CIÊNCIA

Cientistas mapeiam como princípio ativo dos "cogumelos mágicos" altera conexões do cérebro

Experimento com ressonância magnética em voluntários que ingeriram psilocibina explica como a droga causa alucinações; estudo ajuda a entender efeitos terapêuticos da substância contra a depressão

Mapeamento por ressonância magnética indica regiões do córtex cerebral afetadas pela psilocibina. Mapeamento por ressonância magnética indica regiões do córtex cerebral afetadas pela psilocibina.  - Foto: Sara Moser / Universidade de Washington

Um grupo de cientistas mapeou o cérebro de sete voluntários que consumiram psilocibina, o princípio ativo dos cogumelos mágicos, e conseguiu identificar aspectos cruciais do mecanismo de ação dessa droga, ajudando a explicar como ela provoca alucinações e por que ela tem se mostrado promissora em tratar depressão.

O trabalho, realizado por cientistas da Universidade Washington de St. Louis, está descrito em estudo na Nature nesta semana. No artigo, os autores relatam como usaram aparelhos de ressonância magnética funcional (que 'filmam' o cérebro em ação) para observar indivíduos antes e durante a administração de uma dose alta de psilocibina (25 mg).

Liderados pelo psiquiatra Joshua Siegel, os cientistas relatam ter conseguido encontrar uma peça importante do quebra-cabeça biológico dos efeitos psicodélicos da substância, que é encontrada em cogumelos do gênero Psilocybe e é usada também como droga recreativa.

 

O efeito da psilocibina na percepção do ambiente ao redor já era bem documentado pela psicologia, e o efeito físico da substância em neurônios, as células do cérebro, também é bem demonstrado em experimentos com cobaias. Entretanto, a maneira com que a psilocibina administrada a humanos afeta as sinapses, as conexões entre neurônios, desafia a ciência.

O estudo que o grupo de Siegel cobriu uma parte importante dessa lacuna mostrando que a droga age perturbando as conexões entre a chamada "rede de modo padrão", um conjunto de áreas do córtex (a superfície do cérebro), que estão distantes entre si, mas atuam em conjunto. Essa malha de neurônios normalmente é associada ao modo "introspectivo" do cérebro, que opera quando estamos divagando, sem executar uma tarefa específica.

A rede de modo padrão, por sua vez, está ligada ao hipocampo, o centro das emoções no cérebro, com o qual ela administra nossa sensação de espaço, tempo e self (a consciência do "eu" no indivíduo). Segundo os autores da pesquisa, o padrão cerebral de perturbação causado pela psilocibina está de acordo com o que se sabe de a droga causar "distorções no espaço-tempo" e "dissolução do ego".

O estudo descreve que o que a psilocibina fez com os voluntários do experimento foi "tirar de sincronia" as áreas cerebrais que, durante a vigília, atuam paralelamente. Para o cérebro como um todo, esse descolamento ocorreu só durante o período em que os voluntários estavam "viajando" com a psilocibina, mas na rede de modo padrão ele durou por dias ou semanas, ainda que de forma mais tênue.

Apesar de as modificações terem sido maiores no período de poucas horas após a ingestão da droga, uma parte das alterações se manteve mesmo depois de três semanas, quando os voluntários passaram por uma nova bateria de imagens de ressonância. Segundo os cientistas, isso explica os efeitos de longo prazo da droga, sejam eles terapêuticos ou não.

Um sinal de que a hipótese dos cientistas encontra correspondência nas observações do experimento é que os voluntários que relataram mais alucinações e alterações de percepção eram os mesmos que tiveram a sincronia mais perturbada conforme apareceu na ressonância magnética.

Segundo os cientistas, um insight interessante do estudo é que um efeito da psilocibina foi o de aumentar temporariamente a "plasticidade" do cérebro, ou seja, sua capacidade de mudar e se readaptar.

"A redução persistente da conexão entre a rede de modo padrão e o hipocampo pode representar uma correlação mecânica de neuroanatomia de uma maior plasticidade e dos efeitos terapêuticos" da plasticidade, afirmam Siegel e seus coautores.

Conexões maleáveis
Em um artigo independente do grupo de St. Louis, o psiquiatra Petros Petridis, da Universidade de Nova York, comentou o resultado publicado na Nature.

"O estudo tem implicações claras, porque sugere que a psilocibina pode tornar conexões cerebrais mais maleáveis, o que pode ser benéfico para pessoas que experimentam padrões mal adaptados de pensamento e comportamento", escreveu o cientista.

O trabalho de Siegel, diz Petridis, está em linha com a ideia de que a psilocibina ajuda o processo de psicoterapia, por tornar os indivíduos mais abertos a repensarem suas vidas por meio da conversa com o terapeuta.

"Por exemplo, é possível que essa maleabilidade possa ser usada para dar a dependentes químicos uma perspectiva nova de sua relação com as drogas, ou talvez ajudar os indivíduos com depressão a escapar de suas ruminações."

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