Como o cérebro percebe o tempo passar? Cientistas desvendaram; entenda
Os resultados, publicados na Nature Neuroscience, foram encontrados com a análise do comportamento de roedores conforme realizam atividades com intervalos de tempo
Na Antiguidade, o tempo era considerado uma divindade, nomeada de Chronos, responsável pelas horas, dias, meses e anos. Nos séculos seguintes, filósofos e físicos trabalharam com ardor para lançar luz à teorias que tentam explicar a passagem do tempo. Neste mês, cientistas descobriram a resposta sobre como o cérebro percebe os efeitos dos fenômenos temporais. A pesquisa, publicada na revista Nature Neuroscience, elucida o funcionamento do “relógio interno cerebral”.
Muito mais próximos ao comportamento observado na Teoria da Relatividade de Einstein, que postulou a capacidade do tempo de se esticar e contrair, um fenômeno conhecido como dilatação do tempo, os cérebros mantêm um senso de tempo descentralizado e flexível, moldado pela dinâmica das redes neuronais. A hipótese, chamada de “relógio populacional”, explica que o órgão contabiliza o tempo utilizando padrões consistentes de atividade neuronais, de acordo com o comportamento do indivíduo.
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A percepção do tempo pelo cérebro
Os pesquisadores do Laboratório de Aprendizagem da Champalimaud Research utilizaram temperatura para identificar o comportamento cerebral em ratos. A equipe criou um dispositivo termoelétrico personalizado para aquecer ou arrefecer o corpo estriado, uma região profunda do cérebro, enquanto registrava simultaneamente a atividade neural de retardar ou acelerar artificialmente os padrões de atividade neural em ratos, distorcendo seu julgamento sobre a duração do tempo em intervalos de segundos a minutos.
Antes do monitoramento térmico, foi introduzido aos roedores um jogo que inclui três portas e uma recompensa. Por dois meses eles foram treinados a ter percepção temporal colocando o focinho em uma das portas. A do meio representava dois sons, com um intervalo calculado de um segundo e meio. Já as outras duas portas apresentavam padrões que se o som fosse abaixo de um segundo e meio, a porta da esquerda teria a recompensa; acima desse intervalo, ela estava na da direita.
— O resfriamento do corpo estriado fez com que o intervalo de tempo parecesse mais curto às cobaias, enquanto o aquecimento acelerou os processos neurais levando a comportamentos que indicavam que o tempo era mais longo do que na realidade — detalha.
Em seguida, após os ratos adquirirem a capacidade de notar a passagem do tempo, o equipamento termoelétrico foi adicionado. E então, resultados surpreendentes surgiram.
Eles descobriram que a atividade no estriado, uma região profunda do cérebro, segue padrões previsíveis que mudam em diferentes velocidades. Quando os animais determinam com comportamentos que um determinado intervalo de tempo é mais longo, a atividade evolui mais rapidamente, e quando é relatado como mais curto, a atividade evolui mais lentamente.
Com os resultados encontrados pela pesquisa, ficou comprovado pelo estudo uma relação causal entre as atividades neurais e o processamento do tempo. Para Joe Paton, um dos autores sênior do estudo, esse processo é como jogar uma pedra em um lago. Quando o objeto é jogado na superfície, são criadas ondulações, irradiadas dentro de um padrão repetido.
— Ao examinar os padrões e as posições dessas ondulações, pode-se deduzir quando e onde a pedra caiu na água. Assim como a velocidade com que as ondulações se movem pode variar, o ritmo com que esses padrões de atividade progridem nas populações neurais também pode mudar. Nosso laboratório foi um dos primeiros a demonstrar uma estreita correlação entre a velocidade com que essas 'ondulações' neurais evoluem e as decisões dependentes do tempo — explica na entrevista de divulgação da pesquisa.
Resumidamente, o funcionamento do "relógio interno" se dá de forma que, conforme o descrito pelos pesquisadores, “quanto mais lento o padrão de atividade do estriado, mais rápida a perceção de tempo e vice-versa (a partir das respostas que os ratos exibiam no modelo experimental)”.
Futuro dos estudos
Nesse sentido, é considerado um avanço da Ciência cognitiva a confirmação da existência de "ondas", fruto das atividades neurais, que demarcam o tempo percebível e orientam o comportamento humano. O avanço proporcionado pela pesquisa podem ajudar no desenvolvimento de novas possibilidades terapêuticos para doenças como as de Parkinson e a de Huntington, a partir do achado apresentado na publicação:
“A manipulação da temperatura no cerebelo (situado na base do cérebro e responsável pelas funções motoras) teve impacto no comportamento, que se manifestou em movimentos mais lentos”, escrevem os autores.