Logo Folha de Pernambuco

Estados Unidos

Com 'Bidenomics', democratas apostam em melhora da economia para derrotar Trump em 2024

Sinais mistos da inflação e dos juros, contudo, ameaçam sucesso do plano da Casa Branca; mesmo com desemprego em baixa histórica, insatisfação com conduta do governo é alta

Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em seu primeiro discurso após anunciar candidatura à Presidência dos EUA Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em seu primeiro discurso após anunciar candidatura à Presidência dos EUA  - Foto: Jim Watson/AFP

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, vai lançar nesta quarta-feira seu esforço mais ambicioso para tentar provar aos eleitores americanos que a economia americana está pulsante sob suas rédeas, um argumento-chave para seus planos de ser reeleito por mais quatro anos em 2024. A disputa deve ser acirrada e um repeteco do último pleito presidencial, pondo o democrata cara a cara com seu antecessor, Donald Trump, envolto em problemas com a Justiça.

A agenda econômica democrata, com suas política de incentivo à indústria e investimentos maciços em infraestrutura, foi batizada de Bidenomics — uma brincadeira com o nome do presidente e a palavra "economics", economia em inglês. A Casa Branca adotou publicamente o termo pela primeira vez nesta semana, para promover o aguardado discurso do presidente no Antigo Prédio dos Correios no centro de Chicago.

O pronunciamento não deve ter propostas novas, mas é indício de que o tema será um dos pilares da incipiente campanha de reeleição. Seu foco deverá ser a recuperação econômica, especialmente do mercado de trabalho, ressaltando como suas iniciativas causarão uma transformação profunda e longa nos EUA, culminando no que especialistas dizem ser o esforço mais ambicioso em anos para reoxigenar a economia do país.

Primeiro veio o pacote de R$ 1,9 trilhão aprovado pelos democratas em março de 2021, dois meses após a posse, para impulsionar a economia. Depois, um programa de obras de infraestrutura — pontes, rodovias e redes de internet, por exemplo — estimado em US$ 550 bilhões.

A Lei de Redução da Inflação é uma iniciativa de US$ 430 bilhões para acelerar não só a transição energética, mas também a indústria americana e reduzir os gastos com saúde. No ano passado, aprovou também US$ 280 bilhões para serem investidos ao longo de uma década na indústria de alta tecnologia americana, em uma tentativa de fazer frente à ascensão chinesa.

Biden deve pôr frente a frente a filosofia de um Estado pequeno que o Partido Republicano há décadas promove, argumentando que sua abordagem mais intervencionista já gera benefícios, em particular para os americanos mais pobres.

Mais de 13 milhões de postos de trabalho foram criados desde que Biden chegou à Casa Branca em janeiro de 2021, e mais cedo neste ano a taxa de desemprego caiu para 3,4%, equiparando-se ao menor nível desde os anos 1950 — para os americanos negros, a taxa foi a menor da História. Hoje, cerca de oito em cada dez americanos de 25 a 54 anos está empregado, a maior taxa de todos os tempos.

A crença dos seus assessores é que o tema pode lhe render crédito político em uma corrida eleitoral que promete ser disputada. As primárias republicanas já reúnem 12 pré-candidatos, mas o favorito com folga é o ex-presidente Donald Trump, que é investigado por sua cruzada antidemocrática para reverter a derrota nas urnas em 2020 e por incitar seus aliados a invadirem o Capitólio durante a sessão conjunta que confirmaria a vitória de Biden, a duas semanas da posse.

O fato de Trump ter se transformado no primeiro antigo ocupante da Casa Branca a virar réu criminal em abril, no caso Stormy Daniels, parece não ter enfraquecido seu favoritismo entre os republicanos. Neste mês, compareceu ao banco dos réus mais uma vez para se declarar inocente das 37 acusações de que pôs em risco segredos de Estado e obstruiu a Justiça de recuperar documentos sigilosos — acusações que também não abalaram seus números: ele é o candidato de 52,1% dos republicanos, contra 21,5% de Ron DeSantis, governador da Flórida.

O cenário da eleição parece estar bem mais indefinido, contudo, faltando mais de um ano para o pleito de novembro de 2024. De acordo com o agregador de pesquisas RealClearPolitics, Trump está a frente de Biden com 44,1% das intenções de voto, contra 43,5% de Biden, mas a contagem engloba também pesquisas de menor tiragem e critérios menos críveis.

