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Como a Finlândia ensina jovens estudantes a combater desinformação

Em entrevista ao Globo, Leo Pekkala, diretor da autoridade responsável pelo programa de educação midiática, diz que o programa contribui para que os cidadãos compreendam a democracia e seu papel na sociedade

Leo Pekkala Leo Pekkala  - Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

Vários motivos explicam por que as escolas da Finlândia são consideradas exemplares. O país está entre os dez primeiros no ranking de conhecimentos básicos em ciências, matemática e leitura, segundo o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Os estudantes aprendem quatro idiomas na escola, sendo o inglês e o finlandês obrigatórios. Também são ensinados a utilizar o transporte público e aprendem a calcular compras no mercado e a organizar o orçamento doméstico em uma disciplina chamada home economics.

Além disso, a Finlândia é pioneira no combate à desinformação. O país adota uma abordagem interdisciplinar, ensinando desde a manipulação de algoritmos até a como funciona o trabalho dos jornalistas, mostrando que existem diversas fontes de informação. O GLOBO conversou com Leo Pekkala, diretor do Departamento de Educação Midiática e Mídia Audiovisual, a autoridade finlandesa sobre o tema. Embora não seja possível apresentar os resultados do programa em números, ele considera que os impactos na sociedade são evidentes.

 

— É quase impossível de medir, porque se trata de como você cresce para se tornar um membro da sociedade e como entende a democracia. É realmente uma perspectiva holística no desenvolvimento do indivíduo como membro de uma sociedade.

Leia entrevista completa ao Globo.

Quando o programa de alfabetização midiática foi introduzido nas escolas da Finlândia? Qual é o seu objetivo?
O nosso programa foi introduzido em 2014, mas essa abordagem existe desde 1970, quando começamos com a educação sobre comunicação de massa. No currículo escolar, o tema é chamado de “multiletramento”. Não é uma disciplina, mas uma competência em que todos os professores precisam trabalhar. Todos têm que levar isso em consideração no seu trabalho, independentemente de ensinarem na educação infantil ou se forem professores de matemática.

Como as aulas de alfabetização midiática são estruturadas para diferentes idades?
Crianças de 3 ou 4 anos já conseguem usar uma câmera digital ou um celular. Elas tiram fotos, contam histórias simples com imagens e compartilham com amigos. Para elas, é apenas brincadeira. Já pré-adolescentes e adolescentes, que pensam de forma mais abstrata, podem entender diferenças entre notícias falsas, reconhecer campanhas de desinformação e teorias da conspiração.

No ensino médio, os alunos criam suas próprias reportagens e vídeos, aprendendo que qualquer conteúdo foi produzido por alguém. Desse modo, aprendem a produzir conteúdos e compreendem que não existe uma verdade objetiva e única. Acho que essa é a ideia básica.

Esse programa está presente em todas as escolas?
Sim, desde a educação infantil até o ensino médio. E está no núcleo nacional do currículo para todos esses anos. Depois disso, em cursos técnicos ou universitários, depende do que você escolhe estudar.

Os professores têm liberdade para planejar as aulas?
Temos os currículos nacionais, que definem as metas gerais para cada ano escolar, mas não detalham como e em que momento do ano letivo essas atividades devem ser realizadas. Então, os professores planejam seu próprio trabalho.

Na Finlândia, para obter uma posição de professor permanente, é necessário ter um mestrado e pelo menos um ano de formação pedagógica. Nossos professores são altamente qualificados e confiamos neles. Eles também têm liberdade para implementar o currículo nacional.

Como o programa funciona para áreas como matemática ou ciências? Há algum exemplo de atividade realizada em sala de aula?
Se pensarmos em matemática, por que você vê certas coisas quando abre suas redes sociais? É sobre algoritmos. E o que são os algoritmos? Matemática, e inteligência artificial (IA) em alguns casos. As crianças também aprendem o básico da programação, em como pensar com programação, e aprendem as ideias básicas do que significa programar. Isso é em parte lógica, mas também linguagem, pensamento e matemática.

Se pensar em história, você pode pegar algum evento histórico de qualquer país do mundo e encontrar campanhas de desinformação. Não tínhamos esses termos, mas basicamente os mesmos fenômenos estavam lá. Reconhecer a desinformação e entendê-la é apenas uma pequena parte do que achamos que a alfabetização midiática envolve. É algo muito, muito maior do que apenas uma luta contra a desinformação.

E quais são os principais resultados observados desde que esse programa foi implementado?
Bem, é o que somos, como pensamos, como a sociedade finlandesa funciona. Então, isso é algo muito holístico, porque não é um programa de uma semana, duas semanas, três anos, e sobre o qual poderíamos dizer: “ok, devido a este programa, as crianças aprenderam isso”.

É quase impossível de medir, porque trata-se de como você cresce para se tornar um membro da sociedade e como entende a democracia. É realmente uma perspectiva holística no desenvolvimento do indivíduo como membro de uma sociedade. O que sabemos por estudos é que as pessoas, mesmo os jovens, não confiam apenas em uma fonte. A confiança na mídia profissional, jornalística, é muito alta na Finlândia. E acho que isso tem sido uma parte importante.

E quais são os maiores desafios em ensinar as crianças a lidar com desinformação? Ferramentas de Inteligência Artificial (IA) tornam esse trabalho mais difícil?
Bem, provavelmente, no caso da IA, não acho que alguém tenha a resposta. Já estamos usando IA há muito tempo, antes de começarmos a falar sobre isso. Eu não acho que sabemos o que esses últimos desenvolvimentos da IA significam. Teremos que esperar alguns anos para ver.

E quanto aos desafios de ensinar sobre desinformação e informações falsas, eu diria que não acho que os professores realmente ensinam tanto sobre desinformação e informações falsas. É uma visão maior que, na verdade, ajuda as pessoas a reconhecerem a desinformação.

E nós ensinamos as crianças a entender como o jornalismo funciona. Elas aprendem sobre o trabalho jornalístico na escola. Assim, reconhecem quais são os tipos de mídia em que se pode confiar e entendem que existem diferentes fontes.

Como você vê o papel desse programa na democracia e na criação de uma cultura de transparência?
Isso faz parte de todo o sistema educacional que temos. A ideia da nossa educação é preparar as crianças e jovens para se tornarem membros ativos da sociedade. Eles aprendem sobre como a sociedade funciona, quais são as estruturas básicas, governo, Parlamento, o que significam as eleições, o que significam direitos como a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, e eles aprendem como as autoridades locais funcionam. É um processo de aprendizado longo, mas, quando você atinge a maioridade e se torna legalmente adulto na Finlândia, aos 18 anos, você deve ter a compreensão básica de como a sociedade funciona.

Como esse programa também impacta a população adulta?
Somos a autoridade governamental em promover a alfabetização midiática na Finlândia, não apenas para crianças e jovens, mas também para a população adulta. Fora da escola, se pensarmos na população adulta, como a população em idade de trabalhar e os idosos, precisamos pensar em múltiplas formas de alcançá-los e em diferentes maneiras de abordar essas questões.

Então, não existe uma única maneira de tratar desses problemas. É preciso ter uma abordagem diferente. Se você for falar sobre esses temas com pessoas idosas que talvez nunca tenham usado um computador, é diferente do que conversar com pessoas em idade de trabalhar, que usam diferentes tipos de dispositivos o tempo todo. Então, os objetivos gerais são os mesmos, mas os meios podem ser muito diferentes, dependendo do contexto.

*Repórter viajou a convite da Business Finland

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