Com piora de quadro, China vacina quase 15 milhões por dia
Na última semana, o país chegou ao recorde de 17,2 milhões de doses aplicadas na última quinta-feira (20)
Habituada a apresentar ao mundo número superlativos qualquer que seja a área, a China mais uma vez provocou espanto nos últimos dias com a quantidade de vacinas contra a Covid-19 aplicadas em sua população.
Mais até do que o volume, o que tem impressionado é a aceleração frenética da imunização no gigante asiático.
Na semana passada, de domingo (16) até o último sábado (22), a média diária de doses aplicadas chegou aos 14,9 milhões, segundo dados compilados pelo projeto Our World in Data, da Universidade de Oxford (Reino Unido). No mês de maio, a média está em 10,5 milhões de doses.
É mais do que o dobro do ritmo diário de abril e quase cinco vezes o de março. Dos 497 milhões de vacinas administradas desde o início do esforço de imunização contra o coronavírus, em 15 de dezembro do ano passado, 46% ocorreram apenas neste mês.
Na última semana, o país chegou ao recorde de 17,2 milhões de doses aplicadas na última quinta-feira (20). Isso corresponde, num único dia, a 30% de todas as doses de vacina administradas no Brasil desde 17 de janeiro, quando a primeira pessoa recebeu imunização no país.
Em breve, afirmam autoridades chinesas, o país deve romper a marca dos 20 milhões de vacinados por dia.
Com a pandemia de Covid-19 em patamares relativamente baixos em comparação com o resto do mundo, a China vinha adotando até agora uma atitude de certa complacência com relação à vacinação, embora seja um dos principais centros mundiais de fabricação dos imunizantes.
O país registra 3,2 mortos por milhão de habitantes, contra mais de 2.000 por milhão no Brasil, por exemplo.
Assim, a China vinha priorizando a chamada "diplomacia da vacina", destinando grande parte de sua produção à exportação, para cerca de 100 países, entre eles o Brasil. Além de dividendos econômicos, essa estratégia valoriza a imagem internacional chinesa, dentro da política de "poder suave".
Até 19 de maio, haviam sido vendidos a mercados externos 300 milhões de doses, seja em vacinas prontas ou matéria-prima, conhecida pela sigla IFA (Insumo Farmacêutico Ativo). Isso equivale a quase 40% de toda a produção.
O cenário agora mudou, no entanto, e pode ter reflexos no Brasil. A nova corrida chinesa para vacinar sua população coincide com a disseminação de novas variantes da doença, sobretudo a que tem origem na Índia, país que hoje é, ao lado do Brasil, o epicentro da pandemia de Covid.
Além disso, houve aumento expressivo das taxas de contágios no sul e sudeste asiáticos, regiões com laços estreitos de comércio com os chineses e intenso fluxo de pessoas.
No Vietnã, por exemplo, o número de casos de Covid-19 subiu 75% em maio. O crescimento chegou a 84% no Camboja e 93,5% na Tailândia.
Taiwan, ilha considerada por Pequim uma província rebelde, também tem visto uma subida meteórica de casos, com elevação de 178% no mês de maio, embora partindo de uma base pequena.
Já na China continental, o cenário por ora é de estabilidade no número de casos, mas o contexto regional levou a uma mudança de atitude.
A meta é vacinar completamente com duas doses 1 bilhão de pessoas até o final do ano. A população total do país é de 1,4 bilhão, mas muitos são jovens, vivem em zonas afastadas ou mesmo se recusam a receber o imunizante.
De acordo com um representante do governo chinês, há neste momento a necessidade de um maior "equilíbrio" entre a nova demanda interna e os compromissos com exportações de vacinas.
O cenário é o de que cronogramas previamente acertados com o Brasil e com outros países podem sofrer atraso, que por enquanto seria de alguns dias. A prioridade é evitar uma demora excessiva.
Na última quinta (20), um grupo de governadores reuniu-se virtualmente com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, para pedir a liberação de novos lotes de IFA.
Na conversa, o diplomata explicou o cenário de demanda superaquecida em seu país, mas se comprometeu a priorizar o envio da carga ao Brasil.
Estava prevista a chegada de novos lotes de insumos para a Coronavac, do Butantan, e a AstraZeneca, da Fiocruz, suficientes para produzir 16,6 milhões de doses de vacina.
Uma carga de IFA chegou da China no sábado (22), e o Ministério da Saúde anunciou nas redes sociais o recebimento de "insumos do exterior", omitindo a sua origem. Em seu perfil, o embaixador chinês ironizou: "Confúcio disse, feito para amigos, fiel à sua palavra."
Depois disso, o ministro Marcelo Queiroga e o Itamaraty publicaram agradecimentos a Pequim.
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A troca de comando na chancelaria brasileira também tem feito diferença. O novo titular, Carlos França, tem uma atitude mais amistosa com a China, ao contrário do tom de confronto de seu antecessor, Ernesto Araújo.
Apesar dos números grandiosos, a China ainda é uma relativa retardatária no ranking global de vacinação, em razão de sua imensa população.
Receberam ao menos uma dose 34,5% dos habitantes, contra mais de 80% nos Estados Unidos, por exemplo. Assim, levará algum tempo para a demanda interna arrefecer.
Mesmo a perspectiva de esfriamento do apetite chinês pelas doses é duvidosa. A partir de dezembro, a imunização recomeça praticamente do zero, uma vez que a orientação é de que as pessoas tomem vacinas todos os anos, ao menos no médio prazo.
Para dar conta de tantas obrigações, a China investe em novas vacinas e no aumento da capacidade de produção dos imunizantes já aprovados.
Os fármacos mais disseminados são as dos laboratórios Sinovac (em uso no Brasil) e Sinopharm, mas existem outras três em estágio avançado.