Coalizão Negra denuncia morte de congolês a órgão da ONU contra discriminação racial
Após pressão das organizações, um encontro foi marcado para abordar a situação dos presídios brasileiros e os maus-tratos sofridos por detentos
A Coalizão Negra por Direitos encaminhará nesta quarta-feira uma denúncia ao Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da Organização das Nações Unidas (ONU) pedindo medidas pela morte do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, espancado em um quiosque na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. A articulação nacional, que reúne mais de 250 organizações e coletivos, apontará possíveis crimes de racismo e xenofobia. A informação foi dada antes pela Folha de S Paulo e confirmada pelo Globo.
Cerca de 20 lideranças de movimentos de defesa dos direitos humanos e da Colizão Negra se reuniram nesta terça-feira, em Brasília, com membros do Subcomitê da ONU para a Prevenção da Tortura. Inicialmente, os representantes do subcomitê teriam agendas apenas com o governo. Após pressão das organizações, um encontro foi marcado para abordar a situação dos presídios brasileiros e os maus-tratos sofridos por detentos. Com o recente assassinato de Moïse, o assunto também entrou em pauta.
— Apresentamos esse diagnóstico, e a impressão foi que eles sentiram de fato o cenário dessa política de prevenção e combate à tortura no Brasil. A gente não tem mais a quem recorrer. Se não conseguirem fazer algum tipo de incidência no governo brasileiro, as coisas vão ficar cada vez mais difíceis — disse Fransérgio Goulart, coordenador executivo da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR).
A Coalizão Negra por Direitos também organiza, junto a outros grupos, atos de Justiça por Moïse, previstos para o Rio de Janeiro e São Paulo no próximo sábado.
— As coisas estão imbricadas, há uma conexão. Um país onde a tortura e o assassinato são banais, corriqueiros e admitidos nas ruas em plena luz do dia. Aconteceu com o Moïse essa semana, mas acontece todo dia com jovens negros. O assassinato brutal de pessoas negras é habitual no Brasil. A tortura em praça pública infelizmente é comum no Brasil. Imagina no cárcere — disse Douglas Belchior, um dos coordenadores da Coalizão Negra por Direitos.
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A Comissão de Juristas - Combate ao Racismo no Brasil também soltou uma nota repudiando o assassinato de Moise e pedindo uma investigação séria e rápida sobre o crime. "A sociedade brasileira não pode mais ser conivente de atos de violência que derivam do racismo estrutural, da desigualdade e da injustiça. E o Estado brasileiro deve oferecer respostas e medidas concretas em dignidade e proteção da população negra e pobre".
Os membros da comissão também demandam "uma profunda reflexão e ação sobre as estruturas escravistas, racistas e excludentes deste país, que vitimam e continuarão a vitimar milhares de jovens negros e pobres. Todos os dias, todos os anos. Conclamamos a sociedade brasileira diretamente ou por meio de seus representantes a se somar a um projeto de nação antirracista para que possamos garantir não apenas reparação às vítimas do genocídio da juventude negra deste país como também garantias de não repetição".
Organizações ligadas a refugiados e agências da ONU divulgaram nesta terça-feira uma nota de solidariedade à família de Moise na qual afirmam que receberam a notícia com "enorme consternação".
"O PARES Cáritas RJ, o ACNUR e a OIM estão acompanhando o caso, esperando que o crime seja esclarecido. Neste momento, as organizações apresentam suas sinceras condolências e solidariedade à família de Moïse e à comunidade congolesa residente no Brasil", diz a nota.
Gravações de câmera de segurança do quiosque Tropicália, na altura do posto 8 da Barra da Tijuca, mostram três homens espancando até a morte o congolês na noite do dia 24 de janeiro. Moïse teria ido até o local cobrar uma dívida de R$ 200 referentes a duas diárias de trabalho.
As imagens, obtidas pelo Globo, flagram os agressores dando socos, chutes e até golpes com pedaços de pau no estrangeiro. Mãe de Moïse, a comerciante Lotsove Lolo Lavy Ivone, afirmou que ver o vídeo foi como "uma sensação de morte" e "uma facada no coração".
A Justiça decretou as prisões temporárias dos três suspeitos. Fábio Pirineus da Silva, o Belo, Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove, e Brendon Alexander Luz da Silva, conhecido como Tota, estão detidos desde terça-feira na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC).
O trio de agressores foi identificado pelo proprietário do Tropicalia por meio de apelidos. O proprietário, que não estava no local no momento das agressões, cedeu as imagens de câmeras de segurança para a polícia e não teve participação no crime, de acordo com os investigadores.