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Justiça

Com caso de genocídio contra Israel, África do Sul desafia ordem global liderada pelo Ocidente

Corte Internacional de Justiça determinou nesta sexta-feira que o Estado judeul tome medidas para evitar "atos de genocídio" contra palestinos em Gaza

Palestinos assistem à transmissão ao vivo da audiência na CIJ sobre caso movido pela África do Sul contra Israel em Ramallah, na Cisjordânia ocupada Palestinos assistem à transmissão ao vivo da audiência na CIJ sobre caso movido pela África do Sul contra Israel em Ramallah, na Cisjordânia ocupada  - Foto: Zain Jaafar/AFP

“Palestina livre! Livre!”, entoaram membros do partido governista da África do Sul, o Congresso Nacional Africano (CNA), nesta sexta-feira, após a Corte Internacional de Justiça (CIJ) determinar que Israel tome as medidas em seu poder para evitar violações da Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio na Faixa de Gaza. A decisão não configura um reconhecimento de que o Estado judeu cometeu crime de genocídio, mas diz respeito à admissibilidade do processo e às medidas cautelares solicitadas por Pretória, que foram elogiadas por ativistas pró-palestinos em todo o mundo.

“O dia de hoje marca uma vitória decisiva para o Estado de direito internacional e um marco significativo na busca por justiça para o povo palestino”, afirmou a CNA em nota nesta sexta-feira. “Em uma decisão histórica, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) determinou que as ações de Israel em Gaza são plausivelmente genocidas e indicou medidas provisórias com base nisso. Para a implementação do Estado de direito internacional, a decisão é importante. A África do Sul agradece ao Tribunal por sua rápida decisão.”

Para David Monyae, diretor do Centro de Estudos África-China da Universidade de Johanesburgo, ao apresentar um caso de genocídio contra Israel, a África do Sul não está apenas colocando o governo israelensel em julgamento, mas também desafiando a ordem global pós-Segunda Guerra Mundial liderada pelo principal aliado do Estado judeu, os EUA. O caso mostrou que uma nação africana, menor do que as superpotências mundiais, poderia se mobilizar para expor o que alguns consideram ser o padrão duplo dos países ocidentais quando se trata de direitos humanos, disse ele em entrevista ao New York Times.

— Apenas uma voz com moral para dizer ao mundo: “Eis o que deveríamos estar fazendo” — avaliou Monyae. — Daqui para frente, isso enfraquecerá a mão do mundo ocidental para promover os direitos humanos.

Mesmo em casa, onde a satisfação com o governo é baixa, muitos sul-africanos aplaudiram seus líderes por se posicionarem. Foram organizadas reuniões para assistir à audiência de apresentação do caso no tribunal e manifestantes agitaram bandeiras palestinas nas ruas.

Os líderes do CNA — que liderou a luta da África do Sul contra o regime do apartheid — compararam a vida sob bloqueio em Gaza ao apartheid e dizem que estão em uma posição única para entender a experiência palestina.

— Devo dizer que nunca me senti tão orgulhoso como me senti hoje quando nossa equipe jurídica estava defendendo nosso caso em Haia — disse o presidente Cyril Ramaphosa em um evento político após a audiência há duas semanas.

A acusação de genocídio contra Israel foi apresentada pela África do Sul ao tribunal internacional no dia 11 deste mês. Pretória acusa o Estado judeu de violações à Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio durante a operação militar em Gaza, responsável pela morte de 25 mil palestinos até o momento. Israel já classificou o caso publicamente como difamação, e líderes políticos, como o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, colocaram em dúvida o cumprimento de uma eventual decisão desfavorável.

A ação da África do Sul recebeu apoio internacional, incluindo do governo brasileiro. Após uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, às vésperas do início do processo, o Itamaraty divulgou uma nota manifestando apoio, "à luz das flagrantes violações ao direito internacional humanitário" e pedindo um cessar-fogo imediato.

Mas os esforços da África do Sul para se opor ao Ocidente às vezes enfrentam críticas intensas — dentro e fora do país. Alguns sul-africanos viram o caso apresentado contra Israel como um exemplo de hipocrisia do partido governista, que, segundo eles, não havia denunciado as atrocidades cometidas por outras nações — as autoridades nacionais se recusaram a condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia, por exemplo.

Alguns membros da pequena, mas franca, comunidade de judeus sul-africanos, um grupo que desempenhou um papel fundamental na luta contra o apartheid, também criticaram seu governo por causa do caso de genocídio.

Dando voz a essas críticas, Zev Krengel, presidente do Conselho de Deputados Judeus da África do Sul, chamou o caso de "uma traição maciça".

Krengel acusou o governo sul-africano de hipocrisia, dizendo que não havia aberto processos contra outros países que haviam cometido atrocidades. Quando o então presidente do Sudão, Omar al-Bashir, foi à África do Sul para uma cúpula em 2015, as autoridades sul-africanas se recusaram a prendê-lo, embora ele fosse procurado por acusações de genocídio e crimes de guerra pelo Tribunal Penal Internacional.

— Nunca vimos o governo do ANC tão empolgado a ponto de tentar provar que o Estado judeu está praticando genocídio — disse Krengel.

A acusação contra Israel também pode gerar uma reação negativa em nível mundial, já que as autoridades americanas apoiaram os israelenses, considerando o caso sem mérito.

O Ministro das Relações Exteriores da África do Sul, Naledi Pandor, precisou se explicar depois de conversar por telefone com o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, após o ataque do grupo palestino a Israel em 7 de outubro, quando 1,2 mil pessoas morreram no sul do território israelense e outras 240 foram sequestradas. Segundo Pandor, as discussões estavam centradas no fornecimento de ajuda humanitária a Gaza.

Para Ronald Lamola, ministro da Justiça da África do Sul, o caso levado à corte internacional não é um ataque aos judeus, mas se trata de salvar vidas palestinas com urgência.

— Não podemos chegar daqui a dois ou três anos, quando toda a população tiver sido aniquilada, e dizer: “Nós nos arrependemos, deveríamos ter impedido isso” — comentou Lamola em uma entrevista. 

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