Combate à pobreza menstrual ganha as ruas
Varejista Americanas se junta ao UNICEF, da ONU, para distribuir absorventes higiênicos, colocar água e banheiro em escolas e combater evasão escolar
A menstruação nunca foi novidade. O que mudou muito recentemente foi a forma de tratar o assunto. E em duas direções: a primeira, derrubar os estigmas que, curiosamente, sempre acompanharam uma questão fisiológica, e a segunda, cuidar para que corpos que menstruam tenham, no mínimo, acesso a absorventes.
O problema é global. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que uma em cada dez meninas perdem aulas quando estão no período menstrual por falta de absorventes higiênicos. No Reino Unido, 40% das meninas já tiveram que improvisar a contenção do fluxo menstrual com papel higiênico porque não podiam comprar absorventes. No Brasil, as soluções são ainda piores, como o uso de miolo de pão, papel jornal e até sacolas plásticas.
A própria ONU estima que o contingente de pessoas vivendo em situação de pobreza menstrual seja de 500 milhões de pessoas – uma em cada quatro no Brasil, e uma em cada 5, nos Estados Unidos. Por aqui, absorventes higiênicos têm carga tributária maior, de 34,48%, do que alguns tipos de computadores, 24,30%.
“Não falta apenas absorventes, mais de 320 mil alunas estão em escolas sem banheiros e mais de 1 milhão não têm papel higiênico nas escolas”, afirma Rayane França, oficial da área de Desenvolvimento e Participação de Adolescentes do UNICEF no Brasil, citando dados de estudo divulgados pela entidade em 2021.
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Na semana passada, o UNICEF ganhou um novo parceiro no combate à pobreza menstrual no Brasil. Em parceria com a varejista Americanas S.A. vai instalar estações de lavagem de mãos em escolas do Amazonas e do Maranhão. Também vão trabalhar no esclarecimento e formação de adolescentes e líderes comunitários sobre o tema e distribuir kits de higiene a adolescentes e escolas.
Pelas contas de Bruna Saboia, gerente de sustentabilidade da Americanas, cerca de sete mil crianças e adolescentes, além de educadores, serão impactados pela iniciativa, centralizada no interior dos estados do Norte e Nordeste do Brasil. A parceria também prevê o fortalecimento de estratégias de Busca Ativa Escolar do UNICEF na região Norte do Brasil. Bruna Saboia lembra que a parceria com o UNICEF e a empresa já vem desde 2015 e é orientada especialmente pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) quatro, para a promoção de educação de qualidade; a ODS 5, de igualdade de gênero e a 10, para a redução das desigualdades.
Há 11 anos trabalhando na Americanas e há dez respondendo pela área de sustentabilidade, Bruna diz que, trabalhar com parceiros estratégicos e em projetos de longo prazo é um dos pilares da companhia.
“Começamos cedo, estamos há muito tempo nessa jornada, até por pressão dos investidores”, afirma a executiva que calcula em pelo menos 70 mil jovens impactados pelas políticas de responsabilidade social da companhia.
“Todas as pautas que impactam o universo feminino ganharam destaque recentemente. E isso é um reflexo de uma geração muito mais crítica, que questiona e cobra mais e que está contribuindo para fazer a diferença”, afirma Bruna Sabóia.
Exemplo desse novo perfil, é a fundadora da organização não governamental Projeto Luna, Victória Dezembro, de 24 anos. Depois de passar quatro anos estudando negócios da moda em Florença, na Itália, Victória colocou dinheiro do próprio bolso para montar kits de combate à pobreza menstrual. Desde que fundou a ONG, em 2020, já distribuiu 932 kits, totalizando 27,9 mil unidades de absorventes.
O Projeto Luna conta com parceiros eventuais. Empresas como Ambev, Center Norte e Siemens, entre outras, já apoiaram a causa.
“Há uma perda enorme de geração de riqueza no mundo quando meninas não conseguem estudar ou mulheres não podem trabalhar. No limite, são médicas, engenheiras e professoras com as quais a sociedade deixa de contar”, diz Victória citando um estudo do Banco Mundial que indica que a cada 1% na proporção de mulheres com ensino médio, a renda per capita anual de um país aumenta 0,3%.
Fechar a lacuna de desemprego entre meninas e meninos adolescentes resultaria em um aumento de até 1,2% no PIB em um ano. “Ninguém deveria ficar para trás só porque menstrua”, conclui.
De acordo com Rayane França, que no UNICEF responde por nove estados da região Norte do Brasil, o programa em parceria com a Americanas deve começar em dois meses – tempo necessário tanto para a articulação com estados e municípios, quanto para o engajamento das lideranças locais.
“A maioria da população é de ribeirinhos, indígenas e quilombolas. Quando vamos às escolas, dizer o que é dignidade menstrual, não são poucas que dizem que não sabiam que ir para a escola é um direito e que não sabiam que não ter absorvente higiênico fosse um problema comum”, afirma Rayane.