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AMÉRICA

Como as políticas migratórias de Trump afetam brasileiros nos EUA?

Nesta sexta-feira, chega ao Brasil o primeiro voo com deportados dos EUA da segunda Era Trump, com 88 brasileiros a bordo

Como as políticas migratórias de Trump afetam brasileiros nos EUA?Como as políticas migratórias de Trump afetam brasileiros nos EUA? - Foto: reprodução

Há menos de uma semana no cargo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mostrou que está levando a sério a promessa de promover seu plano de deportação em massa ao decretar uma série de medidas mirando os 11 milhões de imigrantes irregulares no país, dentre eles 230 mil brasileiros.

O republicano declarou emergência na fronteira Sul com o México, suspendeu temporariamente os programas de asilo e refúgio, tentou acabar com o direito à cidadania para filhos de estrangeiras indocumentadas ou com visto temporário, retomou o programa "fique no México" para solicitantes de asilo e aumentou os poderes do ICE (agência migratória dos EUA), permitindo fiscalizações em escolas e igrejas.

Nesta sexta-feira, chega ao Brasil o primeiro voo com deportados dos EUA da segunda Era Trump, no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins. Segundo a Polícia Federal, 158 estão a bordo do avião, entre eles, 88 brasileiros, afirmou o Itamaraty.

Cidadania à filhos de imigrantes
Na quinta-feira, o presidente sofreu seu primeira revés da Justiça após um juiz de Seattle suspender temporariamente o decreto que retirava o direito à cidadania a bebês nascidos de imigrantes irregulares ou temporários (como estudantes e turistas), prevista inicialmente para entrar em vigor em fevereiro. O bloqueio ocorreu depois que 22 dois estados moveram diversas ações contra a medida, considerada pelo magistrado como "flagrantemente inconstitucional".

Trump garantiu que vai recorrer, prometendo mirar o chamado "turismo de nascimento", quando estrangeiras grávidas viajam para os Estados Unidos com o objetivo de ter um filho americano. A prática, embora não seja ilegal, é vista por republicanos como um estímulo à imigração irregular.

Hoje, há algumas empresas no Brasil que oferecem viagens para grávidas terem seus filhos nos EUA, como a "Ser Mamãe em Miami", com custos a partir de R$ 100 mil, segundo a BBC. Por ano, cerca de 250 grávidas contratam o serviço, mais da metade brasileiras, entre elas celebridades como a atriz Karina Bacchi e o vereador Thammy Miranda (PSD-SP).

Karina BacchiKarina Bacchi

Grupos conservadores também acusam migrantes em situação irregular de cruzar a fronteira para ter seus filhos nos Estados Unidos e usá-los como "âncora" para garantir sua permanência. É comum que, ao completar 21 anos, o filho americano, por meio do elo familiar, possa ajudar os pais a regularizar o status migratório.

Na visão de juristas, o decreto de Trump fere a 14ª Emenda da Constituição, que garante o chamado jus soli ("direito de solo"), ou seja, o acesso à cidadania aos nascidos em um território, independentemente da nacionalidade dos seus pais. O entendimento é comum em diversos países nas Américas, como o Brasil, e contrasta com o jus sanguinis ("direito de sangue"), adotado por algumas nações europeias, que usa o critério da ascendência.

O texto determina que "todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do estado em que residem". Na interpretação do Partido Republicano, porém, imigrantes com status irregular ou com visto temporário não estariam sob jurisdição do país e, portanto, seus filhos não poderiam obter cidadania. Hoje, há poucas exceções à lei, como para filhos de diplomatas estrangeiros nascidos no país.

O advogado Gustavo Nicolau, especialista em imigração nos EUA, avalia que a sustentação do governo federal é "frágil", uma vez que, para outras situações, imigrantes estão sob jurisdição americana.

— Se um imigrante irregular comete um crime, ele está sujeito à jurisdição americana e pode ser punido — exemplifica Nicolau ao GLOBO. — Isso vai ser alvo de muito debate e vai acabar na Suprema Corte, que deve demorar um pouco para tomar uma decisão. As crianças que já nasceram estão de fora do alcance dessa regra. A própria medida provisória fala que a regra só se aplica para nascimentos após 30 dias. Então demos uma data de corte: 20 de fevereiro.

Deportação
Estima-se que, dos quase 2 milhões de brasileiros que residem nos Estados Unidos, segundo dados do Itamaraty, 230 mil estejam em situação irregular. O número coloca o Brasil como o 8º país com mais imigrantes indocumentados em território americano, segundo um balanço do Departamento de Segurança Interna de 2023.

Em maior risco estão os 39 mil brasileiros com ordens de deportação iminente, segundo dados do ICE, mas que ainda não foram expulsos do país. Trump prometeu deportar rapidamente até 3 milhões dos 11 milhões de irregulares, mas a operação enfrenta limitações financeiras e logísticas.

