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COP16

COP16: Incidente com ativista Txai Suruí reflete desafios da cúpula nas discussões sobre indígenas

Líder indígena foi cercada por seguranças da ONU ao realizar protesto contra o marco temporal. Inclusão nas tomadas de decisões é pauta prioritária do grupo

Líder indígena Txai Suruí é cercada por seguranças da ONU após protesto na COP16 Líder indígena Txai Suruí é cercada por seguranças da ONU após protesto na COP16  - Foto: Amanda Scatolini

Povos indígenas são mencionados em pelo menos 20 metas para 2030 no Marco Global de Biodiversidade, evidenciando a crescente importância de sua inclusão nas discussões e tomadas de decisão sobre meio ambiente e conservação. Apesar desse reconhecimento, ainda existem barreiras significativas a serem ultrapassadas, e essas ficaram evidentes em dois episódios diferentes na Conferência da ONU sobre a Biodiversidade (COP16), que ocorre em Cali, Colômbia, na última quarta-feira.

Um deles foi um incidente envolvendo a líder indígena e ativista brasileira Txai Suruí, que foi cercada por seguranças da ONU e teve suas credenciais retiradas temporariamente após realizar um protesto contra a PEC 48, que busca instituir o marco temporal de terras indígenas, em tramitação no Congresso do Brasil. A ONU posteriormente reconheceu o erro na abordagem e lamentou o ocorrido, que levou à intervenção do pessoal da equipe brasileira na COP16, incluindo a ministra brasileira do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva.

Tudo começou quando Txai e um pequeno grupo de representantes indígenas brasileiros iniciaram um protesto com cartazes em uma das áreas abertas do centro onde ocorre a cúpula. A ideia era realizar a manifestação de forma coordenada com protestos que também aconteciam no Brasil naquele mesmo momento.

— Querem nos expulsar só porque a gente se manifestou contra a violência que está acontecendo no nosso território — disse Txai enquanto era contida pelos seguranças.

Segundo Thiago Karai-Djekupe, líder guarani da terra indígena de Jaraguá, que a acompanhava, o grupo foi inicialmente abordado por seguranças da ONU, que pediram que entregassem os materiais de protesto.

— Estávamos indo embora quando uma segurança segurou a mão de Txai, que estava com tinta vermelha, e disse que ela estava sujando-a — relata, acrescentando que ele e os companheiros já tentavam seguir para o Pavilhão do Brasil na conferência quando mais seguranças começaram a cercá-los. — Então ela disse que precisávamos mostrar nossas credenciais se quiséssemos sair e, quando mostramos, ela puxou a de Txai e a arrancou.

Após vários minutos de cerco, o grupo foi então encaminhado para uma sala fechada, onde a ministra Marina e a equipe brasileira intervieram.

Segundo os protocolos da ONU, para que protestos sejam realizados durante a conferência, é necessário obter autorização prévia. O grupo havia enviado o pedido, mas não recebeu resposta.

Após a liberação de Txai e dos demais, Marina afirmou que a representação da ONU a buscou pessoalmente e reconheceu o erro ao não responder ao pedido de manifestação a tempo, pedindo desculpas pela abordagem, considerada desproporcional.

— Obviamente, o movimento social tem um ritmo, a burocracia tem outro, e a realidade dos povos indígenas não pode mais esperar nem um minuto — disse a ministra. — Tomamos isso como um alerta para que tenhamos todos os cuidados, pois teremos uma COP em Belém [em 2025] que contará com centenas de milhares de indígenas e outros movimentos realizando manifestações.

O grupo teve suas credenciais devolvidas logo em seguida.

— Eu não sei se realmente entenderam o momento de emergência no mundo. Nós não temos mais território. Eu falei isso em 2021, agora estamos em 2024. Não estamos agindo como deveríamos agir. Espero que ainda dê tempo e que eles tragam decisões importantes nessa COP, que eles ouçam a nossa voz — disse Txai após ser liberada pela segurança.

A PEC 48 visa estabelecer um marco temporal para a demarcação de terras indígenas no Brasil. A proposta define que apenas as terras que os povos indígenas estivessem ocupando ou disputando judicialmente em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, poderiam ser demarcadas. Ativistas e críticos apontam que a proposta ignora expulsões forçadas e ameaças sofridas por povos indígenas antes dessa data, o que prejudicaria o direito sobre suas terras tradicionais.

— Fiquei um pouco assustado, sem saber como reagir. Estamos passando por um processo de muita violência em relação à PEC no Brasil, então chegamos aqui e passamos por isso – relatou Thiago após o ocorrido. — Não estávamos resistindo e tentamos respeitar a orientação dada. Em nenhum momento quisemos desrespeitá-los, e, por um erro deles, acabamos no meio de um cerco.

Mais tarde, em nota conjunta, o Secretariado da Conferência e o presidente do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas classificaram o ocorrido como um “incidente lamentável”, acrescentando que a COP16 “deve ser um espaço seguro e inclusivo para todos os participantes, especialmente para jovens e mulheres indígenas, garantindo sua plena participação e protegendo seu direito à liberdade de expressão”.

Entraves nas negociações
No mesmo dia, outra manifestação, dessa vez organizada pelo International Indigenous Forum on Biodiversity (IIFB), reuniu dezenas de representantes segurando cartazes em silêncio, em resposta à oposição de várias partes à criação de um órgão indígena permanente na conferência.

Este é um tema central na COP16. No âmbito do Marco Global da Biodiversidade, assinado em 2022, as representações indígenas buscam o reconhecimento de seus direitos territoriais e de seus conhecimentos tradicionais. Entre as principais demandas, está a participação direta nas discussões e o acesso sem intermediários a financiamentos para apoiar a gestão de suas terras, considerado essencial para fortalecer as práticas indígenas de conservação.

A ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sonia Guajajara, celebrou a manifestação, afirmando que a inclusão desses grupos, “reconhecidamente os principais guardiões da biodiversidade”, nas decisões é fundamental para fortalecer essa participação. Segundo ela, o Brasil já busca diálogo com a Rússia — um dos três países que se opõem à ideia, juntamente com Índia e Indonésia — para destravar essa negociação e deve apresentar uma proposta até o fim das tratativas, na sexta-feira.

— Precisamos estar inseridos nessas decisões enquanto protagonistas, e também na distribuição de benefícios. Garantir recursos para continuar o trabalho de proteção é também garantir nossos direitos — declarou.

O financiamento para conservação ambiental é um dos temas mais delicados da COP16, assim como a questão do enfrentamento das mudanças climáticas é na Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP29), que ocorrerá nos próximos dias em Baku, Azerbaijão. Para a ministra, é imprescindível estabelecer uma conexão entre as discussões para que as metas apresentadas sejam mais concretas e eficazes.

— Essa sinergia é necessária. Estamos agora nesse processo de preparação, de construção de posicionamentos — afirmou a ministra, falando sobre a COP30, que o Brasil sediará no ano que vem, em Belém. — Precisamos deixar um legado, porque essa discussão não se encerra aqui ou na COP30. Temos que garantir a implementação de metas a partir do respeito aos direitos, culturas e modos de vida.

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