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Contrariando Bolsonaro, Nasa aponta que queimadas são fruto de desmatamento

Ferramenta da agência espacial classifica diferentes tipos de incêndios

Imagens de satélite mostram queimadas em 1º de agosto na AmazôniaImagens de satélite mostram queimadas em 1º de agosto na Amazônia - Foto: Divulgação/Nasa

A maior parte dos incêndios na Amazônia brasileira desde junho ocorreu em áreas de florestas que foram recentemente desmatadas, segundo aponta análise da Nasa (agência espacial dos EUA), ao contrário do que já disseram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o vice-presidente e chefe do Conselho da Amazôni Hamilton Mourão.

Em um artigo publicado na quarta (19) com o título "Vamos falar de queimadas", Mourão não cita o desmatamento como motivo para o fogo na floresta. Ao contrário, o vice-presidente diz que ocorrem incêndios naturais na Amazônia –na verdade, por ser uma floresta úmida, fogo natural, proveniente de raios, por exemplo, é extremamente raro no bioma– e associa as queimadas a "balões de São João, fogueiras e queima de lixo".

No mesmo artigo, Mourão apresenta outras informações incorretas e afirma que a moratória do fogo de 120 dias contribuiu para redução dos incêndios. Segundo Mourão, houve diminuição de 7,6% das queimadas de 1º de maio a 31 de julho de 2020, o que não é verdade. Nesse período, houve um aumento de cerca de 23% dos focos de incêndio em relação aos mesmos meses do ano passado.
 


"Pessoal, tem certas regiões aqui, focos de incêndio que vai existir quase todo ano, que é caboclo, é o índio que toca fogo. Se ele não tocar fogo, é a cultura dele, ele não vai comer, não tem nada o que comer ano seguinte", afirmou Bolsonaro em live em 23 de julho deste ano, na qual acusou mais uma vez a imprensa de mentir.

Os dados sobre queimadas e desmatamento no Brasil divulgados são provenientes do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), instituto ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

A análise da Nasa é baseada em uma nova ferramenta da agência, desenvolvida em parceria com a Universidade da Califórnia em Irvine, nos EUA, e com a Universidade Cardiff, no País de Gales, que classifica os incêndios na Amazônia. A classificação –queimadas ligadas a desmatamento ou limpeza de pasto, por exemplo– é feita a partir das características do fogo, como tamanho e comportamento. Queimadas ligadas a desmatamento, por exemplo, são maiores, duram mais tempo e apresentam colunas de fumaças maiores.

Para conseguir apontar possíveis incêndios relacionados a desmate, a ferramenta faz cruzamento de dados de desmatamento do Inpe.

Seus dados também mostram que as afirmações de Mourão e Bolsonaro não fazem sentido. "Há um notável aumento na atividade de fogo desde o início da moratória", afirma Douglas Morton, líder do laboratório de ciências da biosfera da Nasa, na análise. "Nós também vimos que uma grande quantidade de incêndios é claramente relacionada a desmatamento. Não são pequenas queimadas relacionadas à agricultura."

A queimada faz parte do processo de desmatamento. Após derrubar a floresta, os desmatadores deixam a vegetação destruída secando para, durante o período seco na Amazônia, queimá-la. Em outros casos, a vegetação abaixo da copa das árvores maiores é derrubada, o que aumenta a luz que penetra na mata e seca a matéria orgânica no chão, o que facilita queimadas na área.

Os pesquisadores da Nasa também observaram concentrações de queimadas em áreas próximas a grandes rodovias, como a Transamazônica e a BR-163. Cientistas sempre apontam o papel de estradas na expansão de desmatamento e queimadas e, como mostra a análise dos cientistas da agência espacial americana, essa relação é constatável pela localização da destruição.

O lançamento da nova ferramenta ocorre em um momento crítico para a Amazônia, que já está em sua estação seca. Os focos de incêndios na floresta continuam seguindo uma tendência de crescimento.

Em junho, o bioma teve o maior número de queimadas desde 2007, com aumento de 20% de focos de incêndio em relação ao mesmo mês de 2019. Em julho, houve crescimento de 28% no número de focos de fogo.

"Aparentemente, nós estamos caminhando para uma situação comparável à de 2019 ou até pior", afirma, na análise, Paulo Brando, pesquisador da Universidade da Califórnia em Irvine que ajudou a desenvolver a ferramenta. "A preocupação é que se uma seca mais severa ocorrer e fizer com que a floresta fica mais inflamável, nós poderemos ver um dos piores desastres ambientais na Amazônia no século 21."

Em 2019, as queimadas na Amazônia foram intensas ao ponto de escurecer o céu de São Paulo durante uma tarde de agosto.

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