Levantamentos nacionais recém-divulgados pelos tradicionais NBC News, Emerson College e Quinnipiac, contudo, mostram Biden na frente por 49% a 45%, 44% a 43% e 48% a 44% contra Trump. A eleição americana, contudo, é indireta: cada estado na prática elege os delegados que o representarão no Colégio Eleitoral, número que varia de acordo com o tamanho da população. Há até agora poucas pesquisas que já projetam o cenário das eleições gerais nos estados-pêndulo, historicamente decisivos para determinar os rumos do país.

Estratégia em xeque
A aposta na melhoria econômica como plataforma de campanha, contudo, é uma aposta arriscada — e com impacto além do esperado em situações prévias —, já que a maior parte da população não está contente com os rumos da economia.

Uma pesquisa realizada pela Universidade Harvard e pelo instituto Harris põe a aprovação econômica do presidente em 39%. Levantamentos similares da CBS/YouGov e da Reuters/Ipsos calculam as estatísticas em 41% e 35%, respectivamente. A situação pode piorar ainda mais houver uma recessão antes da eleição, algo não descartado por alguns especialistas.

A inflação aumentou nos últimos dois anos, disparando particularmente após a invasão russa na Ucrânia e suas consequências para o preço dos combustíveis. Em junho de 2022, a variação anual chegou a 9,1%, impactando significativamente o custo de vida no país — e, em particular, o preço nas bombas de gasolina e diesel.

No mês passado, a taxa já havia caído para 4%, mas era mais que o dobro dos 1,4% de quando o democrata chegou ao poder em janeiro de 2021. Os preços mais altos para uma série de produtos, das compras de sacolão às roupas e quartos de hotéis, pesam no bolso de uma população cujos salários apenas agora estão se equiparando aos custos em alta.

As políticas econômicas de Biden contribuem para este cenário. O pacote de US$ 1,9 trilhão, por exemplo, ajudou a estimular a recuperação do mercado de trabalho pós-pandemia, mas também é uma das causas do aumento inflacionário.

— A Bidenomics tem importantes objetivos de longo prazo. No curto prazo, contudo, impulsionar os gastos em uma economia que já opera perto do limite contribuiu para a inflação, e lidar com essa inflação aumentou o risco de recessão — disse a economista-chefe da Bloomberg, Anna Wong.

Ela referia-se às medidas do Fed, o Banco Central americano, que pisou no freio para controlar a inflação. A organização manteve a taxa de juros intocável no último mês, na faixa de 5% a 5,25% ao mês, após elevá-la nas últimas dez reuniões consecutivas. O índice deve aumentar novamente no próximo encontro, no fim de julho.

Apesar das taxas recorde de emprego, o aumento da taxa de juros foi fator importante das ondas de demissões nos setores financeiro e de tecnologia. No mês passado, o aumento da taxa de desemprego foi o maior desde 2020.

Os estímulos pandêmicos que aumentaram a renda familiar e estimularam o consumo também parecem ter perdido seu impulso. A renda média de uma residência entre os 40% mais pobres americanos hoje tem ativos líquidos que valem US$ 1.200 a menos do que antes da pandemia, segundo uma análise da Bloomberg Economics.

Boas notícias
Os sinais são contraditórios, mas os resultados do mês passado foram melhores do que o esperado, uma boa notícia para a Casa Branca. Biden disse a doadores de campanha na terça acreditar que o país escapará de uma recessão neste ano e no ano que vem, e seus conselheiros creem que as especulações sobre a contração são exageradas.

— Há essas previsões repetidas, e ainda assim o que vemos nos números em si é muita resiliência — disse em uma entrevista coletiva na terça Lael Brainard, que deixou o Fed neste ano para liderar o Conselho Econômico Nacional de Biden.

Para o ano que vem, a perspectiva é de a inflação continue a cair, aproximando-se da meta de 2%, e que isso ocasione a redução dos juros. A aposta democrata é que será o cenário perfeito para apostar na economia como força-motriz de uma campanha complexa, argumento fortalecido pelo fato de o país ter atravessado com poucos arranhões a crise bancária que afetou o país no início do ano, com o colapso do Silicon Valley Bank e o resgate do Credit Suisse pelo UBS.

Outro argumento apontado pelos aliados do presidente é que o cenário não difere tanto do de outras nações, graças aos impactos da pandemia e da guerra na Ucrânia. Mesmo assim, o desempenho americano é superior ao de outras nações desenvolvidas em várias métricas, incluindo emprego e inflação.

Veja também

G20: Segurança terá 17,5 mil agentes do RJ e 8 mil das Forças Armadas
EVENTO

G20: Segurança terá 17,5 mil agentes do RJ e 8 mil das Forças Armadas

O que se sabe sobre a tentativa de ataque ao STF
Ataque ao STF

O que se sabe sobre a tentativa de ataque ao STF

Newsletter