Logo Folha de Pernambuco

ENCONTRO

Como o ''não assunto'' guerra na Ucrânia virou assunto na Cúpula dos Brics na Rússia

Discursos falam em medida para buscar o diálogo entre Moscou e Kiev e riscos à segurança global, mas poupam Putin de críticas ou cobranças mais duras

Bandeiras dos participantes do BricsBandeiras dos participantes do Brics - Foto: Brics/Divulgação

Embora a guerra na Ucrânia — perto de completar mil dias — não fizesse parte da linha central de pautas da reunião do Brics em Kazan, na Rússia, os líderes do bloco expressaram, mesmo que de modo tímido, preocupações com a falta de perspectivas para o fim dos combates, mas sem pressionar o anfitrião, o presidente Vladimir Putin.

Ao mesmo tempo, eles não pouparam críticas a Israel sobre as guerras em Gaza e no Líbano, inclusive no comunicado final.

Em seu discurso, feito por videoconferência após o cancelamento da viagem por um acidente doméstico, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se concentrou em temas como os desafios climáticos, o combate à pobreza e a redução das desigualdades — ideias que, além de nortearem a presidência brasileira do G20, em 2024, também estarão presentes da lista de prioridades do país no ano que vem, quando assumirá a liderança rotativa do Brics.

Lula mencionou diretamente as guerras no Líbano e em Gaza, quando citou uma frase do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que disse que o enclave palestino “se tornou o maior cemitério do mundo para crianças e mulheres”. Sobre a Ucrânia, disse que “evitar a escalada e dar início a negociações de paz também é crucial”.

— Ao mesmo tempo em que estamos diante de duas guerras com potencial para se tornarem globais, é essencial restaurar nossa capacidade para trabalharmos em conjunto em direção a objetivos comuns — disse Lula.

Planejamento
Na segunda-feira, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, o chanceler Mauro Vieira havia sinalizado que os líderes não discutiriam a guerra na Ucrânia, ainda mais em um encontro organizado pelo Kremlin, e que tem como um de seus objetivos demonstrar a força de um grupo de países não necessariamente ou completamente alinhados ao Ocidente.

Lula seguiu a linha que mantém desde o início da guerra, de evitar críticas mais agudas ao governo russo — o que lhe rendeu reprimendas públicas do líder da Ucrânia, Volodymyr Zelensky — e de buscar caminhos e um espaço para um cessar-fogo.

Em uma dessas iniciativas, o Brasil apresentou em maio, ao lado da China, um plano de paz composto por seis pontos, incluindo medidas de contenção e a retomada do diálogo, mas sem prever a retirada das forças russas. A proposta foi boicotada por governos ocidentais e chamada de “destrutiva” por Zelensky.

Na véspera da reunião, o líder chinês, Xi Jinping, se reuniu com Putin em Kazan, e o tom não poderia ser mais afável — na conversa, Xi afirmou que “o mundo está passando por mudanças não vistas em mais de cem anos, e que a situação internacional está entrelaçada com o caos”, e reiterou a “amizade sem limites”, anunciada pouco antes do início da guerra.

— Mas acredito firmemente que a amizade entre a China e a Rússia continuará por gerações, e a responsabilidade dos grandes países para com seus povos não mudará — disse Xi.

No discurso durante a plenária, o líder chinês defendeu a proposta de paz apresentada ao lado do Brasil, mas, assim como Lula, de maneira sucinta.

— O objetivo é reunir mais vozes defendendo a paz. Devemos defender os três princípios-chave: nenhuma expansão dos campos de batalha; nenhuma escalada de hostilidades; e nenhuma agitação, e lutar por uma rápida desescalada da situação — disse o presidente chinês.

Talvez a menção mais direta sobre a guerra tenha vindo do líder de um país que tem adotado uma postura complexa desde o início da guerra, a Índia. O premier Narendra Modi chegou a visitar Kiev em agosto, enquanto a Índia comprava cada vez mais petróleo russo (ajudando a manter as contas em Moscou no azul). Uma política apelidada de “autonomia estratégica”, e que, como todo pragmatismo, busca obter a maior quantidade possível de vantagens de todos os lados.

Debate sobre a guerra
Em um encontro com Putin às margens da cúpula dos Brics, Modi — que em julho havia dito ao líder russo que “a guerra não é a solução” — afirmou querer ver a paz na Ucrânia, e que “os problemas devem ser resolvidos apenas por meios pacíficos”. O premier colocou o país à disposição para oferecer “todo o apoio possível nos tempos que virão", e declarou que os esforços de paz devem ter em vista “a humanidade”.

Apesar do tema não deixar de ser um elefante na sala, se o objetivo de Putin ao reunir os novos e antigos membros do Brics na milenar Kazan , além de abrir as portas para 13 novos parceiros, era deixar a sua guerra na Ucrânia em segundo plano, ele foi bem sucedido.

A declaração final deixou de lado preocupações com a perda de dezenas de milhares de vidas humanas, com a destruição em larga escala e com riscos a instalações nucleares, e reiterou que os Estados devem agir de acordo com a Carta da ONU, e que “aprecia” iniciativas para a resolução pacífica.

Ao comentar a reunião, a Chancelaria ucraniana disse que “a cúpula do Brics, que a Rússia tentou usar para dividir o mundo, provou mais uma vez que a maioria do mundo permanece ao lado da Ucrânia em sua busca por uma paz abrangente, justa e duradoura".

Já sobre o conflito em Gaza e no Líbano, Putin não pareceu tão preocupado em conter seus convidados. Masoud Pezeshkian, presidente do Irã — país que estreou na cúpula dos Brics — pediu que os demais membros ajudem a "pôr fim à guerra" em Gaza e no Líbano.

Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, que lidera um processo contra Israel na Corte Internacional de Justiça, disse que os países do mundo “têm a responsabilidade de não financiar ou facilitar as ações genocidas de Israel”. Ele ainda atacou o Conselho de Segurança da ONU, do qual Rússia e China são membros permanentes, dizendo que ele “não cumpriu seu mandato para manter a paz internacional e a segurança”.

— Ele (Conselho de Segurança) não representa os interesses da comunidade global e, portanto, não tem meios para concretizar o desejo global de paz — disse o líder sul-africano.

No comunicado final, o Brics expressou a “grave preocupação com a deterioração da situação e da crise humanitária nos Territórios Palestinos Ocupados, em particular a escalada sem precedentes da violência na Faixa de Gaza e na Cisjordânia como resultado da ofensiva militar israelense”. E concluiu pedindo a Israel que "encerre imediatamente" os ataques contra a força da ONU no Líbano (Unifil) e "preserve a integridade territorial" do país.

Veja também

Mural gigante com cinzas da Amazônia leva luta ambiental ao centro financeiro do país
ALERTA

Mural gigante com cinzas da Amazônia leva luta ambiental ao centro financeiro do país

Atirador de novo Hamburgo: "Vamos reavaliar a situação de cada um dos CACs", diz Lewandowski
MINISTRO DA SEGURANÇA

Atirador de novo Hamburgo: "Vamos reavaliar a situação de cada um dos CACs", diz Lewandowski

Newsletter