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Coreia do Sul: Oposição promete pedir impeachment de presidente por lei marcial

Em comunicado, Partido Democrático afirmou que também apresentará acusações de insurreição contra Yoon Suk Yeol

O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-Yeol, discursa durante cerimônia pelo Dia da Libertação Nacional Coreana O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-Yeol, discursa durante cerimônia pelo Dia da Libertação Nacional Coreana  - Foto: KIM Min-Hee / POOL / AFP

O principal partido de oposição da Coreia do Sul anunciou nesta quarta-feira que apresentará acusações de insurreição contra o presidente Yoon Suk Yeol e outros altos funcionários de segurança em razão de sua breve declaração de lei marcial. "Vamos apresentar acusações de insurreição" contra Yoon, seus ministros da Defesa e do Interior, além de "figuras-chave das Forças Armadas e da polícia envolvidas, como o comandante da lei marcial e o chefe da polícia", afirmou o Partido Democrático em um comunicado, acrescentando que também buscará o impeachment.

O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, decretou lei marcial nesta terça-feira, sob o pretexto de proteger o país das "forças comunistas", em meio a uma forte disputa com a oposição no Parlamento. A medida surpreendente — que determinava o fechamento do Congresso, proibia manifestações públicas e reuniões políticas e estabelecia o controle da imprensa — foi suspensa horas depois, após ser derrubada em votação por deputados de oposição e governistas, que acusaram o chefe de Estado de agir ilegalmente. O chefe de Gabinete e toda a equipe pediram demissão, e deputados, incluindo os governistas, discutem abertamente um processo de impeachment.

 

Eram quase 23 horas (horário local) quando Yoon foi à TV declarar lei marcial, afirmando que tomava a decisão “para erradicar as forças pró-Coreia do Norte e proteger a ordem constitucional livre”. O presidente, que ocupa o cargo há dois anos e é conhecido por suas posições conservadoras, não detalhou as ameaças específicas da Coreia do Norte que teriam justificado a imposição da lei. Na semana passada, os deputados da oposição, que têm maioria no Parlamento, aprovaram um plano orçamentário significativamente reduzido por meio de uma comissão parlamentar.

— Para salvaguardar uma Coreia do Sul liberal das ameaças representadas pelas forças comunistas da Coreia do Norte e para eliminar os elementos antiestatais (...), declaro a lei marcial de emergência — disse Yoon, em um discurso transmitido ao vivo para a nação. — Sem considerar os meios de subsistência das pessoas, o partido da oposição paralisou o governo unicamente por interesse de julgamentos políticos, investigações especiais e para proteger seu líder da Justiça.

Após o discurso, o líder da oposição da Coreia do Sul, Lee Jae-myung, denunciou a lei marcial como "ilegal" e pediu ao povo para que se reunisse no Parlamento, em protesto. Lee, que foi esfaqueado no pescoço no começo do ano por um homem que fingiu ser um apoiador, perdeu por poucos votos para Yoon na eleição de 2022.

— A ordem presidencial após a declaração ilegal da lei marcial é uma ordem que viola a Constituição e a lei, e segui-la é em si ilegal. Por favor, venham à Assembleia Nacional agora. Estou indo para lá também — afirmou Lee, pedindo que as tropas retornassem aos quartéis. — Quem comanda vocês não é a pessoa que declarou a lei marcial ilegal, inconstitucional e inválida. Vocês devem seguir as ordens do povo soberano.

Os coreanos atenderam ao chamado: durante a madrugada (horário local), milhares de pessoas protestaram em frente ao local. "Prendam Yoon Suk-yeol!", gritavam. Segundo a lei marcial, "greves, paralisações e protestos que incitem o caos social estão proibidos".

Em uma outra frente de pressão, a Confederação Coreana de Sindicatos, que reúne 1,2 milhão de trabalhadores, anunciou uma greve geral e por tempo indeterminado até que Yoon deixe o cargo.

— Estaremos na vanguarda do povo junto com o povo e lutaremos pela renúncia imediata de Yoon Seok-yeol — disseram os lideres da confederação, em declaração conjunta à imprensa em Seul, citados pela agência Yonhap. — A greve geral da Confederação Coreana de Sindicatos será o início do fim da era de desigualdade e polarização e da abertura de uma nova era de respeito pelo trabalho.

