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ESTADOS UNIDOS

Como Elon Musk assumiu o controle da burocracia federal no governo Trump

Meses antes da posse do presidente, bilionário costurou a tomada de órgãos estatais para impor seu projeto de redução da administração pública

Elon Musk (em pé), líder do Departamento de Eficiência Governamental da Casa Branca, durante reunião de Gabinete do governo de Donald Trump Elon Musk (em pé), líder do Departamento de Eficiência Governamental da Casa Branca, durante reunião de Gabinete do governo de Donald Trump  - Foto: Jim WATSON / AFP

Em setembro de 2023, Elon Musk chegou cerca de uma hora atrasado a um jantar na mansão de Chamath Palihapitiya, investidor do Vale do Silício. A visita do bilionário sul-africano deveria ser discreta. Ainda receoso em se envolver publicamente na política, Musk disse aos convidados que precisava tomar cuidado ao apoiar qualquer pessoa na disputa pela nomeação republicana. No entanto, lá estava ele em um jantar de US$ 50 mil por pessoa (R$ 290 mil) em homenagem ao candidato presidencial Vivek Ramaswamy, que se apresentava como um empresário disposto a abalar o status quo.

Conforme a noite avançava, Musk discutiu diversos assuntos: a visita daquela semana à fronteira dos EUA com o México; a guerra na Ucrânia; as frustrações com as regulamentações do governo que dificultavam sua empresa de foguetes, a SpaceX; e a prioridade máxima de Ramaswamy: o fim da burocracia federal.

 

O empresário deixou claro que via o fim da burocracia, principalmente, como um desafio tecnológico. Ele disse ao grupo de cerca de 20 pessoas que, ao reformar o Twitter, rede social que comprou em 2022 e depois rebatizou para X, a chave do sucesso foi ter acesso aos servidores da empresa. Não seria ótimo, sugeriu Musk, se ele pudesse ter acesso aos computadores do governo federal para torná-lo mais enxuto?

O que começou como uma divagação em um jantar evoluiu para uma tomada radical da burocracia federal. Foi impulsionada pelo foco extremo de Musk, que canalizou seus impulsos libertários e seu ressentimento contra a supervisão regulatória de seus negócios para uma posição singular de influência. E contou com muitos aliados desde então.

Sem ceder o controle de suas empresas, o homem mais rico do mundo colocou seus engenheiros e assessores dentro da infraestrutura digital do governo. Seu Departamento de Eficiência Governamental, ou Doge (na sigla em inglês), está inserido em mais de 20 agências. Musk montou uma dupla estratégia.

Sua equipe tomou o controle da agência de recursos humanos do governo, o Escritório de Gestão de Pessoal, passando a comandar os sistemas de e-mail para pressionar os servidores públicos a pedir demissão, a fim de reduzir a força de trabalho. Paralelamente, infiltrou-se nos sistemas de computadores, mapeando como o dinheiro estava fluindo, para que a administração pudesse bloqueá-lo. Até agora, os funcionários de Musk tentaram acesso a pelo menos sete bancos de dados sensíveis do governo.

A transformação do Doge, nas mãos de Musk, de um departamento sem status de ministério em uma arma poderosa é um fenômeno possível apenas na era Trump. Envolve cortes de custos drásticos, que Musk já havia utilizado para desestabilizar o Twitter, além da disposição para o risco político e tomadas de decisões impulsivas, características compartilhadas com o presidente Donald Trump — e que preocupa outros funcionários públicos.

A abordagem sigilosa surpreendeu tanto os democratas quanto os servidores, que foram pegos desprevenidos ao não imaginar uma incursão desse tipo partindo de dentro da burocracia. Toda a operação começou logo após a eleição e foi organizada em uma série de reuniões altamente restritas em uma das residências de Trump na Flórida.

Conservadores experientes, como Stephen Miller e Russell Vought, ajudaram a explicar a Musk o funcionamento da burocracia. Ele encontrou uma abertura em uma agência pouco conhecida: o Serviço Digital dos EUA, criada pelo presidente Barack Obama em 2014.

