Logo Folha de Pernambuco

DNA

Cientistas criam 'minicérebros' com DNA neandertal e veem diferenças no surgimento de neurônios

Os "minicérebros" são os chamados organoides corticais, simulações muito simplificadas da dinâmica do córtex cerebral

dna 163466_1280dna 163466_1280 - Foto:

"Minicérebros" criados em laboratório por pesquisadores do Brasil e dos EUA contêm, no DNA de seus neurônios, uma pequena parte do material genético que existia em espécies humanas extintas, como os neandertais. A alteração desencadeou mudanças significativas na maneira como as células nervosas funcionam, o que pode ser um primeiro passo para estudar experimentalmente as diferenças cerebrais entre os seres humanos de hoje e seus parentes do passado.

Coordenado pelo biólogo brasileiro Alysson Muotri, que trabalha na Universidade da Califórnia em San Diego, o trabalho está saindo na edição desta semana do periódico especializado Science, um dos mais importantes do mundo. Também assinam o estudo cientistas da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) e da UFABC (Universidade Federal do ABC), em São Bernardo do Campo (SP).

"É algo que repercute mais fundo nas pessoas, por estar ligado a espécies tão próximas de nós e mais ainda por ter a ver com o cérebro", diz Alexandre Kihara, professor do Centro de Matemática, Computação e Cognição da UFABC e coautor do estudo. "Se fosse o coração de um neandertal, haveria algumas diferenças em relação a nós, claro, mas é um órgão que só bombeia sangue. Já o cérebro está por trás do que a gente pensa e sente."

Os "minicérebros" são os chamados organoides corticais, simulações muito simplificadas da dinâmica do córtex cerebral, medindo apenas alguns milímetros de diâmetro. Para criá-los, os pesquisadores, em primeiro lugar, manipularam geneticamente células-tronco pluripotentes, ou seja, que conseguem dar origem a qualquer tecido do organismo.

Tais células receberam a versão arcaica de um gene chamado NOVA1. Esse trecho do DNA humano contém a receita para a produção de uma proteína que regula a maneira como outros genes são "lidos" pelas células –a mesma região do DNA pode ser lida de maneiras bem diferentes, com repercussões importantes para o organismo. O gene NOVA1 desempenha esse papel justamente no caso de genes-chave para o desenvolvimento dos neurônios e das conexões entre eles - o que, claro, afeta o cérebro.

Como os cientistas já dispõem de dados bastante confiáveis sobre o DNA dos neandertais e de outra espécie humana extinta da Era do Gelo, os denisovanos (nativos da Sibéria), eles sabem que o NOVA1 é um dos genes que sempre são funcionalmente diferentes quando se comparam humanos modernos e as espécies arcaicas. Todas as pessoas de hoje estudadas até agora carregam uma mutação no NOVA1 que o distingue de sua versão ancestral (veja infográfico).

Daí, portanto, a ideia de inserir a forma arcaica do gene nas células-tronco humanas. Essas células foram cultivadas em laboratório de modo a se transformar em neurônios e formarem os organoides corticais. Ao mesmo tempo, "minicérebros" foram criados com a versão do gene presente em humanos modernos, para que fosse possível comparar o desenvolvimento dos dois tipos de organoides.

Emergiram, então, vários tipos de diferenças entre os pequenos órgãos artificiais. Para começar, os que carregavam o gene arcaico tinham diâmetro menor e superfície mais rugosa que os formados por células com DNA "puro" de humanos modernos. Curiosamente, porém, os cérebros reais de neandertais e denisovanos não eram menores que os nossos, até onde se sabe.

Além disso, os organoides com o DNA arcaico carregavam células que se multiplicavam menos e com índices maiores de apoptose (morte celular programada) das células progenitoras neurais, ou seja, aquelas que dão origem aos neurônios considerados maduros. Por outro lado, a atividade eletrofisiológica dos organoides –ou seja, as mensagens transmitidas por impulsos elétricos entre eles– mostrou-se mais complexa nos que tinham a versão arcaica do gene, e não nos que carregavam o DNA totalmente moderno.

Segundo Kihara, uma explicação possível para esse dado paradoxal é o fato de que, pelo quesabemos, espécies humanas mais antigas, a exemplo do que vemos em primatas atuais, desenvolviam seu sistema nervoso de forma mais rápida que a dos seres humanos modernos. Do mesmo modo, os organoides com o gene arcaico formariam redes complexas mais velozmente do que os com genes modernos. No fundo, porém, isso não é exatamente uma vantagem para os arcaicos: é justamente o padrão de desenvolvimento cerebral relativamente lento que dá mais flexibilidade ao comportamento do Homo sapiens.

Trata-se apenas do começo do trabalho, é claro. Uma possibilidade a ser explorada é a simulação computacional dos efeitos das diferenças de conexões entre neurônios sobre a cognição – ou seja, será que a presença do gene arcaico mudaria a forma como os humanos extintos processavam informação? Também será possível, no futuro, explorar os efeitos de outras diferenças genéticas entre as espécies.

Veja também

Ucrânia pede sistemas de defesa para enfrentar novos mísseis russos
Ucrânia

Ucrânia pede sistemas de defesa para enfrentar novos mísseis russos

Hospitais de Gaza em risco por falta de combustível
Gaza

Hospitais de Gaza em risco por falta de combustível

Newsletter