Soldados tentaram bloquear a entrada da Assembleia, impedindo que os parlamentares acessassem o plenário, mas 190 conseguiram passar e votaram unanimemente contra Yoon. Desses, 172 eram da oposição e 18 de própria sigla do presidente, o Partido do Poder Popular (PPP). Com 300 assentos na Casa, os deputados precisavam de maioria simples para derrubar a medida.

— Esta declaração de lei marcial perdeu seu efeito prático devido à decisão da Assembleia Nacional de suspender a lei marcial. Portanto, é ilegal para os militares e a polícia exercerem o poder público com base na lei marcial — afirmou o líder do PPP, Han Dong-hoon, em entrevista coletiva. — Como partido no poder, lamentamos muito que tal situação tenha ocorrido.

Após a votação, Yoon retirou sua proposta de impor lei marcial — a primeira do país em 40 anos — e convocou uma reunião emergencial de Gabinete, que aprovou uma moção para suspender a medida, informou a agência de notícias Yonhap na madrugada desta quarta-feira (tarde de terça em Brasília).

— Agora há pouco, houve uma demanda da Assembleia Nacional para suspender o estado de emergência, e nós retiramos os militares que foram enviados para as operações da lei marcial. Aceitaremos a solicitação da Assembleia Nacional e suspenderemos a lei marcial por meio da reunião do Gabinete — declarou Yoon em um discurso televisionado antes da aprovação da moção.

Terremoto político
Na manhã de quarta-feira na Coreia do Sul, noite de terça no Brasil, o chefe de Gabinete do Presidente, os secretários seniores e funcionários de alto nível apresentaram, de forma coletivam, a sua demissão. Yoon cancelou todos os compromissos previstos para a quarta-feira, e não disse se aceitaria os pedidos para que deixassem os postos.

De acordo com a imprensa sul-coreana, o PPP discute internamente como responder à crise, e as opções sobre a mesa não parecem boas para o presidente. Em entrevista à Rádio KBS após uma reunião de lideranças, Kim Jong-hyuk, integrante da direção do partido, afirmou que muitos defendem uma reprimenda a Yoon e até que seja expulso da sigla. Cho Kyoung-tae, falando à Rádio SBS, foi enigmático ao ser questionado sobre um eventual processo de impeachment.

— Acho que devemos manter todas as possibilidades abertas — declarou.

Já o Partido Democrático, o maior da oposição, foi mais direto, e afirmou em resolução aprovada na manhã de quarta-feira que "se o presidente Yoon não renunciar imediatamente, seguiremos a vontade do povo e iniciaremos imediatamente o processo de impeachment".

“A própria declaração da lei marcial é fundamentalmente inválida e uma violação grave da Constituição. Este é um grave ato de rebelião e uma razão perfeita para impeachment”, diz o texto. "Não vamos ficar sentados assistindo ao crime do presidente Yoon de destruir a Constituição, que violou a Constituição e a democracia. O presidente Yoon deve renunciar voluntariamente imediatamente".

A reviravolta provocou júbilo entre os manifestantes do lado de fora do Parlamento, que enfrentaram temperaturas congelantes para manter a vigília durante a noite, desafiando a ordem de lei marcial de Yoon. Agitando faixas e bandeiras sul-coreanas e cantando “Prendam Yoon Suk-yeol” do lado de fora da Assembleia Nacional, eles explodiram em aplausos.

Todavia, para Lim Myeong-pan, de 55 anos, a decisão de Yoon de rescindir a lei marcial não o absolve de seus erros.

— O ato de Yoon de impô-la em primeiro lugar sem causa legítima é um crime grave por si só — disse Lim à AFP. — Ele pavimentou seu próprio caminho para o impeachment com isso.

Entenda as medidas
No discurso televisionado na noite de terça-feira (horário local), o presidente sul-coreano acusou os legisladores de cortar "todos os orçamentos-chave essenciais para as funções fundamentais do país, como o combate aos crimes relacionados às drogas e a manutenção da segurança pública, transformando a Coreia do Sul em um paraíso das drogas e em um estado de caos na segurança pública".