Infiltração no governo
Musk e seus conselheiros — incluindo Steve Davis, que trabalhou com ele no X e em outras empresas — não queriam criar uma comissão: queriam acesso direto e privilegiado aos sistemas do governo. Perceberam que poderiam explorar usar o escritório digital, cuja equipe estava concentrada em ajudar as agências a resolver problemas tecnológicos, para penetrar rapidamente no governo federal — e depois decifrar como derrubar a burocracia estatal.

Eles começaram a movimentação na unidade de serviço digital mais cedo do que fora relatado, enquanto Joe Biden ainda era presidente — o que lhes deu a capacidade de operar no primeiro dia do governo Trump. Assim que Musk identificou o escritório como elemento-chave de sua estratégia, seus aliados foram espalhados pelo governo durante a transição, extraindo informações sobre sistemas de computador, contratos e pessoal.

A equipe agora avança mais rápido do que muitas das ações na Justiça para impedi-la, fazendo mudanças drásticas que podem ser difíceis de reverter, mesmo que acabem sendo restringidas por tribunais posteriormente. Os aliados de Musk demitiram funcionários, ignoraram as proteções do serviço público, rasgaram contratos e fecharam uma instituição inteira criada pelo Congresso: a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional.

Em só um mês do segundo mandato de Trump, Musk e sua equipe de mais de 40 pessoas agora têm quase todas as senhas de que precisavam. O rápido sucesso foi impulsionado pelo presidente, que lhe deu a vaga tarefa de reformar o governo federal logo após o empresário endossá-lo como candidato. Lisonjeado por Musk querer trabalhar com ele, Trump deu-lhe ampla liberdade para projetar uma estratégia e executá-la, sem se importar com os detalhes.

Em três jantares pró-Trump organizados por Musk e o investidor bilionário Nelson Peltz ao longo de 2024, o empresário destacou a necessidade de um governo menor, mas teve dificuldades em oferecer ideias específicas. Furioso com Biden, por considerar que o governo da época tentava prejudicar seus negócios deliberadamente, Musk viu Trump como sua única esperança e o endossou nas redes sociais após o atentado sofrido pelo candidato, em julho. Nos meses seguintes, ele investiria quase US$ 300 milhões (R$ 1,7 bilhão) para eleger Trump. E rapidamente semeou a ideia com o então candidato de que poderia ser mais do que apenas um doador de campanha.

A primeira menção pública do que evoluiria para o Departamento de Eficiência Governamental aconteceu no podcast de Lex Fridman, quando Musk ressaltou como o excesso de regulamentação dificultava o progresso humano.

— Eu discuti com Trump a ideia de uma comissão de eficiência governamental. E eu estaria disposto a fazer parte dessa comissão — disse.

Dias depois, Musk trouxe Trump para uma discussão ao vivo no X e, mais uma vez, disse querer garantir que o dinheiro dos contribuintes fosse “gasto de maneira correta”. Em setembro, a ideia foi anunciada como um pilar das propostas econômicas de Trump. O então candidato deu poucos detalhes à época, mas afirmou que “economizaria trilhões de dólares”.

Alinhamento
Logo após a vitória, um círculo restrito começou a planejar como desmantelar rapidamente a burocracia federal. Reunido em Mar-a-Lago, o grupo discutiu formas de demitir servidores. Uma ideia foi motivá-los a pedir demissão, forçando-os a voltar ao escritório cinco dias por semana ou transferindo-os para trabalhar na segurança nas fronteiras.

Trump anunciou o Departamento de Eficiência Governamental em 12 de novembro como uma entidade fora do governo. Musk não seria nomeado secretário, mas conselheiro de Trump na Casa Branca. Uma das primeiras ações do presidente foi assinar o decreto criando a entidade e assumindo o controle do escritório digital federal. Também assinou decretos congelando a contratação de novos funcionários e autorizou um plano para reduzir o tamanho da força de trabalho federal. Como Musk queria.

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