Países em desenvolvimento tacham de "insulto" acordo climático da COP29
Acordo alcançado em Baku estabelece que os países ricos aportem US$ 300 bilhões ao ano para que as nações em desenvolvimento enfrentem as mudanças climáticas
Os países em desenvolvimento se manifestaram, neste domingo (24), sua decepção e tacharam de “insulto” o acordo alcançado na COP29, em Baku, que estabelece que os países ricos aportem US$ 300 bilhões (R$ 1,7 trilhão) ao ano para que as nações em desenvolvimento enfrentem as mudanças climáticas, uma cifra que é considerada insuficiente.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que esperava "um resultado mais ambicioso" e chamou "os governos para verem este acordo como uma base... E construímos sobre ela".
“O objetivo não é o que esperávamos conseguir. Depois de anos de discussão, não é ambicioso para nós”, disse Evans Njewa, diplomata do Malaui e chefe do bloco de Países Menos Desenvolvidos.
A contribuição acordada “é um insulto à demanda dos países em desenvolvimento”, afirmou Diego Pacheco, negociador-chefe da Bolívia. “O pagamento da dívida climática é um direito dos países do Sul Global”, defendeu, sendo ovacionado na sala onde foi realizada a sessão plenária.
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O queniano Ali Mohamed, à frente do grupo de países africanos, disse “extremamente decepcionado” com um acordo “pequeno demais, tardio demais”. “Não será suficiente”, alertou à AFP o negociador-chefe do Panamá, Juan Carlos Monterrey.
Segundo o projeto de acordo final, os países ricos se comprometem a transportar “pelo menos” 300 bilhões de dólares (R$ 1,7 trilhão) ao ano até 2035 para que os países empobrecidos enfrentem as consequências do aquecimento global.
Mas, os países em desenvolvimento calculam que, com a inflação, o esforço financeiro real dos países que prestam esta ajuda (os europeus, os Estados Unidos, o Canadá, o Japão, a Austrália, a Nova Zelândia) seria muito menor, ainda mais com os esforços já previstas pelos bancos multilaterais de desenvolvimento.
"Nenhum país conseguiu tudo o que queria, e vamos embora de Baku com uma montanha de trabalho ainda por fazer. Sendo assim, não é o momento de dar voltas da vitória", afirmou o chefe da organização da ONU para o clima, Simon Stiell , em um comunicado.
O pacto é “decepcionante” e “não está à altura dos desafios”, lamentou a ministra francesa da Transição Ecológica, Agnès Pannier-Runacher.
A União Europeia, ao contrário, comemorou o acordo. O pacto “marca uma nova era” na cooperação e no financiamento climático, saudou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em uma postagem no X.
O acordo estabelece separadamente o objetivo ambicioso de obter um total de 1,3 trilhão de dólares (7,5 trilhões de reais) até 2035 para os países em desenvolvimento, o que incluiria a contribuição dos países ricos e outras fontes de financiamento, como fundos privados ou novas taxas.
A decisão chegou mais de um dia depois do encerramento oficial da conferência e após revelar "dolorosas", nas palavras da ministra de Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, que atribuiu o bloqueio continuado à falta de uma "liderança central".
Em 2025, o Brasil sediará a COP30 em Belém do Pará. "As pessoas duvidavam que o Azerbaijão pudesse consegui-lo. Duvidavam que todo o mundo pudesse chegar a um acordo. Equivocaram-se nas duas coisas", declarou, como encerramento da cúpula, o presidente da COP29, Mujtar Babayev, ministro e ex-diretor da companhia petroleira nacional, Socar.
Um dia conturbado
Para Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima brasileiro, após a aprovação do acordo, o Brasil tem pela frente uma tarefa gigantesca para a COP30: "aumentar o financiamento e reconstruir a confiança entre os países".
O sábado foi conturbado em Baku: os negociadores da aliança de pequenos Estados insulares (Aosis) e os países mais pobres do planeta, descontentes com o projeto de acordo apresentado a portas fechadas, abandonaram abruptamente uma reunião à tarde com a presidência azeri.
Eles reivindicavam no mínimo um transporte anual de US$ 500 bilhões (R$ 2,9 trilhões). A conferência estava prevista para terminar na tarde de sexta-feira. Porém, na ausência de consenso, as negociações se estenderam no estádio da capital do Azerbaijão.
Durante a sessão plenária final, os participantes também aprovaram uma série de pontos validados anteriormente, como as normas que vão regulares nas negociações dos créditos de carbono entre as nações.
Quanto a países como os do Golfo, China e Singapura, que não pertencem à lista da ONU de Estados responsáveis por financiar os fundos climáticos, elaborada em 1992, o seu transporte será "voluntário", apesar da crítica dos países ocidentais, que aponta que estes as nações enriqueceram fortemente nas últimas décadas.
O acordo não inclui nenhuma referência direta à transição para o abandono das energias fósseis, previsto no acordo realizado no ano passado na COP28, em Dubai. Ao contrário, os "combustíveis de transição", um termo que a indústria gasífera utiliza para o gás natural, foram explicitamente mencionadas.
"O ano passado pelo menos foi incluído. Agora a saída é praticamente excluída do texto", disse à AFP Eduardo Giesen, coordenador para a América Latina da campanha DCJ. “Este acordo e esta COP foram as piores existentes”, lamentou.