Com ataques mais intensos, fronteira Israel-Líbano vê risco de guerra aumentar
Hezbollah e forças israelenses usam armas mais potentes em um conflito até agora de baixa intensidade
Com a guerra em Gaza se aproximando do 50º dia, uma outra frente de batalha pode surgir na fronteira entre Israel e Líbano: desde os ataques do Hamas, no dia 7 de outubro, o Hezbollah, grupo libanês apoiado pelo Irã, vem travando um conflito de baixa intensidade com os israelenses, com disparos de foguetes e artilharia diários. Mas o aumento do número de incidentes mais sérios e declarações inflamadas sugerem que uma guerra total pode estourar a qualquer momento.
Um sinal de alerta veio no fim de semana, quando o Hezbollah usou, pela primeira vez, mísseis antitanque contra uma comunidade israelense na fronteira. Segundo autoridades locais, ao menos 18 pessoas ficaram feridas — nas horas anteriores, 15 foguetes foram disparados em direção a Israel, sendo que quatro foram interceptados e os demais caíram em áreas abertas.
Nesta segunda-feira, ocorreram novos ataques, de acordo com a TV Al-Manar, do Hezbollah: contra o Norte de Israel e contra as Fazendas de Shebaa, uma faixa de terra ocupada por Israel desde os anos 1960. Segundo informações do Hezbollah e do governo de Israel, 90 pessoas morreram do lado libanês, incluindo civis e combatentes, e 10 do lado Israelense desde o dia 7 de outubro.
A intensificação das ações do Hezbollah provocou uma resposta imediata. Drones foram usados para atingir alvos a quase 50 km da fronteira entre os dois países, incluindo na cidade de Tiro, na costa libanesa. Discursos também deixaram no ar a possibilidade de uma invasão por terra.
— O que podemos fazer em Gaza, também podemos fazer em Beirute — declarou o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant na zona fronteiriça com o Líbano, no sábado. — Se [o Hezbollah] cometer esses erros aqui, os primeiros a pagar o preço serão os cidadãos [libaneses].
Desde o início da guerra, o Hezbollah presta apoio incondicional ao Hamas — o nome dado pelos terroristas aos ataques de 7 de outubro, “Inundação Al-Aqsa”, aparece em discursos e artigos do grupo libanês, sem qualquer tentativa de amenizar o massacre.
Apesar das ações mais numerosas, o Hezbollah ainda evita fazer uso mais amplo de seu arsenal neste momento, preferindo ações pontuais e que muitas vezes terminam sem vítimas ou estragos. Segundo o Instituto para Estudos de Segurança Nacional, de Israel, a organização tem um arsenal de 200 mil mísseis, foguetes e morteiros, além de 100 mil combatentes.
O líder do grupo, Hassan Nasrallah, não falou em um enfrentamento direto contra os israelenses em seus dois discursos feitos desde o início da guerra em Gaza. No último deles, no sábado, fez as ameaças de hábito, assim como as críticas a Israel e aos Estados Unidos, mas sem sinalizar mudanças na estratégia militar.
— Nos últimos dias, testemunhamos uma série de ameaças de [Benjamin] Netanyahu, Gallant e [Benny] Gantz [ex-premier]. Vamos continuar em nosso caminho. Todos os dias realizamos nossas ações. Nossa frente seguirá como uma frente de pressão — disse Nasrallah. — Após meu discurso na sexta-feira passada [3 de novembro], as operações militares diárias continuaram, apesar de todas as medidas preventivas tomadas pelo inimigo. A Resistência [Islâmica, nome por vezes usado pelo Hezbollah] persiste, apesar dos drones do inimigo.
Temores do passado
O início de uma nova guerra na fronteira entre Israel e Líbano é um cenário que, hoje, praticamente nenhum dos envolvidos direta ou indiretamente no conflito em Gaza quer considerar. As memórias da guerra de 2006, que durou pouco mais de um mês, ainda são sentidas pelos dois lados, especialmente no Líbano, onde parte da infraestrutura básica destruída no conflito ainda não foi recuperada. Ao todo, 1,3 mil libaneses e 165 israelenses morreram.
Hoje, o país se encontra em meio a uma das piores crises das últimas décadas, com uma economia em frangalhos, uma indefinição política sem fim e uma população cada vez mais empobrecida. Uma nova guerra seria um cenário catastrófico, especialmente em termos humanos.
— Os libaneses já estão fartos de guerras — disse, no começo do mês, o premier interino, Najib Mikati, à AFP. — O caos pode atingir todo o Oriente Médio.
Mas a guerra não depende apenas do Hezbollah, do Líbano ou de Israel. O maior apoiador do grupo libanês, o Irã, deixou claro que não quer um enfrentamento com os israelenses, ao menos neste momento. No fim de semana, o presidente Ebrahim Raisi participou de uma reunião de países muçulmanos na Arábia Saudita, e defendeu que Israel seja processado “por crimes de guerra”.
— A experiência nos mostra que não há outra solução que não a resistência para expulsar os invasores — disse Raisi, usando um keffiyeh palestino.
A decisão iraniana de evitar uma guerra mais ampla também tem relação com o papel dos Estados Unidos no conflito em Gaza. A Casa Branca enviou navios e submarinos para a região, e mandou recados ao Irã para que não se envolva (ainda mais) no que acontece em Gaza, e tampouco tente aproveitar o momento para atacar Israel.
Ao mesmo tempo, Washington quer moderar o discurso das autoridades israelenses. De acordo com o site israelense Walla, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, conversou com Yoav Gallant no sábado, e pediu que evite ações que possam levar a um conflito com o Hezbollah. Gallant, por sua vez, disse “não acreditar” na abertura de uma nova frente no Líbano, mas pontuou que tudo depende do que acontecer daqui para frente.
— O Hezbollah está brincando com fogo — afirmou Gallant, segundo o site Walla.