"Construo o que você quiser": conheça história de pedreiro sem-teto que sobrevive de artes no Recife
Sem emprego há oito anos, Wellington Pereira vive em situação de rua com esposa, filho e cachorrinho, vendendo casarões e porta-retratos feitos com palitos de picolé; saiba como ajudar
Diante de uma instalação de pouco mais de um metro de altura feita com pedaços de madeira, lona e papelão, chama atenção um homem sentado construindo uma miniatura de uma mansão. Wellington Pereira da Silva, de 50 anos, faz um protótipo daquilo que sabe construir muito bem com a experiência acumulada de pedreiro que, hoje, desempregado, faz arte para sobreviver na calçada da av. Martins de Barros, às margens da ponte Buarque de Macedo, quase diante do Palácio do Campo das Princesas, sede do governo pernambucano, no Centro do Recife.
De barriga ainda vazia, perto das 11h da manhã, o pedreiro escuta a companheira, Josineide Galdino da Silva, 52, pedir trocados a quem passa por perto enquanto conta a história de como entrou para a estatística de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Pedreiro formado, Wellington passa seus dias ali mesmo – apesar de estar frequentemente mudando de lugar por ser expulso das calçadas do Centro do Recife –, sob a precária proteção de alguns papelões, pedaços de madeira, tábuas, lonas, e a companhia da esposa, o filho de 18 anos, Welldson, e o cãozinho, o Rambo.
Por falta de um emprego que lhe desse uma renda para se sustentar, ele foi parar nas ruas da capital, onde hoje chama a atenção de quem passa pelo local ao exibir suas peças de artesanato, que aprendeu a confeccionar dentro do sistema penitenciário.
Por causa de “um erro que cometeu na juventude”, Wellington cumpriu pena no sistema carcerário, em regime fechado, de onde saiu há oito anos. Desde então, portas fechadas foi tudo que ele encontrou até agora.
Apesar de não ter mais nenhuma pendência com a Justiça, as marcas do sistema nunca o deixaram e ainda o impedem de seguir em frente. Atrelado a isso, o artista também sente na pele os estigmas do racismo estrutural, que impede pessoas pretas de ascenderem em direção a uma vivência digna.
“As pessoas têm medo do negro. O preto neste país (não tem oportunidade) e, se for ex-presidiário, então, o pessoal descarta como se fosse lixo. É muito doloroso, mas a gente pode fazer o quê?”, questiona Wellington.
Arte
Mesmo não trabalhando com construção civil atualmente, o artesão produz mansões e casarões mobiliados que mais tarde viram abajures, com estrutura de dois andares, e lâmpadas de led, tudo em miniatura. Ele faz isso usando cola branca, isopor e centenas de palitos de picolé. No tronco do pé de castanhola em frente ao seu barraco, ele ainda exibe os porta-retratos que também produz.
Os abajures em formato de casa, que depois de prontos têm cerca de 70 cm de altura, são vendidos no Marco Zero, na área central da cidade, por R$ 300. Wellington também aceita encomendas e fabrica o objeto da maneira que os clientes pedem, mas, por falta de material, há dez meses, ele não consegue confeccionar nada.
Sua arte nasceu dentro da prisão, quando a esposa fazia questão de levar material para ele. Fora do sistema penitenciário, esta prática o ajuda a compor sua única fonte de renda. Com dedicação e cuidado, diariamente, ele senta em frente ao barraco e constrói suas obras, que poderiam muito bem estar em feiras de artesanatos.
“É muito difícil. A gente, constantemente, tá sendo discriminado, porque quando se dorme na rua é assim. Às vezes, as pessoas nos veem na rua e desviam até o caminho. Mas não desejo mal a ninguém (...) as coisas vão melhorar”, diz ele, esperançoso.
