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INTERNACIONAL

Com incertezas nos EUA, Austrália debate necessidade de 'Plano B' para defesa

Aliado militar de Washington, país é fundamental para estratégia de contenção da China no Indo-Pacífico, mas recentes medidas de Trump abalaram confiança australiana

Bandeira da AustráliaBandeira da Austrália - Foto: Hugo Heimendinger/Pexels

Com Donald Trump de volta à Casa Branca, a Austrália — um dos principais aliados militares dos EUA — começa a debater se precisa de um “Plano B” em sua estratégia de defesa. A relação entre os dois países foi aprofundada nos últimos anos por meio de uma série de acordos para conter a expansão da China na região do Pacífico. Agora, a postura imprevisível do presidente americano com aliados históricos põe em xeque a parceria no momento em que o mundo lança dúvidas sobre a confiabilidade de Washington.

A Austrália é um dos aliados mais próximos dos Estados Unidos: os dois países lutaram lado a lado em todos os grandes conflitos desde a Primeira Guerra Mundial. Jake Sullivan, ex-assessor de segurança nacional do presidente Joe Biden, declarou em janeiro que os dois países haviam efetivamente entrado em um “casamento estratégico”.

Ultimamente, no entanto, os australianos têm se sentido como um cônjuge que acorda e encontra um estranho ao lado na cama. Muitos acompanham, estarrecidos, a forma como o presidente americano, Donald Trump, tem tratado aliados tradicionais como Canadá e Europa, ameaçando suas economias com tarifas pesadas e questionando o compromisso dos EUA com a proteção dos membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Nesta semana, a Austrália foi alvo de uma tarifa de 10% sobre suas exportações aos Estados Unidos, além de taxas de 25% sobre aço e alumínio. O primeiro-ministro Anthony Albanese declarou na quinta-feira que essas medidas “terão consequências sobre como os australianos enxergam essa relação”.

Tudo isso leva os australianos a reavaliar a estreita e dependente relação militar com os Estados Unidos — especialmente enquanto a China projeta seu crescente poder militar na região — e a se perguntar se precisam de um “Plano B”.

— Estamos lidando com uma América muito diferente — disse Malcolm Turnbull, ex-primeiro-ministro conservador da Austrália, em entrevista ao New York Times. — Estamos lidando com uma América cujos valores já não se alinham aos nossos.

Posição estratégica
Como uma nação de 27 milhões de habitantes espalhada por uma extensão territorial comparável à dos Estados Unidos, a Austrália sempre contou com um parceiro poderoso para sua defesa — primeiro o Reino Unido, depois os EUA.

Nos últimos anos, o país se tornou parte central da presença militar americana na região, como resposta ao avanço da China. Fuzileiros navais dos EUA fazem rotações regulares no norte australiano, submarinos americanos atracam no oeste, e em 2021 foi firmado o acordo AUKUS (abreviação de Austrália, Reino Unido e Estados Unidos em inglês), que prevê a entrega de submarinos com propulsão nuclear à Austrália nas próximas décadas.

Agora, alguns se perguntam se as premissas por trás desses acordos ainda se sustentam, diante da política "América primeiro" de Trump. A Austrália pode confiar que os EUA virão em seu auxílio em momentos críticos? E poderá continuar ao lado dos americanos militarmente mesmo se discordar de sua visão de mundo?

"Precisamos realmente revisar nosso modo de pensar sobre os Estados Unidos como país", afirmou John McCarthy, ex-embaixador da Austrália em Washington, ao New York Times.

Foco em defesa
Turnbull, cujo mandato coincidiu com parte do primeiro governo Trump, organizou nesta semana um fórum na capital, Canberra, para discutir a aliança com os EUA. Ele afirmou que tomou a iniciativa porque acredita que os partidos políticos do país não estão dando atenção suficiente às mudanças e aos desafios dessa parceria, focando mais em assuntos domésticos antes das eleições federais, no próximo mês.

Políticos de diferentes espectros defendem que a Austrália deve assumir mais responsabilidade por sua própria defesa. O governo trabalhista de Albanese anunciou planos para elevar os gastos militares a 2,3% do PIB ao longo da próxima década. Já o líder da oposição, Peter Dutton, prometeu investir cerca de US$ 1,9 bilhão em uma nova esquadrilha de caças.

O ponto central da estratégia de segurança australiana de longo prazo é o acordo AUKUS, tratado como uma parceria inédita de compartilhamento de tecnologia nuclear americana sensível.

Pelo acordo, a Austrália receberá primeiro submarinos americanos da classe Virginia usados e, posteriormente, construirá seus próprios modelos, como resposta ao avanço militar da China no Indo-Pacífico. A propulsão nuclear permitirá que os submarinos operem por longas distâncias sem precisar emergir.


Desde a assinatura, porém, surgiram dúvidas na Austrália sobre a capacidade dos EUA de acelerar sua produção naval a tempo de entregar os submarinos, e sobre se o pacto acabaria envolvendo o país automaticamente em conflitos americanos — como uma possível guerra por Taiwan.

A instabilidade do governo Trump e sua postura em relação a aliados reforçaram esse ceticismo.

"Donald Trump está nos fazendo um favor ao escancarar coisas que estávamos determinados a não enxergar", disse Hugh White, professor emérito de estudos estratégicos da Universidade Nacional Australiana e ex-oficial de inteligência e defesa, em entrevista ao New York Times.

Crítico do acordo AUKUS, White é um dos principais céticos da parceria.

Apesar do desejo crescente de maior autonomia, políticos australianos ainda não comunicaram claramente à população os recursos que precisariam ser realocados para que o país sustentasse uma defesa independente, afirmou Charles Edel, presidente da área australiana no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington. No fim, a Austrália pode depender demais da aliança com os EUA para abrir mão dela, disse Edel após o fórum.

Dennis Richardson, ex-secretário de relações exteriores e defesa e também ex-embaixador da Austrália em Washington, compartilha dessa visão:

"Não acho que devemos perder tempo com um Plano B", afirmou ele no fórum de Turnbull, segundo o New York Times. "A pior coisa que poderíamos fazer agora seria trocar de cavalo no meio da travessia".

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