Clérigos se reúnem no Afeganistão para legitimar o regime Talibã
A imprensa não está autorizada a acompanhar o conselho, mas alguns discursos são transmitidos pela rádio pública
Milhares de religiosos e líderes tribais de todas as regiões do Afeganistão participam a partir desta quinta-feira (30) em Cabul em um grande conselho para legitimar o regime fundamentalista Talibã.
As autoridades revelaram poucos detalhes sobre o encontro, convocado pelos talibãs e reservado apenas aos homens.
O evento é apresentado como "jirga", uma assembleia tradicional de pessoas mais velhas e influentes nas quais as divergências normalmente devem ser solucionadas por consenso.
A imprensa não está autorizada a acompanhar o conselho, mas alguns discursos são transmitidos pela rádio pública, a maioria com pedidos de unidade e apoio ao regime.
"A obediência é o princípio mais importante do sistema", declarou no discurso de abertura Habibullah Haqqani, que preside a reunião organizada no campus da Universidade Politécnica de Cabul.
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"Devemos obedecer a todos os nossos dirigentes, em todos os assuntos, de maneira sincera e verdadeira, e devemos obedecer com bons modos", acrescentou.
A reunião acontece uma semana depois de um terremoto que provocou mais de 1.000 mortes e deixou dezenas de milhares de pessoas desabrigadas no leste do país.
Também coincide com uma reunião no Catar entre funcionários de alto escalão do governo dos Estados Unidos e uma delegação Talibã para criar um mecanismo que libere fundos internacionais e garanta que estes sejam usados para fins humanitários.
Desde o retorno dos fundamentalistas ao poder, em agosto de 2021, o Afeganistão enfrenta uma grave crise econômica e humanitária. A comunidade internacional fechou a torneira da ajuda financeira, que durante duas décadas foi crucial para o país.
Uma fonte talibã disse à AFP que os participantes do conselho seriam autorizados a criticar o regime.
Alguns temas delicados, como a educação das mulheres - objeto de debate inclusive dentro do movimento -, estão na agenda do encontro, que deve durar três dias.
As mulheres não estão autorizadas a participar. O vice-primeiro-ministro Abdul Salam Hanafi afirmou na quarta-feira, ao canal público RTA, que não era necessário porque estariam representadas por seus parentes masculinos.
"As mulheres são nossas mães e nossas irmãs (...) Nós as respeitamos muito e quando seus filhos estão no encontro, isto significa que elas também estão envolvidas", disse.
Direitos restritos para mulheres
Os talibãs afirmam que contam com o apoio de grande parte da população. Mas retornaram a uma interpretação extremamente rigorosa do islã, como da primeira vez que governaram o país (entre 1996 e 2001), ao contrário do que prometeram quando assumiram o poder em agosto.
O movimento excluiu as mulheres dos empregos públicos, restringiu o direito de deslocamento e proibiu que as adolescentes frequentem o Ensino Médio. As mulheres também são obrigadas a usar o véu integral, que cobre o rosto, em público.
As cidades, os grupos religiosos e outras organizações de mais de 400 distritos definiram seus representantes. A assembleia reunirá mais de 3 mil homens, no maior encontro de dirigentes no país desde o retorno ao poder do Talibã.
A imprensa afegã mencionou a possibilidade da presença do líder supremo dos fundamentalistas e do país, Hibatullah Akhundzada, que não foi filmado ou fotografado em público desde que o movimento fundamentalista chegou ao governo.
Apenas mensagens de áudio de Akhundzada, que vive recluso em Kandahar, o centro espiritual do Talibã, foram divulgadas, mas sem a possibilidade de verificação por fontes independentes.