Cientistas investigam casos de diabetes causados pelo coronavírus
Para o médico Rodrigo Moreira, presidente da SBEM, as pistas disponíveis até agora sugerem que há uma relação bidirecional entre diabetes e Covid-19
Além de trazer mais riscos para a saúde para quem tem diabetes, Covid-19 também pode estar estimulando o surgimento dessa doença em pessoas que, antes de serem infectadas pelo vírus, ainda não eram diabéticas.
A hipótese preocupante, levantada por uma equipe internacional de pesquisadores em artigo opinativo na revista especializada The New England Journal of Medicine, seria mais um exemplo das múltiplas ramificações da infecção pelo novo coronavírus no organismo.
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Apesar de ser mais conhecido pelos sintomas respiratórios que causa, o Sars-CoV-2 também tem se mostrado capaz de causar problemas cardiovasculares, renais, neurológicos e imunológicos, por exemplo.
Em parte, isso tem a ver com a "porta" usada pelo vírus para invadir as células humanas. O chamado receptor ECA2, ao qual o parasita se conecta ao entrar em contato com a membrana celular, está presente numa grande variedade de tecidos e órgãos. A lista inclui as células do pâncreas responsáveis pela produção da insulina (molécula que controla os níveis de açúcar no sangue) e o tecido adiposo (de gordura), entre outros locais do organismo que podem influenciar a gênese e a progressão da diabetes.
Segundo o grupo que assina o artigo, encabeçado por Francesco Rubino e Stephanie Amiel, do King's College de Londres, já foram registrados casos de pacientes de Covid-19 que parecem ter desenvolvido diabetes logo depois do diagnóstico de infecção pelo vírus, bem como pessoas que já eram diabéticas e tiveram uma piora muito acentuada dos sintomas ligada à doença viral, como a chamada cetoacidose diabética (que envolve, entre outras coisas, um grande aumento da acidez do sangue). Essas pessoas precisaram receber doses elevadíssimas de insulina.
Para entender até que ponto o fenômeno é comum, e o que exatamente está acontecendo, o grupo, que inclui também cientistas da Universidade Monash, na Austrália, criou o CoviDiab Registry, uma plataforma online para registrar dados sobre pacientes com complicações severas da diabetes (ou o surgimento da doença) ligados ao novo coronavírus.
Para o médico Rodrigo Moreira, presidente da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), as pistas disponíveis até agora sugerem que há uma relação bidirecional entre diabetes e Covid-19. Tanto há aumento risco de sintomas severos por causa da diabetes quanto a possibilidade de que o vírus produza ou agrave o problema metabólico.
Segundo ele, ainda não há registros de diabetes aparentemente causada pela Covid-19 no Brasil, mas outra disfunção endócrina (hormonal) ligada à infecção já foi vista no país: problemas na tireoide.
Ainda resta esclarecer também que forma da diabetes estaria sendo induzida pelo Sars-CoV-2. Há duas versões principais da doença: a diabetes tipo 1, um problema autoimune (nas quais as defesas do organismo se voltam contra ele) que leva à destruição das células produtoras de insulina do pâncreas; e a diabetes tipo 2, que está ligada à má alimentação, como o consumo excessivo de açúcar.
"A diabetes tipo 1, por exemplo, envolve uma predisposição genética e um fator desencadeador, um gatilho, que pode ser uma infecção viral", diz Moreira. Além disso, lembra o médico, alguém que já tem um quadro de diabetes tipo 1 pode sofrer uma grande descompensação durante uma infecção.
Também não está claro se a diabetes aparentemente causada pela Covid-19 tende a desaparecer conforme o doente se livra dos efeitos da infecção sobre o organismo.
Os dados disponíveis até agora reforçam a necessidade de um cuidado especial com essa variável do organismo dos pacientes, segundo Moreira. Isso inclui um rígido controle dos níveis de açúcar no sangue de quem está recebendo tratamento contra a Covid-19.