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EUROPA

Confira as contradições da líder do partido de extrema direita da Alemanha

Ex-analista financeira, Alice Weidel é o rosto do Alternativa para a Alemanha, segundo colocado nas pesquisas para a eleição do país, neste domingo

A candidata a chanceler do Alternativa para a Alemanha, Alice Weidel A candidata a chanceler do Alternativa para a Alemanha, Alice Weidel  - Foto: RALF HIRSCHBERGER / AFP

Quando o vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, criticou seus anfitriões na Alemanha por afastarem partidos de extrema direita, ele não citou especificamente o Alternativa para a Alemanha, conhecido como o AfD. Mas logo depois de seu discurso na Conferência de Segurança de Munique, na qual chocou os presentes ao comparar a democracia na Europa de hoje ao totalitarismo da era soviética, Vance se encontrou com Alice Weidel, líder do AfD.

Ex-analista de investimentos, Weidel cria, na Suíça, dois filhos ao lado da esposa, nascida no Sri Lanka. Aos 46 anos, ela se tornou o improvável rosto do AfD. Seu partido nacionalista milita numa plataforma anti-imigração e define família como um pai e uma mãe criando crianças.

 

Uma das pessoas mais próximas da administração americana, alvo de apoio de Elon Musk, Weidel tem sido nome essencial para levar o AfD ao público geral, ajudando o partido a alcançar um confortável segundo lugar nas pesquisas às vésperas da eleição nacional, no domingo.

Seus suéteres e camisas de gola aberta com colares de pérolas viraram uma espécie de assinatura e dão uma imagem mais cosmopolita ao partido, que já teve ligações apontadas ao neonazismo e quer derrubar o governo.

Mas o AfD de Weidel não é menos extremista. “Com ela por lá, o partido está se radicalizando cada vez mais”, diz Ann-Katrin Müller, especialista no partido e repórter da revista Der Spiegel, um dos veículos mais importantes do país.

Crescimento nas pesquisas e convite para debate
O AfD está bem à frente dos Sociais Democratas, de centro-esquerda, do atual chanceler Olaf Scholz, e atrás do conservador Democratas Cristãos, de Friedrich Merz, favorito a se tornar o novo chanceler. Esses partidos garantem que nunca se aliariam ao de Weidel num eventual governo. Mas o sucesso dela ao apresentar o AfD como “apenas mais um partido” transpareceu no último domingo, quando ela esteve presente num debate com seus principais rivais, que incluiu também Robert Habeck, do partido Os Verdes.

A performance de Weidel foi amplamente considerada como irregular, mas ela deixou o evento com uma vitória: foi a primeira vez que o AfD foi convidado para um debate como aquele, assistido por milhões de eleitores. Em determinado ponto da campanha, as pesquisas chegaram a mostrá-la como a candidata a chanceler mais popular dentre todos os partidos.

Mas se o ar professoral e a vida pessoal de Weidel podem sugerir um afrouxamento na linha do partido, a linguagem que ela usa, não. Weidel promete acabar com turbinas de energia eólica e demitir professores ligados a estudos de gênero. Ela já falou em “remigração”, um termo utilizado pela extrema direita amplamente interpretado como um código para deportações.

“Vamos deixar isso absolutamente claro ao mundo: as fronteiras da Alemanha estão fechadas”, disse ela em discurso a uma multidão quando foi nomeada candidata pelo partido, no mês passado. Procurada para esta reportagem, ela recusou. Em entrevistas à mídia alemã, ela alterna entre o charme e a severidade.

Frequentemente, Weidel recusa se distanciar dos membros mais radicais do partido. Alguns deles já minimizaram o Holocausto e o passado nazista da Alemanha. “Ela e as pessoas que estão por trás dominam o partido e são idelogicamente muito próximos de Björn Höcke”, diz Müller, referindo-se a um líder de estado do AfD que já foi multado nos tribunais por utilizar linguagem nazista. No domingo, Weidel disse ao Bild, principal tablóide alemão, que teria Höcke em seu gabinete se chegasse ao posto de chanceler.

