurônios de humanos saudáveis, outros receberam neurônios derivados de pacientes da síndrome estudada.

A intenção do pesquisador era simular bem o mecanismo por trás da anomalia que causa a doença, e a ideia deu certo. Os organoides implantados para imitar a síndrome de Timothy tinham um problema crônico para administrar o fluxo de cálcio entre neurônios, da mesma forma que acontece nos humanos acometidos pelo problema.

O próximo passo era tentar "curar" os neurônios humanos implantados nos animais, e o tratamento de doenças genéticas é sempre desafiador, porque envolve combater defeitos que são inerentes ao DNA da pessoa portadora. O alvo dos pesquisadores era o gene que codifica a proteína CACNA1C, que produz canais de fluxo de cálcio nos neurônios.

Uma complexidade adicional com a síndrome de Timothy é que a mutação genética causadora da doença é mais sutil, e não altera a forma das proteínas codificadas pelo DNA. A anomalia ocorre num processo chamado splicing, que é controlado pelo RNA (molécula auxiliar do DNA no mecanismo celular). O splicing influencia o contexto de produção das proteínas, ou seja, o momento e o lugar onde a molécula é produzida no organismo.

Para tentar corrigir o problema neuronal nos animais com organoides defeituosos, os pesquisadores escolheram uma abordagem inovadora, chamada terapia antissentido, já empregada em pesquisas contra cegueira congênita. Ela consiste no uso de pequenos segmentos de RNA, a molécula auxiliar do DNA na célula, chamados de "oligonucleotídeos antissenso". Essas estruturas minúsculas deveriam ser capazes de neutralizar a ação de outras tiras de RNA dentro dos neurônios, corrigindo a interferência de genes defeituosos.

E foi feito então o experimento descrito hoje no artigo da Nature. O grupo liderado por Pasca teve a cientista chinesa Xiaoyu Chen conduzindo o processo na bancada.

"Nós mostramos que os oligonucleotídeos antissenso podem ser aplicados em animais vivos usando uma plataforma de transplante de organoides que desenvolvemos anteriormente e que ela pode recuperar o splicing e o fluxo interno de cálcio dentro das células em neurônios humanos integrados ao córtex cerebral dos ratos", escreveram os cientistas.

Desafios à frente
Em um artigo independente comentando o trabalho de Pasca e Chen, outra pesquiasdora Silvia Velasco, do Instituto de Pesquisa Murdoch Children's da Austrália, afirma que o trabalho é um marco na pesquisa de doenças nervosas genéticas.

"O estudo veio em boa hora e reforça a defesa da implementação de organoides cerebrais em esforços para descoberta de drogas e para o tratamento de transtornos neurodegenerativos ou de desenvolvimento neural que hoje são intratáveis", afirmou.

A transposição dessa tecnologia para uso em humanos, porém, ainda precisa superar muitos desafios.

"Tratar problemas neurológicos com esses oligonucleotídeos é especialmente desafiador porque eles não cruzam a barreira hematoencefálica (a separação entre o sangue e o cérebro), e precisam ser injetados diretamente no fluido cerebrospinal, um procedimento invasivo e nem sempre viável em pessoas", afirmou. "Isso também vai requerer uma avaliação extensa de efeitos colaterais potencialmente tóxicos dos oligonucletídeos."

A pesquisadora, no entanto, destaca que o modelo de teste pré-clínico que Pasca desenvolveu com implantes de organoides nos ratos abre uma possibilidade de testar outras drogas e terapias com a mesma técnica.

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