No primeiro governo Trump (2017-2021), 1,6 milhão de imigrantes foram deportados dos EUA — quase metade do que houve no primeiro mandato de Obama (2009-2012) e 490 mil a menos do que no segundo (2013-2016).

Apesar do fluxo de saída de imigrantes irregulares ter sido maior em gestões anteriores, foi durante o governo Obama que houve o maior número de deportações por via legal da História: 3 milhões.

— Para deportar pessoas, há um custo astronômico da máquina administrativa. Como você coloca isso no bojo das necessidades do país? Os juízes americanos vão trabalhar só com deportação? — pontuou a advogada Marta Mitico, presidente da Associação Brasileira de Especialistas em Migração e Mobilidade Internacional (Abemmi), em uma entrevista ao Globo logo após a vitória do magnata, em novembro.

— Trump é muito barulhento, mas, em termos práticos, ele fez menos deportações que [Barack] Obama, que foi mais legalista e firme, mas silencioso.

Nomeado por Trump como "czar da fronteira", Tom Homan, ex-diretor do ICE, afirmou que o governo focará primeiro em imigrantes irregulares fichados pela Justiça. Em 2021, havia 662 mil nesta situação, sendo que 435 mil deles já cumprem pena e serão deportados assim que deixarem a prisão.
 

Tom HomanFoto: Megan Vernr/Getty Images/AFP

Em 2023, os mexicanos eram a maioria (67%) dos imigrantes presos, atrás de cidadãos de Honduras (7,4%), Guatemala (5,4%) e El Salvador (3,7%). Os dados sobre brasileiros não foram divulgados pelo governo americano e se somam à categoria "outras nacionalidades" (12,6%).

A Casa Branca anunciou, nesta sexta-feira, ter prendido quase 500 imigrantes nas primeiras 33 horas do novo governo, incluindo pessoas com históricos criminais como agressão sexual, roubo, violência doméstica e outros delitos. A mobilização ocorre enquanto se aguarda a promulgação da Lei Laken Riley, aprovada no Congresso na quarta-feira, que determina a prisão e deportação de imigrantes irregulares acusados de determinados crimes.

Fronteira
As medidas de Trump também afetam os brasileiros que hoje aguardam o andamento dos seus pedidos de asilo nos EUA, processos que costumam levar anos e dificilmente são concedidos a brasileiros, uma vez que o país não enfrenta graves crises.

Apesar disso, os asilos são a esperança dos dezenas de milhares de brasileiros que cruzam a fronteira dos EUA com o México com a ajuda de coiotes, num esquema conhecido popularmente como "cai-cai". Após determinado ponto da travessia, o imigrante se entrega às autoridades fronteiriças americanas e pede para aguardar sua audiência com um juiz de imigração nos EUA.

Nos EUA, o imigrante é obrigado a usar tornozeleira eletrônica, ter o celular monitorado e se apresentar com frequência às autoridades migratórias. Caso tenha o pedido de asilo negado, pode ser deportado. Segundo um levantamento do jornal americano Washington Post, há ao menos 50 mil brasileiros "deportáveis" vivendo nos EUA hoje.

A política fronteiriça, conhecida como "pegar e largar", foi adotada em 2021 pelo governo de Joe Biden como uma alternativa aos centros de detenção que lotaram sob a ordem de "tolerância zero" às travessias irregulares do primeiro mandato de Trump — a mesma que também permitiu a separação de famílias cruzando com menores. Assim que chegou ao cargo, o republicano revogou um decreto de Biden que garantia a reunificação dessas famílias.

O Brasil é a 12ª nacionalidade mais apreendida na fronteira Sul dos EUA, segundo dados oficiais, com 162 mil flagrados pelas autoridades entre outubro de 2019 e setembro de 2024. De acordo com o Itamaraty, os EUA são o principal destino de expatriados, com Nova York, Boston e Miami liderando o ranking de áreas com as maiores comunidades brasileiras do mundo.

Diversos decretos de Trump afetam diretamente brasileiros que entraram recentemente nos Estados Unidos ou que pretendiam recorrer ao "cai-cai". Primeiro, o republico declarou emergência nacional na fronteira e o Pentágono anunciou a mobilização de 1,5 mil soldados para a região — podendo chegar a 10 mil futuramente, segundo um memorando interno.

O americano também anunciou o fechamento da fronteira para imigrantes irregulares, acabando com a política do "pegar e largar" e facilitando a "deportação acelerada", isto é, sem julgamento, para um maior número de pessoas.

O republicano também suspendeu o aplicativo CBP One, que oferecia um caminho para a regularização de solicitantes de asilo. Todos os agendamentos de audiência e visto que estavam marcados pela plataforma foram cancelados.

Trump ainda retomou a política "fique no México", que obriga candidatos a refúgio a aguardarem no vizinho. A medida, no entanto, deve afetar mais mexicanos do que brasileiros, segundo Nicolau.

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