Passado nazista do avô
Ela cresceu numa família de classe média em Harsewinkel, cidade da Renânia do Norte-Vestfália, no oeste do país. Tinha dois irmãos e um cão-salsicha. Seu pai era um agente de vendas e a mãe, dona de casa. Seegundo o jornal conservador Die Welt, seu avô era membro do partido nazista e foi juiz militar em Varsóvia, durante ocupação a alemã. Weidel diz que não conheceu o avô, que morreu quando ela tinha seis anos de idade, e que o passado nazista nunca foi assunto em sua família.

Enquanto terminava seu doutorado em economia na Bavária, ela morou na China e aprendeu mandarim por conta própria. Depois, trabalhou nas financeiras Credit Suisse e Goldman Sachs como analista. Em entrevistas, já falou do seu amor por feng shui, natação e tênis quando era mais nova.

 

Hoje, divide seu tempo entre sua casa, numa cidade pequena na Suíça Central, e outra em sua zona eleitoral, no Lago de Constança, sul da Alemanha. Weidel admite que não passa muito tempo em seu endereço alemão, o que atribui a preocupações quanto a segurança. Apesar do crescimento do partido, ela é um para-raios da insatisfação da opinião pública em um país no qual a maioria acredita que o AfD deve ser isolado.

A ausência dela na Alemanha é um tópico sensível para uma líder de um partido nacionalista. Weidel chegou a abandonar uma entrevista a uma emissora pública, nesta semana, quando foi perguntada sobre quantas noites teria passado em seu endereço na Alemanha. Na mesma entrevista, ela admitiu que não sabia a população do distrito que representa como integrante do parlamento do país.

Em novembro, Weidel disse a um grupo de executivos em Zurique que sua segurança é tão crítica que é difícil até sair espontaneamente para dançar ou jantar com a esposa, a cineasta Sarah Bossard. “Sou incrivelmente grata a minha esposa por aguentar isso”, afirmou.

Contradições e relação com Musk
Questionada diversas vezes, Weidel se recusa a explicar como concilia a aparente contradição entre sua vida pessoal e a visão de sociedade que seu partido representa. “Não sou queer, mas sou casada com uma mulher que conheço há 20 anos”, disse ela em uma entrevista recente, usando a palavra em inglês.

Especialistas dizem que o fato da vida de Weidel contrariar os preceitos ortodoxos do partido aumentam sua credibilidade na promoção do AfD e fazem o partido parecer mais popular. “Weidel se tornou o rosto do partido por conta de sua biografia e de seu passado, além da habilidade de falar claramente, mesmo que sem muita empatia”, analisa Werner Patzelt, cientista político que estuda o AfD há um bom tempo.

Weidel passou a integrar o partido em 2013, quando era virtualmente focado em uma causa única — a oposição à moeda comum na Europa —, antes de chegar ao posto mais alto, o de candidato a chanceler. Parcialmente em razão do fato de ninguém querer trabalhar com seu partido, ela nunca teve cargos no governo. Foi eleita ao Parlamento pela primeira vez em 2017.

Mesmo antes de seu novo e importante papel, Weidel era figura conhecida em programas de debate político na TV alemão. Ela argumenta que seu partido é libertário e não nacionalista de direita, uma posição que a faz bater de frente com membros mais viscerais.

Seu inglês fluente a ajudou a construir um relacionamento com Elon Musk, conselheiro bilionário de Donald Trump, que entrevistou Weidel em sua rede social, o X. Musk surpreendeu o partido em dezembro ao aparecer num telão durante um evento de campanha em Halle. Na ocasião, ofereceu apoio ao AfD disse aos membros reunidos que os alemães “focam demais numa culpa passada”. O próprio Musk criou polêmica ao fazer um gesto amplamente interpretado como nazista para apoiadores de Trump após a posse do presidente americano.

Durante a entrevista no X, Musk retratou Weidel como “uma pessoa bem racional” e distanciou ela e o AfD dos nazistas. Apesar dos esforços, alguns parecem não ter entendido a mensagem. Assim que Weidel subiu no palco em Halle, o público entoou uma adaptação pouquíssimo sutil do slogan nazista “Tudo pela Alemanha”. Uma frase normalmente gravada nas facas de tropas nazistas e proibida no país. Fizeram uma ligeira alteração: “Alice pela Alemanha!”, diziam os gritos.

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