— Nosso Congresso Nacional se tornou um refúgio para criminosos, uma toca de ditadura legislativa que busca paralisar os sistemas judicial e administrativo e derrubar nossa ordem democrática liberal — disse, qualificando a oposição como dominada por "forças antiestatais que tentam derrubar o regime" e considerou sua decisão "inevitável". — Restaurarei a normalidade no país.

Yoon não detalhou as medidas que seriam adotadas, mas o chefe do Estado-Maior do Exército, Park An-soo, encarregado pela execução da lei marcial, anunciou em seguida que todas atividades políticas estariam suspensas — e isso incluía, além de greves, a própria Assembleia Nacional, que tem o poder de reverter a declaração de Yoon. Havia rumores de que o Legislativo seria dissolvido e novas eleições convocadas.

"Todas as atividades políticas, incluindo as da Assembleia Nacional, conselhos locais, partidos políticos, associações políticas, manifestações e protestos, estão proibidas", diz o documento. "Estão proibidos todos os atos que neguem ou tentem derrubar o sistema democrático liberal, bem como a disseminação de notícias falsas, manipulação da opinião pública e propaganda falsa. Todos os meios de comunicação e publicações também estarão sob controle do Comando da Lei Marcial".

Além disso, todo o pessoal médico, incluindo aqueles em treinamento, que estejam em greve ou tenham deixado o setor médico "devem retornar ao trabalho dentro de 48 horas e exercer suas funções de forma fiel". "Aqueles que violarem esta regra serão punidos de acordo com a Lei Marcial".

Repercussão internacional
Países ocidentais, além da China e da ONU disseram nesta terça-feira, em declarações separadas, que estavam acompanhando a situação na Coreia do Sul com "grande preocupação".

— Estamos acompanhando a situação de perto com preocupação — afirmou Stephane Dujarric, porta-voz do secretário-geral, acrescentando que não poderia comentar mais sobre uma situação que está "mudando rapidamente".

A Coreia do Sul é um importante aliado dos Estados Unidos na Ásia, mas Washington disse que não foi avisado com antecedência sobre o plano de Yoon de impor a lei marcial.

— Estamos observando os recentes acontecimentos na República Democrática da Coreia com grande preocupação — disse o vice-secretário de Estado, Kurt Campbell, após a imposição da lei marcial, referindo-se à Coreia do Sul pelo seu nome oficial, República da Coreia.

A China, um importante aliado da Coreia do Norte, pediu aos seus cidadãos no Sul que mantivessem a calma e tivessem cautela, enquanto o Reino Unido disse que estava “monitorando de perto os acontecimentos”.

Orçamento em xeque
Vladimir Tikhonov, professor de estudos sobre a Coreia na Universidade de Oslo, disse que a iniciativa de Yoon de impor a lei marcial foi “uma tentativa de fazer a história retroceder”.

— Não creio que a sociedade civil da Coreia do Sul possa continuar reconhecendo Yoon como um presidente legítimo — afirmou ele à AFP.

O Partido do Poder Popular de Yoon e o principal partido de oposição, o Partido Democrático, estão amargamente em desacordo com relação ao Orçamento do próximo ano.

Na semana passada, os parlamentares da oposição aprovaram um plano orçamentário significativamente reduzido em uma comissão parlamentar. A oposição cortou aproximadamente 4,1 trilhões de wons (R$ 17 bilhões) do plano orçamentário de 677 trilhões de wons (R$ 2,88 trilhões) proposto por Yoon, reduzindo o fundo de reserva do governo e os orçamentos de atividades para o Gabinete presidencial, o Ministério Público, a polícia e a agência de auditoria do Estado.

A imposição da lei marcial de emergência ocorreu depois que o índice de aprovação de Yoon caiu para 19% na última pesquisa Gallup, na semana passada, com muitos expressando insatisfação em relação à forma como ele lida com a economia e com as controvérsias envolvendo sua esposa, Kim Keon Hee.

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