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Congresso peruano aprova pedido que pode levar a impeachment do presidente

O próximo passo é definir quando vão ocorrer a defesa do mandatário e a votação que decide sobre seu afastamento

O atual presidente do Peru, Martín VizcarraO atual presidente do Peru, Martín Vizcarra - Foto: Andres Valle / AFP

Dois anos e meio após a interrupção do mandato de Pedro Pablo Kuczynski, o Peru volta a viver uma crise que pode levar à destituição do atual presidente, Martín Vizcarra, 57.

No fim da tarde desta sexta (11), o Congresso terminou de votar a moção de vacância do presidente Martín Vizcarra -o pedido foi aprovado por 65 votos a favor, 36 contra e 24 abstenções. O próximo passo é definir quando vão ocorrer a defesa do mandatário e a votação que decide sobre seu afastamento.

Por lei, essa nova sessão precisa ser realizada em, no máximo, dez dias. E, para que Vizcarra seja afastado, são necessários 87 votos.

O pedido debatido ao longo desta sexta foi apresentado na noite de quinta-feira pelo parlamentar Edgar Alarcón.

O congressista mostrou três áudios que serviriam como evidência de que um amigo de Vizcarra, o cantor e compositor Ricardo Cisneros, foi favorecido por contratos públicos com o Ministério da Cultura no valor de US$ 50 mil (cerca de R$ 266 mil).

Nas gravações, o presidente pede a assessoras que mintam em um inquérito parlamentar sobre sua relação com um ex-colaborador investigado por contratos irregulares.

Alarcón é do partido Unión pelo Peru, cujo líder é Antauro Humala, irmão mais velho do ex-presidente Ollanta Humala e líder de um grupo nacionalista armado que está preso por um ataque terrorista na cidade de Andahuaylas.

A divulgação dos áudios e a apresentação do texto foram aprovados pelo presidente do Congresso, Manuel Merino, do partido Ação Popular, que tem maioria na casa.

No caso de afastamento de Vizcarra, é Merino quem assume a Presidência -uma vez que a segunda vice-presidente, Mercedes Araóz, renunciou durante a crise que levou o presidente a pedir o fechamento do Congresso em 2019.

Nos áudios, há mais de uma conversa entre Vizcarra e a secretária-geral da Presidência, Karem Roca, para organizar visitas de Cisneros, cujo nome artístico é Richard Swing, à sede do poder Executivo. Uma das gravações mostra ambos falando sobre as investigações já em andamento e outra traz um diálogo entre Roca e o próprio Cisneros.

"Isso é uma palhaçada para desestabilizar a democracia, para tomar o controle do governo e permitir a reeleição de congressistas, postergar as eleições e garantir trunfos eleitorais", disse Vizcarra, que afirmou que não renunciará.

Entre os parlamentares que mostraram apoio à moção, até o começo da noite desta sexta, estão vários que enfrentam processos de corrupção -como o próprio Alarcón-, membros do partido fujimorista Força Popular e do Podemos Perú.

O Congresso anterior, dissolvido por Vizcarra em 2019, e o atual têm maioria opositora e vêm boicotando as reformas políticas que estão sendo impulsionadas pelo Executivo, como a regulamentação do fim das reeleições para cargos parlamentares e regionais.

"Esse pedido de vacância não faz o menor sentido. O conteúdo desses áudios não traz nenhuma acusação grave que justifique a destituição de Vizcarra, ainda mais quando estamos próximos a uma eleição que renovará tudo, a Presidência e o Congresso. Só posso pensar que está sendo articulado por interesses que querem evitar essas eleições por meio de um golpe", diz à reportagem a analista política Rosa María Palacios.

Para o autor da biografia "Vizcarra" (editora Planeta), Martin Riepl, a tentativa de remover o presidente do cargo "responde a interesses de grupos muito afincados no Parlamento, como as bancadas de evangélicos, da educação e de lobistas do mundo empresarial. Estes que não estão interessados nas eleições convocadas e vão buscar, por meio dessa desestabilização, mudar o calendário eleitoral para continuar no poder e evitar a reforma política".

O mandato de Vizcarra termina no próximo dia 28 de julho. As eleições estão marcadas para o dia 11 de abril.

A figura política à qual o texto da moção se baseia para afastar Vizcarra do cargo é a de "permanente incapacidade moral". Riepl observa que essa categoria é antiquada, "era usada em outros tempos, quando um mandatário perdia de fato a saúde e a capacidade intelectual de manejar o poder".

Alarcón, titular da Comissão de Fiscalização do Congresso, afirma que o presidente teria "desenhado uma estratégia para que servidores públicos mintam ante autoridades em investigações de irregularidades em contratações do Ministério da Cultura e outros".

O texto do pedido de vacância diz que "os conteúdos dessas conversas são indícios de possíveis delitos de encobrimento real e de obstrução à Justiça".

O texto inclui ainda uma menção à má administração, por parte de Vizcarra, da pandemia do coronavírus.

Em declarações à imprensa, Cisneros diz que foi usado com o objetivo de "conseguir o poder político mediante um golpe de Estado disfarçado de vacância".

No caso de a moção ser aceita, será marcada a data da votação da destituição. Por lei, o voto precisa ocorrer em até dez dias a partir desta sexta-feira (11).

Nessa data, Vizcarra terá direito a uma defesa de uma hora, acompanhado de um advogado. O número de votos necessários para que seja retirado do cargo é de dois terços do Parlamento, ou seja, 87.

Atualmente sem partido, Vizcarra assumiu o país num período conturbado. Desde que PPK tomou posse, em julho de 2016, a bancada fujimorista, então majoritária no Parlamento, fez sua vida muito difícil.

PPK teve vários ministros e também seu primeiro-ministro (que cumpre a função de chefe de gabinete) impedidos pelo Congresso.

O então presidente enfrentou dois pedidos de moção de vacância sob a acusação de que teria se envolvido no escândalo de subornos e caixa dois da empreiteira brasileira Odebrecht enquanto ocupou os cargos de ministro e primeiro-ministro do ex-presidente Alejandro Toledo (2001-2006).

O primeiro pedido acabou não sendo aprovado, graças a um acordo de PPK com Kenji Fujimori, o filho mais novo do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), que armou uma dissidência dentro do Força Popular –partido fujimorista, comandado por sua irmã, Keiko.

Os parlamentares aliados a Kenji votaram contra a destituição de PPK. A moeda de troca foi um indulto a Fujimori pai, que foi solto. A Justiça peruana, no entanto, invalidou a decisão.

Na segunda vez, sem ter certeza de reunir os votos que poderiam salvá-lo da destituição, PPK decidiu renunciar antes da votação do pedido. Deixou o poder, então, em 23 de março de 2018.

Ao sair, foi formalmente processado por participar do escândalo da Odebrecht e hoje cumpre prisão domiciliar.

Foi assim que Martín Vizcarra, que era vice de PPK, acabou assumindo a Presidência. Em 30 de setembro de 2019, Vizcarra ordenou a dissolução do Congresso usando um recurso legal que está na Constituição Nacional, permitido quando se nega ao Executivo uma questão de confiança.

A moção de vacância pode ser invocada por cinco razões: morte, incapacidade moral ou física permanente, aceitação de sua renúncia pelo Congresso, saída do território nacional sem permissão do Congresso ou não retorno no prazo estipulado, e destituição depois de ter sido sancionado por infrações mencionadas no artigo 117 da Constituição (traição à pátria, tentativa de impedimento das eleições presidenciais, legislativas ou regionais).

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