Cientistas alemães dizem que é possível 'consertar' vacina da AstraZeneca
No Brasil, onde o fármaco da AstraZeneca é indicado para adultos, foram relatados até o começo de maio 14 casos graves de acidente vascular que podem ter relação com vacina
Uma equipe de cientistas da Universidade Goethe, em Frankfurt, afirma ter uma forma de "consertar" as vacinas da AstraZeneca e da Janssen para que elas não provoquem mais os efeitos colaterais graves e raros que levaram alguns países a restringir seu uso.
No estudo, publicado nesta quarta (26) -ainda não revisado por outros pesquisadores-, eles dizem que a causa do problema são os vetores de adenovírus -inócuos aos humanos e usados para levar ao organismo material genético do Sars-Cov-2.
Tanto a vacina da AstraZeneca quanto a da Janssen usam os adenovírus para introduzir nas pessoas a proteína S, ou espícula, ferramenta do Sars-Cov-2 para infectar as células humanas. Isso estimula o sistema imunológico do indivíduo imunizado, deixando-o pronto para combater o coronavírus real, se houver contágio.
Segundo os pesquisadores, o problema é que, em vez de enviar o material genético do coronavírus apenas para o líquido interior da célula -chamado de citoplasma-, onde ele normalmente se reproduz, os imunizantes o enviam também para o núcleo da célula.
Rolf Marschalek, que coordenou o estudo, afirma que no núcleo as proteínas S do coronavírus acabam se dividindo recombinando formando proteínas mutantes, que são secretadas pelas células. Na corrente sanguínea, essas proteínas acabam se ligando a células do endotélio -camada de reveste internamente os vasos sanguíneos.
"As variantes solúveis da espícula, juntamente com anticorpos recém-criados contra a espícula, bem como as condições de fluxo sanguíneo altamente específicas no seio venoso central do cérebro" levam a uma reação inflamatória e podem provocar os coágulos raros, escrevem os cientistas.
Essa reação rara aconteceu em ao menos 142 pessoas dos 16 milhões de vacinados na União Europeia e em 309 dos 33 milhões de vacinados no Reino Unido. Apesar dos efeitos colaterais, agências regulatórias afirmarem que seus benefícios -ao evitar mortes e derrames causados pela Covid- superam os riscos do AVC raro.
No Brasil, onde o fármaco da AstraZeneca é indicado para todos os adultos, foram relatados até o começo deste mês 14 casos graves de acidente vascular, em investigação sobre relação de causa e efeito com o imunizante. O número é bem menor que o de casos de trombose em quem teve Covid (165 mil casos a cada 1 milhão de pessoas).
Leia também
• Reino Unido soma 32 mortos por coágulos em milhões de vacinados com AstraZeneca
• Regulador europeu autoriza vacina da Janssen apesar de casos 'raros' de coágulos
• Anvisa pede alteração em bula da vacina de Oxford para citar coágulo como 'muito raro'
Nos Estados Unidos, onde é usada a Janssen, 8 dos 7,4 milhões de imunizados relataram o AVC raro. Os cientistas de Frankfurt chamaram de síndrome de "mimetismo de Covid-19 induzido por vacina" (síndrome VIC19M) o efeito causado pelos dois fármacos..
De acordo com os cientistas alemães, os coágulos não são provocados por vacinas que usam a tecnologia de RNA mensageiro (mRNA), porque elas entregam o material genético do coronavírus no citoplasma.
O grupo alemão sugere que é possível "consertar" os imunizantes que usam o adenovírus modificando o componente da vacina que "fabrica" a proteína S, para evitar que ela se divida e se recombine, produzindo os mutantes.
Como o estudo ainda não passou pela crítica de pesquisadores não ligados aos autores, pode haver lacunas a serem investigadas. Os próprios cientistas levantam algumas, como explicar por que os coágulos raros acontecem preferencialmente no seio do sistema nervoso central.
Outra questão a esclarecer é por que os efeitos acontecem mais entre os mais jovens - uma hipótese apresentada por eles é que talvez isso se deva a um uso mais frequente por idosos de remédios que reduzem a coagulação e inflamações.
O professor de medicina Johannes Oldenburg, da Universidade de Bonn, citou mais uma delas ao Financial Times: falta mostrar a relação causal entre as proteínas mutantes e os coágulos.