As casas de palitinhos demoram cerca de duas semanas para ficarem prontas. A fabricação contrasta com a profissão de pedreiro não exercida atualmente por ele, que tem orgulho em dizer que sabe fazer de tudo no ramo da construção civil. “Oportunidade, que é bom, não tem, mas eu faço de tudo em área de construção. É uma pintura, uma encanação, elétrica, coloco gesso, PVC (...) é só mostrar o terreno que eu construo o que você quiser”.
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A esposa faz pinturas em garrafas de vidro e também crochê e tricô. Mesmo assim, o que os dois fazem não é suficiente para tirá-los da rua.
“Estamos sem material para trabalhar, enquanto não conseguimos trabalho (formal), precisamos de doações”, relata a esposa de Wellington, que completa com um desabafo: 'Tudo que eu quero e peço sempre aqui é uma oportunidade de emprego'”.
“A gente até tá precisando de doação de tinta, cola branca, linhas e pincéis'', diz Josineide, que também usa o pouco que consegue para cuidar de Rambo, o cachorro adotado pela família quando ainda era um filhote. “Pedimos ajuda pra ele também, ele é muito bem tratado, e sempre chega doações, ração, xampu… mas ele precisa de socorro”.
O "mascote da família"
Rambo, de um ano e dois meses, é o vira-lata caramelo resgatado da rua pela família. O cãozinho também ganhou um abrigo próprio ao lado dos seus donos. A casinha também foi construída pelo artista, que não abre mão da proteção do seu parceiro de quatro patas. “É o nosso mascote”, diz o pedreiro.
Brincalhão, Rambo está com vida em risco por não ter acesso aos procedimentos médicos necessários para curar o sangramento incessante que possui no pênis. Segundo a artesã, um veterinário avaliou o cão há cerca de um mês, lá mesmo, em frente à casinha, e teria dito que o cão precisa passar por um procedimento que custa R$ 800 ao todo.
Mesmo tendo conhecimento sobre hospitais que realizam atendimento de forma gratuita, o transporte do animal é um impasse. “Precisamos de um carro pra levar, para ajudar. São tantos animais resgatados na rua, ele também podia ser resgatado para se tratar”, sugere.
Dizeres com pedido de ajuda e um número de celular para contato fazem parte da "decoração" da casinha de Rambo. A família tem um aparelho de celular, de modelo antigo, que ganhou através de doação, e carrega a bateria na Capela Dourada, localizada na Rua Imperador Pedro II, no Bairro de Santo Antônio.
Rotina
“Todo mundo sabe que quem mora na rua depende da ajuda da população”, relata Josineide. A artesã explica que, nas manhãs que conseguem comer, é com a ajuda de doações. À tarde, eles almoçam em restaurante popular que serve comida de graça, na rua Capitão Lima, no bairro de Santo Amaro. E, à noite, é com ajuda de voluntários que eles têm alimentação.
“Frustração” e “dor” são palavras usadas pelo pedreiro para descrever o sentimento de dormir sobre papelões e acordar, muitas vezes, sob pingos da chuva fria que molham seu corpo e escorrem pelas paredes de papelão.
“Todos os dias, a gente vai pedindo força ao papai do céu e vai tentando caminhar até o momento que alguém diga ‘Rapaz, vou dar uma ajuda a esse cabra’”, comenta ele com esperanças de um futuro melhor. “Estou desempregado. É a vida. Mas nunca perdi a fé, nunca deixei de acreditar que vai melhorar”.
Como ajudar
- Para ajudar a família e o cachorrinho que atualmente moram na calçada da av. Martins de Barros, os interessados podem doar alimentos, material de higiene pessoal, além de ração para o Rambo.
- O cão também precisa de transporte e atendimento especializado para tratar o sangramento que o atormenta.
- Quem quiser contribuir com o trabalho dos artistas pode entrar em contato com ele pelo número: 81 9 8646-0555 e doar tinta plástica acrilex, cola branca, palitos de picolé, linhas de crochê e pincéis.